domingo, 25 de maio de 2014

NATO CEARENSE

 FRASE DA SEMANA:
CEARENSIDADE.

‘UMA FORTALEZA QUE "MANGAVA" DE SI MESMA’

Falcão lembra a Capital que, assim como o País, passava por fortes transformações do ano de 1990 a 1994, porém mantinha mais evidente a sua "cearensidade".

MATÉRIA DETALHADA.

Diz Falcão:

- Da Copa de 1990 em si não me lembro muito, não. Foi uma Copa que me deu uma certa amnésia. Não sei se por causa do "Azaroni" (Sebastião Lazaroni). O Brasil foi logo eliminado. Mas tem umas coisas interessantes sobre a cidade de Fortaleza. Sem saudosismo algum, era uma cidade muito mais tranquila, muito mais fácil em termos de deslocamento urbano, mais cheia de amizades. Não existia essa violência toda. Era uma cidade que você podia andar nu e ninguém se incomodava. Eu, por exemplo, morava na Parquelândia e aquela Avenida Jovita Feitosa ainda era calçamento, tinha nem asfalto. E a gente saía ali, de madrugada, com o violão no ombro na Jovita Feitosa toda e ninguém importunava. Hoje em dia, eu chegaria lá sem violão, sem as cordas, sem as tarraxas... Até sem a voz.

Era uma cidade muito mais legal. Tinha essa nossa fuleragem nordestina, a molecagem do cearense era muito mais visível. E não tinha a preocupação que a gente tem hoje. Eu era recém-formado em Arquitetura, estava gravando meu primeiro disco "Bonito, Lindo e Joiado". A Copa foi em julho e o disco foi gravado em agosto/setembro para ser lançado em 1991.

O disco é filho também da Copa de 1990. Tem muita coisa no disco que vivi naquela época. Com certeza, tem muito a ver com essa Fortaleza daquele tempo. Tem, inclusive, uma música chamada "Oportunidade Única", que fala de uma casa fictícia que existiria no bairro da Maraponga, exatamente um bairro muito mais bucólico do que hoje em dia. Era quase fora da cidade.

Em matéria de divertimento, por exemplo, eu andava muito no Bar do Pirata. Foi lá que eu comecei. O primeiro show meu foi em 1988. Em 1989/90, o Pirata era aberto todos os dias da semana. Fiz muitos shows lá, participei de muita coisa na Praia de Iracema porque ainda era a Praia de Iracema velha. Não existia o Centro Dragão do Mar de Arte Cultura. Havia muito mais boemia na Praia de Iracema naquela época.

Em 1990, era o auge do Estoril, Pirata e Cais Bar. Fiz muito show também na trilogia de bares que tinha na Dom Luís. Eram New York New York, London London e Quixadá Quixadá. Todos os três ali. Eu era quase fixo no London London. Outra vez estava na Parquelândia e fiquei em um dos bares ali. A Parquelândia era um bairro que não tinha nenhum shopping center nem o trânsito infernal de hoje. Havia uns bares ali que eram mais familiares do que comerciais.

Humor cearense
História muito interessante. Eu me lembro que eu fazia faculdade de Arquitetura. Por volta de 1985/ 86, eu, juntamente com outros colegas, criamos o projeto Cinco e Quarenta e Cinco, que começava quinze para seis e era uma brincadeira em cima do projeto seis e meia Pixinguinha que tinha no Teatro José de Alencar.

Numa quinta-feira, apareceram por lá duas criaturas realizando shows: Meirinha e Rossicléa. Foram as duas primeiras humoristas assim, de bar, que vi em Fortaleza. Fiquei encantado com aquelas duas criaturas, que tinham aquela coisa do Interior, no caso a Meirinha, e a Rossicléa, que era mais urbana. Era uma coisa assim de cearensidade total. Fiquei então assim invocado com aquilo. Logo depois, em 1988, quando comecei a cantar pelos bares e fazia um show misturando humor com música, foi quando apareceu, além de Meirinha e Rossicléa, Paulo Diógenes e Ciro Santos, que também já tinham começado, apesar de não os conhecer, e aí viemos Lailtinho Brega e eu.

Fizemos uma temporada no Teatro São José, que era a Reunião Ministerial. Tem um fato legal porque nós fizemos o show do parto do meu filho, que nasceu em 1991. Depois da Copa de 1990, fizemos o show do parto para financiar o parto do meu filho Pedro, que está hoje com 23 anos de idade. O parto foi feito com esse show. Não sei se Zé Modesto estava nesse dia.
Eu gravei o disco em 1990. Em 1991, lançamos o disco e nasceu meu filho. Em 1994, eu gravei o segundo disco, que foi mais sucesso do que o primeiro que foi aquele "O Dinheiro não é tudo, mas é 100%". Foi lançado exatamente um pouco antes de o Brasil ser campeão do mundo em 1994.

