CEARENSIDADE.
‘UMA FORTALEZA QUE
"MANGAVA" DE SI MESMA’
Falcão lembra a Capital que, assim como o País,
passava por fortes transformações do ano de 1990 a 1994, porém mantinha mais
evidente a sua "cearensidade".
MATÉRIA DETALHADA.
Diz Falcão:
- Da Copa de 1990 em si não me
lembro muito, não. Foi uma Copa que me deu uma certa amnésia. Não sei se por
causa do "Azaroni" (Sebastião Lazaroni). O Brasil foi logo eliminado.
Mas tem umas coisas interessantes sobre a cidade de Fortaleza. Sem saudosismo
algum, era uma cidade muito mais tranquila, muito mais fácil em termos de
deslocamento urbano, mais cheia de amizades. Não existia essa violência toda.
Era uma cidade que você podia andar nu e ninguém se incomodava. Eu, por
exemplo, morava na Parquelândia e aquela Avenida Jovita Feitosa ainda era
calçamento, tinha nem asfalto. E a gente saía ali, de madrugada, com o violão
no ombro na Jovita Feitosa toda e ninguém importunava. Hoje em dia, eu chegaria
lá sem violão, sem as cordas, sem as tarraxas... Até sem a voz.
Era uma cidade muito mais legal.
Tinha essa nossa fuleragem nordestina, a molecagem do cearense era muito mais
visível. E não tinha a preocupação que a gente tem hoje. Eu era recém-formado
em Arquitetura, estava gravando meu primeiro disco "Bonito, Lindo e
Joiado". A Copa foi em julho e o disco foi gravado em agosto/setembro para
ser lançado em 1991.
O disco é filho também da Copa de
1990. Tem muita coisa no disco que vivi naquela época. Com certeza, tem muito a
ver com essa Fortaleza daquele tempo. Tem, inclusive, uma música chamada
"Oportunidade Única", que fala de uma casa fictícia que existiria no
bairro da Maraponga, exatamente um bairro muito mais bucólico do que hoje em
dia. Era quase fora da cidade.
Em matéria de divertimento, por
exemplo, eu andava muito no Bar do Pirata. Foi lá que eu comecei. O primeiro
show meu foi em 1988. Em 1989/90, o Pirata era aberto todos os dias da semana.
Fiz muitos shows lá, participei de muita coisa na Praia de Iracema porque ainda
era a Praia de Iracema velha. Não existia o Centro Dragão do Mar de Arte
Cultura. Havia muito mais boemia na Praia de Iracema naquela época.
Em 1990, era o auge do Estoril,
Pirata e Cais Bar. Fiz muito show também na trilogia de bares que tinha na Dom
Luís. Eram New
York New York, London London e Quixadá Quixadá. Todos os
três ali. Eu era quase fixo no London London. Outra vez estava na Parquelândia
e fiquei em um dos bares ali. A Parquelândia era um bairro que não tinha nenhum
shopping center nem o trânsito infernal de hoje. Havia uns bares ali que eram
mais familiares do que comerciais.
Humor cearense
História muito interessante. Eu
me lembro que eu fazia faculdade de Arquitetura. Por volta de 1985/ 86, eu,
juntamente com outros colegas, criamos o projeto Cinco e Quarenta e Cinco, que
começava quinze para seis e era uma brincadeira em cima do projeto seis e meia
Pixinguinha que tinha no Teatro José de Alencar.
Numa quinta-feira, apareceram por
lá duas criaturas realizando shows: Meirinha e Rossicléa. Foram as duas
primeiras humoristas assim, de bar, que vi em Fortaleza. Fiquei encantado com
aquelas duas criaturas, que tinham aquela coisa do Interior, no caso a
Meirinha, e a Rossicléa, que era mais urbana. Era uma coisa assim de
cearensidade total. Fiquei então assim invocado com aquilo. Logo depois, em
1988, quando comecei a cantar pelos bares e fazia um show misturando humor com
música, foi quando apareceu, além de Meirinha e Rossicléa, Paulo Diógenes e
Ciro Santos, que também já tinham começado, apesar de não os conhecer, e aí
viemos Lailtinho Brega e eu.
Fizemos uma temporada no Teatro
São José, que era a Reunião Ministerial. Tem um fato legal porque nós fizemos o
show do parto do meu filho, que nasceu em 1991. Depois da Copa de 1990, fizemos
o show do parto para financiar o parto do meu filho Pedro, que está hoje com 23
anos de idade. O parto foi feito com esse show. Não sei se Zé Modesto estava
nesse dia.
Eu gravei o disco em 1990. Em
1991, lançamos o disco e nasceu meu filho. Em 1994, eu gravei o segundo disco,
que foi mais sucesso do que o primeiro que foi aquele "O Dinheiro não é
tudo, mas é 100%". Foi lançado exatamente um pouco antes de o Brasil ser
campeão do mundo em 1994.
