O
governo do Brasil e o de Cuba fizeram em 2009 um acordo para reformar o porto
de Mariel, a 60 quilômetros de Havana. O projeto incluía a construção de 11
quilômetros de estradas e ferrovias e de um terminal com capacidade para
despachar um milhão de contêineres por ano. Executada pela Construtora Norberto
Odebrecht, a obra foi inaugurada em janeiro de 2014.
O
negócio foi bom para a empreiteira e para os cubanos, que agora dispõem de um
porto moderno. Para o contribuinte brasileiro, sobrou parte da conta. O Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social financiou 682 milhões de dólares
para as obras, mais de dois terços do total investido.
Um
cálculo feito por pesquisadores da escola de negócios Insper, de São Paulo,
mostra que essa operação vai custar ao país quase 1,2 bilhão de dólares nos
próximos 25 anos, prazo que os cubanos têm para pagar o empréstimo. O prejuízo
ocorre porque os juros pagos pelo governo brasileiro na captação de dinheiro
são mais altos do que as taxas que o BNDES cobra nos financiamentos.
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A
origem dos recursos emprestados pelo BNDES é o Fundo de Amparo ao Trabalhador
(FAT), constituído com os recursos arrecadados das empresas em favor de seus
empregados. O fundo é deficitário, e seus rombos são cobertos pelo Tesouro
Nacional, aumentando a dívida pública. Faz sentido entrar num negócio assim?
Antes
de qualquer coisa, um esclarecimento: não há novidade nenhuma nesse tipo de
empréstimo. Uma corrente entre os formuladores de políticas públicas defende
que se financiem as exportações de bens e serviços com recursos públicos e a
juros mais baixos do que os cobrados no mercado para ajudar as empresas a se
desenvolver e gerar empregos.
Mesmo
países mais liberais, onde o Estado interfere menos na economia, gastam bilhões
de dólares por ano com isso. Um estudo feito pelo Exim Bank americano — banco
de fomento ao comércio exterior do governo dos Estados Unidos mostra que nesse
quesito ninguém supera os chineses.
A
China bancou no ano passado 58 bilhões de dólares em empréstimos para as
exportações. Os Estados Unidos destinaram 12 bilhões de dólares para financiar
as vendas de empresas americanas a outros países. Os financiamentos do BNDES
chegaram a 2 bilhões de dólares em 2014. Numa lista de 19 países, só Canadá,
Espanha, Rússia e Áustria gastaram menos do que o Brasil.
O
assunto é controverso. Nos Estados Unidos, os parlamentares travam há meses uma
disputa em torno do Exim Bank americano. Uma autorização precisava ser aprovada
pelo Congresso até 30 de junho para que a instituição recebesse recursos do
orçamento federal e não tivesse de paralisar as atividades por falta de fundos.
O Partido Republicano defende que bancos privados financiem as exportações.
Para o rival Democrata, do presidente Barack Obama, o fim do banco público
prejudicaria pequenas e médias empresas, beneficiárias de 90% dos empréstimos.
Há
alguns aspectos que tornam a discussão mais complicada no Brasil. Aqui, 80% dos
14,5 bilhões de dólares em créditos para exportação concedidos pelo BNDES de
2009 até o primeiro trimestre de 2015 foram para apenas duas empresas: a fabricante
de aviões Embraer e a Construtora Norberto Odebrecht. Além disso, não estão
claros os benefícios resultantes dos incentivos.
É
possível ter uma estimativa de seus custos. Um estudo do Insper avaliou 539
contratos de financiamento a exportações de bens e serviços firmados de 2007 a
2015. Os pesquisadores concluíram que cobrir a diferença entre os juros pagos
na captação e os cobrados pelos créditos nesse conjunto de operações custaram
ao Tesouro 352 milhões de dólares nesse período.
Não
é a única conta a pagar. O Insper calculou quanto esses recursos renderiam ao
FAT se fossem aplicados em títulos remunerados à taxa Selic. Nesse caso, o
investimento renderia quase 1 bilhão de dólares a mais por ano do que o fundo
ganha com o dinheiro aplicado pelo BNDES.
“Os
altos juros no Brasil tornam a operação bem menos vantajosa aqui do que seria
em outros países”, diz o economista Sérgio Lazzarini, um dos autores do estudo.
O BNDES contesta os dados e afirma que os financiamentos a exportações de bens
e serviços de engenharia geraram um retorno de 2,4 bilhões de reais para o FAT
no intervalo de 2007 a 2014, acima do que seria obtido se os recursos tivessem
sido direcionados para títulos públicos.
“É
preciso considerar que os financiamentos às exportações geram renda, empregos e
melhoram o resultado da balança comercial”, diz Luciene Machado,
superintendente de exportação do BNDES.
É
verdade que esses empréstimos são fundamentais para certas empresas. Um caso
notório é o da Embraer, uma das cinco maiores do mundo num setor em que precisa
competir com gigantes como a americana Boeing e a canadense Bombardier. De 2009
a 2014, a Embraer recebeu 6 bilhões de dólares em financiamentos do BNDES.
Os
benefícios obtidos são distribuídos à economia do país ou se concentram nas
companhias incentivadas? Um estudo da consultoria LCA mostra que, desde 2009,
as quatro maiores construtoras brasileiras; Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa e
Andrade Gutierrez levaram 7 bilhões de dólares em créditos para exportação. As
vendas externas representam 45% das receitas dessas empresas.
De
acordo com a LCA, cada 100 milhões de dólares exportados ajudariam a manter 19
200 empregos. Para alguns especialistas, isso ainda não basta para justificar
os custos das operações. “Por essa lógica, todos os negócios que geram empregos
merecem subsídios”, diz o economista Vinícius Carrasco, da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.
É
fato que aumentar as exportações é algo salutar, ainda mais num momento em que
a economia brasileira está caindo numa recessão. Nossa fatia no comércio global
é de apenas 1,2%, o Brasil é o 25o exportador do planeta. Mas pode haver
maneiras mais eficientes de ampliar a participação.
No
fim de junho, o governo anunciou um pacote para estimular as vendas externas. O
plano prevê subsídios, medidas para promover os produtos brasileiros no exterior
e poda na burocracia, um dos principais obstáculos aos negócios. Uma das metas
é cortar de 13 para oito dias, até 2017, os prazos dos trâmites necessários
para exportar.
“Melhorar a competitividade do país pode ser a saída para que as
empresas dependam menos de subsídios”, afirma Maurício Canedo, pesquisador da
Fundação Getulio Vargas. E, além disso, sairia bem mais barato.
Fonte: Agência Brasil.
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