Para você ter uma ideia, na própria Copa de 1994, eu me lembro demais que, para assistir a um jogo, eu andava com os bolsos cheio de ficha de telefone público. Aquelas fichinhas redondas para ir no orelhão lá na esquina. Se você estava na rua dentro do ônibus ou estava na rua indo para o trabalho e precisava se comunicar com alguém, você tinha que descer em um lugar que tivesse orelhão e comprar uma ficha para poder fazer a ligação.

Com o celular, eu fui um pouco mais resistente. "Preciso disso, não", dizia. Mas a primeira vez que usei um foi por volta de 1993 ou 1994. Ele era de um tamanho de um tijolo furado e dava para matar um.

"Povo escaldado"

Teve o (presidente Fernando) Collor. Eu estava ensaiando para fazer um show em Fortaleza quando ele anunciou aquele plano maluco que confiscou a poupança de todo mundo. Até hoje, quando passo em frente ao lugar que estava ensaiando, ali próximo à faculdade de Medicina, me lembro disso.

Houve também toda essa onda desses planos econômicos: Cruzado, Cruzeiro Novo e não sei o quê... Eles não davam certo nunca. Em 1994, veio o Plano Real, inclusive quando lancei meu segundo disco, antes da Copa ainda estava aquela caristia danada em Fortaleza, mas com o Plano Real as coisas foram melhorando. Foi uma retomada da economia.

Mas a descrença na cidade era grande, a gente vinha já escaldado com esse negócio de plano econômico. Foi inclusive dificultoso para a gente entender porque tinha a URV... Para converter era meio difícil. E como o plano deu certo, não deu tempo nem de a gente achar ruim.

Sinto saudades daquela Fortaleza porque era uma cidade muito mais humana. Você tinha mais contato com os seus amigos.

As pessoas de Fortaleza ainda são as mesmas. Fortaleza tem um pouco da mesma coisa daquele tempo, mas a gente sente que a cidade está um quanto embrutecida. - Bem mais violenta. - Não tem mais a soltura, aquela leveza que existia naquele tempo.

CURIOSIDADES DA ÉPOCA
Caras-pintadas

Após as Diretas Já, campanha popular que motivou a eleição indireta de Tancredo Neves para presidente da República, foi elaborada a Constituição de 1988. No ano seguinte, foi realizada a primeira eleição direta pós-ditadura. Fernando Collor de Melo foi eleito. Após denúncias de corrupção em seu governo, surgiu mais um movimento popular: os Caras-Pintadas. Collor sofreu o impeachment em 1992, sendo obrigado a deixar o poder.

Três Títulos mundiais (1988, 1990 e 1991) foram conquistados por Ayrton Senna nesse período. Em 1994, o brasileiro mudou para a equipe Williams em busca do tetra- campeonato. Porém, no dia 1º de maio daquele ano, a curva Tamburello do circuito de Ímola freou fatalmente a carreira de Senna.

Da decepção de 1990 ao tetra em 1994

Com um Romário (foto) em grande forma em 1994, nos Estados Unidos, a Seleção Brasileira conseguiu apagar o fracasso de quatro anos antes e conquistar a Copa do Mundo pela quarta vez na sua história. Foi a primeira vez que uma seleção ganhou quatro títulos mundiais e que uma final foi disputada na cobrança das penalidades

Sanear

A maior obra de saneamento básico da história do Ceará começou a ser realizada em 1993. Na época, o Sanear beneficiou mais de 700 mil pessoas de Fortaleza com esgotamento sanitário e drenagem urbana. Só de rede coletora foram mais de 1 mil km de tubulações

Muro de Berlim

Um dos maiores símbolos da Guerra Fria, o Muro de Berlim, separava a Alemanha em Oriental, sob influência da antiga União Soviética, e Ocidental, de governo capitalista. O muro erguido em 1961 foi derrubado em novembro de 1989, a poucos meses da Copa.

Celular

No dia 29 de novembro de 1993, o então ministro das Comunicações, Hugo Napoleão, inaugurou o sistema de telefonia celular no Ceará. O valor investido pela antiga Teleceará foi de US$ 4,5 milhões. O valor do aparelho variava entre 600 e 2 mil dólares

PLANO REAL

Em 1994, entrou em vigor o Plano Real, moeda que trouxe a estabilidade econômica para o País até os dias de hoje. O plano foi um marco, pois antes dele houve uma sucessão de tentativas frustradas, que não lograram êxito no combate à hiper-inflação.

(Depoimento dado ao jornalista Ilo Santiago Jr.)

*FALCÃO – cearense de Juazeiro do Norte. – cantor – humorista – formação acadêmica: Engenheiro arquitetônico.


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