Para você ter uma ideia, na
própria Copa de 1994, eu me lembro demais que, para assistir a um jogo, eu
andava com os bolsos cheio de ficha de telefone público. Aquelas fichinhas
redondas para ir no orelhão lá na esquina. Se você estava na rua dentro do
ônibus ou estava na rua indo para o trabalho e precisava se comunicar com
alguém, você tinha que descer em um lugar que tivesse orelhão e comprar uma
ficha para poder fazer a ligação.
Com o celular, eu fui um pouco
mais resistente. "Preciso disso, não", dizia. Mas a primeira vez que
usei um foi por volta de 1993 ou 1994. Ele era de um tamanho de um tijolo
furado e dava para matar um.
"Povo
escaldado"
Teve o (presidente Fernando)
Collor. Eu estava ensaiando para fazer um show em Fortaleza quando ele anunciou
aquele plano maluco que confiscou a poupança de todo mundo. Até hoje, quando
passo em frente ao lugar que estava ensaiando, ali próximo à faculdade de
Medicina, me lembro disso.
Houve também toda essa onda
desses planos econômicos: Cruzado, Cruzeiro Novo e não sei o quê... Eles não
davam certo nunca. Em 1994, veio o Plano Real, inclusive quando lancei meu
segundo disco, antes da Copa ainda estava aquela caristia danada em Fortaleza,
mas com o Plano Real as coisas foram melhorando. Foi uma retomada da economia.
Mas a descrença na cidade era
grande, a gente vinha já escaldado com esse negócio de plano econômico. Foi inclusive
dificultoso para a gente entender porque tinha a URV... Para converter era meio
difícil. E como o plano deu certo, não deu tempo nem de a gente achar ruim.
Sinto saudades daquela Fortaleza
porque era uma cidade muito mais humana. Você tinha mais contato com os seus
amigos.
As pessoas de Fortaleza ainda são
as mesmas. Fortaleza tem um pouco da mesma coisa daquele tempo, mas a gente
sente que a cidade está um quanto embrutecida. - Bem mais violenta. - Não tem
mais a soltura, aquela leveza que existia naquele tempo.
CURIOSIDADES DA ÉPOCA
Caras-pintadas
Após as Diretas Já, campanha
popular que motivou a eleição indireta de Tancredo Neves para presidente da
República, foi elaborada a Constituição de 1988. No ano seguinte, foi realizada
a primeira eleição direta pós-ditadura. Fernando Collor de Melo foi eleito.
Após denúncias de corrupção em seu governo, surgiu mais um movimento popular:
os Caras-Pintadas. Collor sofreu o impeachment em 1992, sendo obrigado a deixar
o poder.
Três Títulos
mundiais (1988, 1990 e 1991) foram conquistados por Ayrton Senna nesse período.
Em 1994, o brasileiro mudou para a equipe Williams em busca do tetra-
campeonato. Porém, no dia 1º de maio daquele ano, a curva Tamburello do
circuito de Ímola freou fatalmente a carreira de Senna.
Da
decepção de 1990 ao tetra em 1994
Com um Romário (foto) em grande
forma em 1994, nos Estados Unidos, a Seleção Brasileira conseguiu apagar o
fracasso de quatro anos antes e conquistar a Copa do Mundo pela quarta vez na
sua história. Foi a primeira vez que uma seleção ganhou quatro títulos mundiais
e que uma final foi disputada na cobrança das penalidades
Sanear
A maior obra de saneamento básico
da história do Ceará começou a ser realizada em 1993. Na época, o Sanear
beneficiou mais de 700 mil pessoas de Fortaleza com esgotamento sanitário e
drenagem urbana. Só de rede coletora foram mais de 1 mil km de tubulações
Muro de Berlim
Um dos maiores símbolos da Guerra
Fria, o Muro de Berlim, separava a Alemanha em Oriental, sob influência da
antiga União Soviética, e Ocidental, de governo capitalista. O muro erguido em
1961 foi derrubado em novembro de 1989, a poucos meses da Copa.
Celular
No dia 29 de novembro de 1993, o
então ministro das Comunicações, Hugo Napoleão, inaugurou o sistema de
telefonia celular no Ceará. O valor investido pela antiga Teleceará foi de US$
4,5 milhões. O valor do aparelho variava entre 600 e 2 mil dólares
PLANO REAL
Em 1994, entrou em vigor o Plano
Real, moeda que trouxe a estabilidade econômica para o País até os dias de
hoje. O plano foi um marco, pois antes dele houve uma sucessão de tentativas
frustradas, que não lograram êxito no combate à hiper-inflação.
(Depoimento dado ao jornalista Ilo Santiago Jr.)
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