Estatal usou empresa de fachada para fazer a
obra.
BRASÍLIA - A Petrobras admitiu
neste domingo que usou um escritório de contabilidade no Rio para constituir a
empresa responsável pela construção da rede de gasodutos Gasene, cujos
investimentos chegaram a R$ 6,3 bilhões. Depois de O GLOBO revelar na edição
deste domingo que uma empresa de fachada foi criada para efetivar o negócio, a
estatal divulgou uma nota em que reconheceu ter usado o escritório de
contabilidade Domínio Assessores e o proprietário do escritório, Antônio Carlos
Pinto de Azeredo, para fazer funcionar a Transportadora Gasene S.A., uma
sociedade de propósito específica (SPE) criada exclusivamente para a construção
do gasoduto.
Na nota, a Petrobras negou ter
tido "qualquer ligação societária" com a Transportadora Gasene.
"Conforme acontece nas estruturas financeiras do gênero, a SPE
(Transportadora Gasene S.A.) não tem qualquer ligação societária com a
Petrobras", informa, em negrito, a estatal. Uma ressalva da própria nota,
porém, mostra que o controle da empresa era feito pela Petrobras, por meio das
chamadas cartas de atividades permitidas. "A ligação entre a Petrobras e a
SPE se dava através de contrato em que era estabelecido que a Transportadora
Gasene somente realizaria determinadas atividades mediante autorização da
Petrobras", cita o texto.
Em seis anos de existência da
Transportadora Gasene, entre 2005 e 2011, foram emitidas mais de 400 cartas de
atividades permitidas. O conteúdo dessas cartas mostra que não havia controle
apenas de "determinadas atividades". As orientações da Petrobras ao
dono do escritório de contabilidade- que era também o presidente da Transportadora
Gasene - variavam de aspectos relacionados a pequenos contratos ao alongamento
de um financiamento de US$ 760 milhões com o BNDES. Estava escrito em contrato
que Azeredo não poderia tomar decisões sem autorização expressa da Petrobras.
O GLOBO revelou na edição deste
domingo que a Agência Nacional de Petróleo (ANP) chegou a manifestar que a
estatal criou "empresas de papel" para a construção e operação do
Gasene, uma rede de gasodutos entre o Rio de Janeiro e a Bahia, passando pelo
Espírito Santo. A manifestação está reproduzida numa auditoria sigilosa do
Tribunal de Contas da União (TCU), concluída em dezembro de 2014.
Os próprios auditores indicam que
a Transportadora Gasene é uma empresa de fachada, criada para burlar
fiscalizações oficiais e permitir contratações sem licitação. O
superfaturamento em parte das obras de um dos trechos, entre Cacimbas (ES) e
Catu (BA), superou 1.800%, segundo a auditoria.
Esse trecho foi inaugurado com
festa em Itabuna (BA), em 26 de março de 2010, com a presença do presidente Lula;
da então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff; do então presidente da
Petrobras, José Sérgio Gabrielli; e da diretora de Gás e Energia da estatal,
Graça Foster, hoje presidente da empresa. Oito dias depois, Dilma deixou o
governo para se candidatar à Presidência da República pela primeira vez. A obra
foi inaugurada como pertencente ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC),
bastante exaltado por Dilma na solenidade em Itabuna. E 80% dos financiamentos
à obra foram feitos pelo BNDES.
Segundo a nota divulgada neste
domingo pela Petrobras, a área financeira da estatal foi a responsável por
elaborar o "Project financie" (projeto estruturado) da Gasene, entre
2004 e 2005, "com objetivo de captar recursos para construção do
gasoduto". A constituição da SPE Transportadora Gasene coube ao Santander,
conforme a estatal.
O dono do escritório de
contabilidade Domínio Assessores foi um dos acionistas, com 0,01%, enquanto a
Gasene Participações detinha 99,99%. Os acionistas da Gasene Participações,
segundo a estatal, são o trustee "PB Bridge Truste 2005" com 99, 99%
e Azeredo com 0,01%.
A nota diz que Azeredo era
"administrador da empresa Domínio, que prestou serviços de contabilidade e
administração tributária para SPE e que também foi contratado pela Transportadora
Gasene para o ser o presidente da empresa". A nota não cita, no entanto, o
fato de a Domínio e a Transportadora Gasene terem o mesmo endereço: Rua São
Bento, no quinto andar de um prédio no Rio. A reportagem do GLOBO revelou um
trecho do contrato entre a Domínio e a Transportadora Gasene em que o
escritório de contabilidade se compromete em ceder sua sede à empresa criada
pela Petrobras. E assim foi feito.
