SCARCELA JORGE |
COMENTÁRIO
ATAQUE À FICHA LIMPA.
Nobres:
A Operação Lava Jato se tornou o
maior marco do combate à corrupção em nosso país e um alento para a população
brasileira, mobilizando a sociedade civil de maneira jamais vista e obrigando a
classe política a assumir posições para atender ao clamor das ruas. Não é
demais relembrar que a Lava Jato passou a contar com a aceitação dos tribunais
superiores quando a questão já havia se tornado notável, em virtude das amplas
manifestações populares favoráveis à Lava Jato, assim como em razão da maciça
cobertura pela mídia da força-tarefa, mesmo diante de manifestações reticentes
e críticas à atuação do juiz Sergio Moro. Não obstante a vontade expressa do
povo, o Supremo Tribunal Federal consagrou retrocesso no combate à corrupção ao
decidir, em 17 de agosto último, que somente Câmaras de Vereadores poderão
tornar inelegíveis prefeitos que tiveram suas contas de governo rejeitadas por
Tribunais de Contas. O julgamento tinha o objetivo de esclarecer uma questão
relativa à Lei da Ficha Limpa aprovada em 2010, que ampliou as hipóteses de
impedimento de um político disputar eleições, pois, caso houvesse a
desaprovação de suas contas de gestão por um Tribunal de Contas, a Justiça
Eleitoral o considerava inelegível. Esta interpretação era dada porque a Lei da
Ficha Limpa dispõe que ficam inelegíveis candidatos que tiveram suas contas
reprovadas pelo órgão competente numa referência clara aos Tribunais de Contas.
Infelizmente, por maioria, os ministros do STF decidiram que, independentemente
de se tratar de contas de gestão ou de governo, é necessária sempre a rejeição
das contas pelas Câmaras de Vereadores (com maioria de dois terços) para tornar
alguém inelegível. Na prática, em um país onde impera um modelo de governança
por cooptação, ou seja, onde presidente, governadores e prefeitos geralmente
possuem a maioria legislativa em troca da distribuição de cargos e benesses, os
saudáveis efeitos da Lei da Ficha Limpa correm enormes riscos. Por essa benesse
a ladroagem que o Supremo contemplou, ex-prefeitos serão imunizados. E aproximadamente
R$ 4 bilhões não retornarão aos cofres públicos como ressarcimento. Nós
respeitamos a decisão, “mas somos contra”. Esta atitude traz a preocupação de
que outras ações eticamente positivas, como a Lei Anticorrupção, também fiquem
seriamente comprometidas. A este propósito, em muito espanta a recente decisão
do procurador-geral da República de suspender os efeitos da delação premiada do
ex-presidente da OAS. Independentemente de interpretações legais que
eventualmente subsidiem tal decisão, esta suspensão no mínimo causa estranheza
devido à importância do conteúdo desta delação, que compromete severamente
expoentes da vida pública nacional. A população precisa ficar vigilante com
todas as atitudes que venham na contramão da ética na política, preservando
iniciativas como a Operação Lava Jato e as Dez Medidas Contra a Corrupção,
projeto este que precisa ser discutido. Ademais, a sociedade brasileira não
pode permitir que ocorra com a Lava Jato o que houve com a Operação Mãos
Limpas, ocorrida na Itália nas décadas de 80 e 90 e que serviu de inspiração
para a operação brasileira. Naquele país, ao fim, interesses nocivos
prevaleceram sobre o que havia sido construído de positivo contra a corrupção.
A evolução no combate à corrupção construída ao longo dos últimos dois anos não
pode ser seriamente comprometida por entendimentos controversos da mais alta
corte do país. Por fim, a divisão harmônica dos poderes Legislativo, Executivo
e Judiciário no Brasil exige que estes, de forma igual, prestem contas à sociedade
brasileira. Acima de qualquer interpretação legal está o interesse maior do
país.
Antônio Scarcela Jorge.
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