domingo, 5 de janeiro de 2014

ANTÔNIO ROBERTO

DESCRIÇÃO DO PROFESSOR ANTÔNIO ROBERTO

Cozinhou o juízo e caducou cedo...


Professor Antônio Roberto

                 A primeira vez que eu encontrei o Curupira-Caipora faz mais de meio século.  Vinha de uma propriedade de meu pai chamada Ema, a uns quatro quilômetros de Nova Russas.

                Com muita sede e num sol quente de após o meio dia, arriei no chão o saco de espigas de milho verde, melancias e jerimuns que trazia nas costas. Queria aproveitar a sombra de um grande angico para descansar um pouco.

              Por detrás de uma moita de mufumbo ele saiu de repente. Cabelos compridos, lisos e hirtos. Cabeça grande, olhos redondos e boca cheia de dentes irregulares. Os pés, os pés me fizeram subir um arrepio, eram virados para trás, grandes e maltratados. Não era alto, mas era forte e aparentava muita saúde.  A roupa era uma tanga que só cobria o sexo. Na mão direita portava um cipó de uma planta espinhosa, tal de japecanga, com a qual açoitava a meninada, assim diziam.                                                                                                        
           Os olhos em brasa competiam com o sorriso na desdenhes. Senti sua enorme superioridade. Atrapalhado pelo imenso medo, procurei nos bolsos os cordões e a “péia” de fumo. Era crença do povo que estas coisas lhe agradavam e o acalmavam.                                                                                                                                                                                   
               Já sei! Já sei! Falou com uma voz rouca e vagarosa. Não trouxe porque também é daqueles que não acreditavam que eu existia! Mas não esqueceu a baladeira, com que você mata meus amigos pássaros, preás e soins. Você é daqueles iguais aos seus antepassados e outros que depois de matar os índios, cortaram e queimaram minhas melhores arvores, além de dizimarem os animais e pássaros das matas. Comeram meus queixadas  e hoje é difícil eu arranjar um caititu para andar em cima.

               Cada dia que passa vocês destroem. Não plantam senão o de interesse comercial. Um pajé, antes de morrer me disse: Haverá um tempo que as matas e as águas lhes farão suprema falta. Eles pagarão e muito caro!...

             Neste momento o Caipora inflamou-se, esperei que fosse me maltratar, tentei falar. “Seu Caipora”, “Seu Caipora”... Ao contrário, ele afastou-se, deu um assobio tão agudo que meus ouvidos quase estouraram. Apareceu um enorme porco no qual ele montou e foi embora.

             Tomei do saco e corri para a estrada onde encontrei o Sr. Sales Mateus, nosso amigo que ia para Nova Russas trabalhar no turno da tarde no ofício de ferreiro.  Aos trancos e barrancos consegui contar-lhe o encontro. Ouviu-me com atenção. Pediu o pesado saco e o colocou na “lua” da sela.

              Continuamos juntos e do alto do seu jegue bem arreado eu o ouvi murmurar: “Também pudera, é da raça de Timbó, que tem a cabeça fraca”. “Vou falar para o Dr. Osvaldo, num sol quente deste o juízo do menino cozinhou”!

             Passado todo este tempo, vivido a maior parte em Fortaleza, aposentei-me como professor da Universidade Federal do Ceará e fiquei  definitivamente em Nova Russas. Como funcionário público municipal, pedi lotação como professor de Educação Física no Distrito de Nova Betânia, onde passo a maioria dos fins de semana, na fazenda de parentes.
                                        
             Certa manhã de domingo de um mês “br-o-bro”, lá pelas dez horas, fui a um angico próximo tirar resina. Esta secreção é muita rica em sais minerais e dizem, com propriedades medicinais maravilhosas. Eu gosto muito dela. Não encontrando perto de casa fui andando em ziguezague, de angico em angico, e nada encontrando. Já tinha andado bastante na caatinga e me dei conta que estava longe de casa.

             Desta vez eu não me assustei, ele apareceu com naturalidade, sem arrogância e até me cumprimentou: Olá, disse, não precisa puxar o facão, eu estou somente a passear neste deserto. Você está esbaforido e não tem uma sombra para descansar! Também não encontra mais jandaíras, jatis, maracujás, canapuns e carás para arrancar e comer. Os olhos d'água secaram e os bichos sumiram mais ainda. Esbocei umas palavras, mas ele continuou: Aprendi muito sobre vocês, hoje sei distinguir entre os de boa fé e os  que não têm princípios. Sou um andarilho por todo este País e venho lhe pedir para fazer parte dentre os que querem salvar o que resta das matas, rios e animais. Ainda há tempo.

             Mas, mas como se não sou mais que um pobre coitado na imensidão da destruição.

            Faça por você, argumentou ele. Não desmate. Já será muito, Você está vendo  aquelas carnaúbas onde houve  desmatamento e fogo? Sim respondi.  Elas não queimaram. Lá cortaram uns angicos, nos seus brolhos deixei um presente para você. Novamente assobiou e o porco enorme apareceu. Deu com a mão, montou e desapareceu num relance.

            Fui ao local, era uma capoeira de uns três anos. Nos brolhos tinha tanta resina que somente da minha altura para baixo enchi minha sacola e sobrou muita. Além da que comi...                                                                                                                                                                        
            Dirigi-me para casa por outro caminho procurando em todos os outros angicos e nada de resina encontrei. Então me convenci que ele governa as arvores. Ao me aproximar de casa ouvi gritos, buzina de carro, um alarido geral. A mulher, as filhas, amigos. Todos estavam desesperados com meu sumiço de horas no mato. Fui muito criticado por sair sozinho. Fiquei calado, na minha. Contar o acontecido, nem pensar...

           Da primeira vez acharam que meu juízo tinha cozinhado. Agora, no mínimo iriam dizer: Seu Antônio está caducando tão cedo!

*Antônio Roberto Mendes Martins
- Mestre em Física –

Professor Universitário (UFC) - novarrussense – residente em Nova-Russas.

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