Ex-primeira-dama conta o que viu e viveu com ex-presidente da República.
RIO - Cortejada pelo então
prefeito de Maceió Fernando Collor de Mello, a menina que ainda usava uniforme
escolar, aos 15 anos, e vivia sob ordens severas do pai não imaginava que seria
a futura esposa do 32º presidente da República do Brasil. Envaidecida e animada
com os elogios, ela levou adiante o flerte, consumado anos mais tarde, após um
telefonema surpresa. O roteiro que poderia ser apenas de uma garota apaixonada
esbarrou no destino atribulado de Rosane. Ela enfrentou, no centro do poder,
crises de depressão, medo do suicídio do marido e “humilhações públicas”,
segundo diz no livro lançado na quinta-feira, em Maceió. “Tudo o que vi e vivi é
a versão de Rosane Malta (agora com o nome de divorciada) sobre a sua relação
com o ex-presidente apeado do poder”.
- É uma história dolorosa e
triste. Mas uma história bonita que poderia terminar da melhor forma possível.
Eu aprendi desde criança a falar a verdade. Se não pudesse, não falava nada.
Então, tudo o que digo no livro é verdade, afirma ela ao GLOBO.
Mesmo vivenciando a conturbada
rotina de primeira-dama, com muitas brigas conjugais, Rosane subiu a rampa do
Palácio do Planalto após o impeachment, apertou a mão de Collor, e disse:
“Levante a cabeça. Não abaixe, não. Seja forte”. Collor é, segundo ela, o maior
amor e a maior decepção de sua vida. Em 288 páginas, Rosane relata intrigas
familiares, os rituais macabros que eram realizados na Casa da Dinda, os
esquemas do ex-tesoureiro de campanha de Collor, além da morte de PC Farias e
do destino do dinheiro do esquema de corrupção.
Durante a Presidência da
República, ela conta que Collor usava a Casa da Dinda para rituais que pudessem
fortalecê-lo politicamente. O relato mais forte sobre as sessões realizadas
pela Mãe Cecília, de confiança do ex-marido, envolveu fetos humanos.
“Cecília me contou que, certa
vez, fez um trabalho para Fernando envolvendo fetos humanos. Ela pegou filhas
de santo grávidas, fez com que abortassem e sacrificou os fetos para dar às
entidades. Uma coisa terrível, da qual ela obviamente se arrepende. Quando eu
soube disso, chorei copiosamente”.
ADVERTISEMENT.
Um dos primeiros “trabalhos” dos
quais Rosane teve notícia ocorreu quando Collor ficou enfurecido com a decisão
de Silvio Santos de se candidatar à Presidência em 1989. E ainda mais com o apoio
de José Sarney, seu inimigo político. O dono do SBT havia dito a Collor que não
concorreria ao cargo, mas descumpriu o acordo. O candidato do PRN, então,
encomendou um “trabalho”. Pouco depois, a candidatura de Silvio foi impugnada
pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Perguntada se tem medo da
repercussão e de possíveis processos judiciais por conta das revelações do
livro, Rosane responde de forma tranquila:
- Estamos muito bem documentados.
E não temos preocupação em relação isso. Tudo o que eu falei eu vi e vivi, como
diz o título do livro. É realmente isso.
COLLOR E A CUNHADA
“O grande problema de Fernando
era com Pedro. E o meu, com Thereza, a mulher dele”. Rosane diz que o irmão
caçula do ex-marido tinha ódio do ex-presidente. Segundo ela, Pedro sustentava
que Fernando cantava Thereza.
“Acredito na tese de que os dois
tiveram algo antes do meu casamento e Thereza continuou apaixonada. Eu também
não duvido que tenha sido por Thereza, por essa obsessão que ela tinha pelo
cunhado, que Pedro resolveu destruir o próprio irmão”, diz ela.
Pedro Collor denunciou à revista
“Veja”, em 1992, que PC Farias era testa de ferro do então presidente, e que o
jornal Tribuna de Alagoas, que PC queria lançar em Maceió, na verdade
pertenceria a seu irmão.
No período mais agitado da
República desde a redemocratização, ela diz que não tinha dúvidas de que Collor
era inocente. “Eu era muito nova, pouco experiente e acreditava no meu marido.
Eu achava normal que as pessoas ajudassem Fernando espontaneamente, como fazia
PC Farias”. Depois, no entanto, mudou de opinião e relatou que “algumas dúvidas
foram surgindo”.
Rosane descreve o deslumbramento
da jovem que desfrutou o poder: a dedicação ao figurino e as palavras elogiosas
que trocou com a princesa Diana, além da amizade com Cláudia Raia e outras
pessoas famosas. Conta que foi elogiada por Fidel Castro:
“Esse presidente do Brasil é
muito esperto. Arrumou uma esposa novinha e linda” teria dito o ditador cubano
a Collor. Segundo Rosane, mesmo após o impeachment, Fidel continuou a enviar
charutos da ilha caribenha ao ex-presidente.