Em entrevista ao jornal, numa
reportagem publicada em 24 de dezembro, Azeredo afirmou ser apenas um
"preposto" na Transportadora Gasene. Segundo ele, o desempenho da
função de presidente foi "puramente simbólico". Azeredo foi um
laranja. Os principais atos eram determinados pela Petrobras, por meio das
cartas de atividades permitidas.
"A SPE detinha a propriedade
do gasoduto e demais ativos e passivos do projeto, até que todos os
financiamentos contraídos para implantação do mesmo fossem integralmente pagos.
Uma vez pagos os financiamentos, a Petrobras teria a opção de compra da
totalidade das ações na Transportadora Gasene", cita a nota da Petrobras.
Em janeiro de 2012, a Transportadora Associada de Gás (TAG), uma subsidiária da
estatal, incorporou o Gasene, com ativos da ordem de R$ 6,3 bilhões.
Esse mesmo contrato de opção de
compra e venda de ações, também revelado na reportagem deste domingo,
estabelece que o presidente (o laranja) da Transportadora Gasene deveria se
abster de "efetuar ou aprovar quaisquer alterações do estatuto social,
deliberações de assembleias gerais e outorga de mandato sem o consentimento
prévio da Petrobras". Projetos só poderiam ser implementados se instruídos
"por escrito, detalhada e tempestivamente" pela estatal.
O líder do PPS na Câmara, Rubens
Bueno (PR), diz que a criação de empresas de fachada pela própria Petrobras é uma
novidade entre os expedientes utilizados no esquema de fraudes.
- Eu já tinha visto empresa de
fachada no mundo da corrupção, mas a própria Petrobras criar isso? É mais um
expediente na gestão para a busca de dinheiro fácil para custear partidos, o
dinheiro da corrupção. Estamos vendo, a cada dia, a confirmação que os
predadores internos da estatal são os nomeados pelo Lula e pela Dilma. Por isso
a importância da nova CPI, disse.
O deputado Fernando Francischini
(SD-PR), que atuou na CPMI da Petrobras e hoje é secretário de Segurança
Pública do Paraná, defende a criação de uma nova comissão de inquérito no
Congresso para continuar as investigações. Segundo ele, o importante das CPIs é
o poder que elas têm de quebrar sigilos fiscal, telefônico e bancário de
autoridades e de suspeitos em envolvimento nas irregularidades.
- Não faz diferença quem o
relator indicia ou deixa de indiciar. Na CPI, o que importa é o miolo, é a
possibilidade de quebrar sigilos mais facilmente do que um juiz- avaliou
Francischini.
Já deputado Marcus Pestana
(PSDB-MG) afirmou que os dirigentes da Petrobras acabaram com a credibilidade
da estatal, prejudicaram a empresa e levaram a uma situação vexaminosa.
A Petrobras viu despencar os
preços das suas ações e enfrenta investigações no Brasil, Estados Unidos,
Holanda e Suíça. Para usar um termo da presidente Dilma durante a campanha, é
estarrecedor.
Para o líder do DEM na Câmara,
Mendonça Filho (PE),
- Claramente a Petrobras utilizou
o mecanismo da SPE para burlar a lei de licitação e viabilizar uma operação
completamente suspeita. A Sociedade de Propósito Específica é um instituto
jurídico legal, constituído para um fim específico e usado por vários governos.
No caso, montar o gasoduto. Agora, não uma SPE com um escritório de contabilidade,
sócios sem expertises e suspeitas graves de superfaturamento, como mostra a
auditoria do TCU. Desmoralizaram a lógica da SPE e é preciso saber quem está
por trás dessa história de escritório de contabilidade. Pode haver interesses
escusos, criticou Mendonça Filho.
O líder do DEM acrescenta que
esta nova informação reforça a necessidade da criação de uma nova Comissão
Parlamentar de Inquérito no início da nova legislatura:
- É uma coisa esquisita, mais uma
para a coleção de denúncias. É preciso apurar tudo. Já começamos a coleta de
assinatura para a nova CPI e tentaremos coletar o restante já na primeira
semana de fevereiro. Acho que teremos ambiente para uma nova CPI, até porque a
gente imagina que o maior motor pró-CPI será a denúncia a ser encaminhada pelo
procurador.
Fonte: Agência O Globo.
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