SCARCELA JORGE |
COMENTÁRIO
Scarcela Jorge
AGRESSÃO
À FICHA LIMPA É O ATRASO NA BATALHA À CORRUPÇÃO.
Nobres:
Iniciada em 2014, a Operação Lava
Jato se tornou o maior marco do combate à corrupção em nosso país e um alento
para a população brasileira, mobilizando a sociedade civil de maneira jamais
vista e obrigando a classe política a assumir posições para atender ao clamor
das ruas. Não é demais relembrar que a Lava Jato passou a contar com a
aceitação dos tribunais superiores quando a questão já havia se tornado notável,
em virtude das amplas manifestações populares favoráveis à Lava Jato, assim
como em razão da maciça cobertura pela mídia da força-tarefa, mesmo diante de
manifestações reticentes e críticas à atuação do juiz Sergio Moro. Não obstante
a vontade expressa do povo, o Supremo Tribunal Federal consagrou retrocesso no
combate à corrupção ao decidir, em 17 de agosto último, que somente Câmaras de
Vereadores poderão tornar inelegíveis prefeitos que tiveram suas contas de
governo rejeitadas por Tribunais de Contas. O julgamento tinha o objetivo de
esclarecer uma questão relativa à Lei da Ficha Limpa aprovada em 2010, que
ampliou as hipóteses de impedimento de um político disputar eleições, pois,
caso houvesse a desaprovação de suas contas de gestão por um Tribunal de
Contas, a Justiça Eleitoral o considerava inelegível. Esta interpretação era
dada porque a Lei da Ficha Limpa dispõe que ficam inelegíveis candidatos que
tiveram suas contas reprovadas pelo órgão competente – referência clara aos
Tribunais de Contas. Infelizmente, por maioria, os ministros do STF decidiram
que, independentemente de se tratar de contas de gestão ou de governo, é
necessária sempre a rejeição das contas pelas Câmaras de Vereadores (com
maioria de dois terços) para tornar alguém inelegível. Na prática, em um país
onde impera um modelo de governança por cooptação, ou seja, onde presidente,
governadores e prefeitos geralmente possuem a maioria legislativa em troca da
distribuição de cargos e benesses, os saudáveis efeitos da Lei da Ficha Limpa
correm enormes riscos. Por essa benesse a ladroagem que o Supremo contemplou,
ex-prefeitos serão imunizados. E aproximadamente R$ 4 bilhões não retornarão
aos cofres públicos como ressarcimento. Nós respeitamos a decisão, “mas somos
contra”. Esta atitude traz a preocupação de que outras ações eticamente
positivas, como a Lei Anticorrupção, também fiquem seriamente comprometidas. A
este propósito, em muito espanta a recente decisão do procurador-geral da
República de suspender os efeitos da delação premiada do ex-presidente da OAS.
Independentemente de interpretações legais que eventualmente subsidiem tal
decisão, esta suspensão no mínimo causa estranheza devido à importância do
conteúdo desta delação, que compromete severamente expoentes da vida pública
nacional. A população precisa ficar vigilante com todas as atitudes que venham
na contramão da ética na política, preservando iniciativas como a Operação Lava
Jato e as Dez Medidas Contra a Corrupção, projeto este que precisa ser
discutido. Ademais, a sociedade brasileira não pode permitir que ocorra com a
Lava Jato o que houve com a Operação Mãos Limpas, ocorrida na Itália nas
décadas de 80 e 90 e que serviu de inspiração para a operação brasileira.
Naquele país, ao fim, interesses nocivos prevaleceram sobre o que havia sido
construído de positivo contra a corrupção. A evolução no combate à corrupção
construída ao longo dos últimos dois anos não pode ser seriamente comprometida
por entendimentos controversos da mais alta corte do país. Por fim, a divisão harmônica
dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário no Brasil exige que estes, de
forma igual, prestem contas à sociedade brasileira. Acima de qualquer
interpretação legal está o interesse maior do país.
Antônio Scarcela Jorge.
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