AMIGA DE ROGER ABDELMASSIH
Em busca por tratamento para a
gravidez, Rosane, que abortou naturalmente filhos de Collor, procurou Roger
Abdelmassih, hoje condenado a 181 anos, 11 meses e 12 dias de reclusão por
abusar sexualmente de pacientes. Ele era amigo do casal.
“O doutor Roger era nosso amigo.
Frequentávamos a casa dele, e ele, a nossa. Houve até um Natal em que
assistimos a uma missa em sua casa antes de ir para a festa na residência de
Patsy Scarpa (falecida em 2012,aos 82 anos), mãe do Chiquinho Scarpa, onde
comemorei a data por três anos. (...) Fiquei muito assustada quando vieram à
tona as histórias de mulheres que dizem ter sido abusadas por Roger durante as
consultas”.
COLLOR NÃO TEM CARÁTER
Nos últimos oito anos, Rosane
briga com Collor no tribunal para que seja reconhecido o direito de ser
compensada pelo fato de ter deixado de lado a sua própria vida profissional
para acompanhá-lo. Recentemente conseguiu que ele fosse condenado, mas o processo
ainda não terminou.
- Muitas coisas que aconteciam,
como abandonar a carreira, não concordava, com certeza. Mas não ia largá-lo. A
mesma dignidade que eu tive com ele, ele não teve comigo. Ele não teve caráter,
diz ela, que acrescenta:
- Eu amenizei muitas coisas que
estão no livro, não passei ódio. Passei, sim, decepção. Eu não guardo ódio.
Guardo decepção. Eu lutei para que a Justiça me desse os meus direitos.
Procurada pelo GLOBO sobre os
assuntos descritos no livro, a assessoria de Fernando Collor ainda não
retornou.
PRIMEIRA-DAMA EM APUROS
Enquanto o marido era presidente,
Rosane estava à frente da Legião Brasileira de Assistência (LBA), um órgão
assistencial público. À época, ela foi acusada de envolvimento na compra
superfaturada de 1,6 milhão de quilos de leite em pó: cerca de 25% a mais pelo
quilo do leite. Além disso uma cunhada sua, que ocupava uma superintendência do
órgão, foi acusada de dirigir projetos que nunca saíram do papel.
No livro, ela diz que “sequer
precisava assinar a autorização para esses projetos nos Estados. Cada
superintendente estadual era indicado por uma liderança política da base aliada
do governo”. Sobre o escândalo do leite, diz que “não tinha nada a ver com
aquilo, como ficou comprovado depois na Justiça”. Ela relata que Collor ficava
preocupado que o escândalo o atingisse.
Rosane também conta que foi
acusada pela imprensa de dar uma festa de aniversário para a amiga com dinheiro
público. Ela sustenta, no entanto, que apenas convidou-a para um evento de
embaixatrizes no dia de seu aniversário.
Além dos fatos noticiados sobre a
primeira-dama, Collor preocupava-se com irmão de Rosane, “Joãozinho”, que
poderia atingir a imagem do presidente. Após saber que o prefeito Canapi, Mauro
Fernandes da Costa, havia falado mal de Rosane, Joãozinho foi atrás dele em um
bar, sacou um revólver, e atirou contra o prefeito. “Os Malta não levam
desaforos para casa e, quando alguém provoca um parente, toda a família se
sente atingida”, escreve Rosane.
PC FARIAS E CONTA SECRETA.
No início das investigações
contra o governo, abertas em 1992 para investigar o chamado esquema PC Farias,
o secretário particular de Collor, Cláudio Vieira, afirmou que os gastos
pessoais do presidente vinham de um empréstimo para a campanha de US$ 5 milhões
feito no Uruguai. A versão foi desmentida após uma secretária relatar que o
empréstimo ocorreu depois das eleições, apenas para encobrir o pagamento das
contas da Casa da Dinda.
"Quando eu ouvia de Fernando
que os depósitos que recebíamos não eram fruto de negócios escusos, mas
simplesmente de doações de empresas que não foram usadas na campanha, eu não
tinha por que duvidar. Parecia normal para mim, talvez por inexperiência, ter
recursos de campanha, e que usufruir disso não era errado", conta Rosane.
Sobre a conta no exterior dos
restos de campanha, no montante de US$ 50 milhões, como admitiu Collor em 2009
à Globonews, Rosane diz que ouviu "algumas conversas de que essa bolada
realmente existia". A versão não oficial era a de que seu irmão, Augusto,
a movimentava.
Aos 50 anos, Rosane diz que ainda
tem muito a contar. Outras histórias podem ficar para um segundo volume.
- Quem sabe? Vamos como me saio
com esse livro. Depois a gente vê. “O
grande problema de Fernando era com Pedro. E o meu, com Thereza, a mulher dele.
Em seu livro cheio de rancor
‘Passando a Limpo – A Trajetória de um Farsante’,
publicado em 1993, sobre a rivalidade entre ele e o irmão, Pedro defende a tese
de que Fernando dava em cima da cunhada. Eu não acredito nisso. Acredito na
tese de que os dois tiveram algo antes do meu casamento e Thereza continuou
apaixonada. Eu também não duvido que tenha sido por Thereza, por essa obsessão
que ela tinha pelo cunhado, que Pedro resolveu destruir o próprio irmão”.
“Logo depois de Fernando assumir
a presidência, comecei a ser alvo de críticas porque meus gastos aumentaram.
Isso é uma bobagem tremenda. É claro que eu estava gastando mais! Afinal, eu
passei a ter certas obrigações que não tinha como primeira-dama do Estado ou
como esposa de um deputado federal. Uma primeira-dama do país gasta mais do que
todas as outras, é óbvio! Até mesmo as roupas do dia a dia têm que ser muito
alinhadas. Não se pode, por exemplo, comparecer a uma entrevista com um traje
simplesinho. Para cada um dos eventos, é preciso pensar em um figurino
diferente. E tem ainda as viagens... Um país diferente requer roupas
específicas. E eu sempre gostei de boas marcas”.
“Pela péssima execução daquilo
que ficou conhecido como Plano Collor, Zélia, para mim, está associada ao
primeiro grande erro de Fernando como presidente. Na minha opinião, ela não
estava preparada para o cargo de ministra, apesar de ser uma mulher muito
inteligente e de ter ajudado muito na elaboração do programa de governo. Ali eu
acredito que o governo perdeu muita credibilidade e tornou-se uma vitrine muito
frágil para todas as pedras que foram atiradas depois”.
“Aliado a PC Farias, Fernando
começou a criar a Tribuna de Alagoas. Na época, ninguém sabia que se tratava de
um jornal do presidente. O que se sabia era que PC e seus irmãos estavam
montando um diário que, em teoria, concorreria com o jornal da família Collor.
E que, por mais estranho que fosse, Fernando apoiava a iniciativa. Só isso. Mas
Fernando estava, sim, envolvido no negócio. Tanto é que discutiu com Pedro
diversas vezes por causa disso. Pedro temia que a Tribuna tomasse o mercado e
os funcionários da Gazeta, e cobrava do irmão uma postura enérgica, pois sabia
que PC era seu braço direito. Fernando se negou a fazer qualquer coisa, o que
deixou Pedro furioso.”
“Lembro apenas que, depois de um
tempo de governo, Fernando começou a se incomodar um pouco com Itamar. Segundo
meu marido, seu vice era uma pessoa demasiadamente sensível, que tem um ego
dependente de elogios, de afago. Por qualquer coisinha, Itamar se chateava e,
para que isso não acontecesse, alguém precisava sempre elogiá-lo, valorizá-lo.
Fernando odiava tal comportamento.”
“Dizem que Fernando ficou devendo
meses de aluguel da Casa da Dinda para a mãe, dona Leda, quando era deputado.
Não duvido. Ele gastava sem saber se tinha dinheiro para bancar e, depois,
tinha que fazer essas maluquices para cobrir a conta.”
“Em 12 de outubro de 1992, um
helicóptero que fazia um voo entre São Paulo e Angra dos Reis (RJ) caiu e
desapareceu no mar. Dentro dele estavam o deputado Ulysses Guimarães e sua
mulher, além de outros passageiros e, claro, o piloto. Apesar de todas as
buscas, o seu corpo nunca foi encontrado. Era a primeira manifestação do que
ficou conhecido como “a maldição do impeachment”, uma série de mortes estranhas
e trágicas de pessoas ligadas a Fernando ou ao seu afastamento da presidência.
Além do deputado Ulysses, também Pedro Collor, PC Farias e sua mulher, Elma,
supostamente haviam sido atingidos por tal maldição. Todos eles morreram poucos
anos depois do impeachment. Todos vítimas de magia negra? Eu não sei quem
espalhou esse boato, só sei que ele faz algum sentido.”
“Íamos ao terreiro mais ou menos
uma vez por mês, mas, sempre que queria algo, Fernando ligava para a mãe de
santo e ela dizia o que precisava ser feito para atingir seus objetivos. Dali
até a eleição para a presidência, Fernando não vivia sem as orientações daquela
mulher. A Mãe Cecília também passou a frequentar o Palácio, aonde ia para
receber as entidades (os espíritos) que falavam com o presidente. Anos depois,
em uma entrevista, ela contou que, aos poucos, os santos foram se acostumando
com o bom e o melhor. Só queriam champanhe e uísque importado e faziam questão
de fumar charuto cubano. Fernando bancava tudo isso, para que os trabalhos
espirituais tivessem efeito.”
“O fato é que Fernando foi meu
grande amor e também minha grande decepção. Não só por tudo o que ele me fez
até hoje, mas por não me deixar viver em paz depois da separação. É claro que
só vou conseguir deixá-lo no passado quando essa situação se resolver e eu
encontrar um outro amor verdadeiro.
Já tive alguns namorados desde a separação,
pessoas muito queridas, mas nenhum conseguiu ocupar esse lugar. Mesmo assim,
sinto-me bem resolvida no campo do coração.”
“Em 2014, 22 anos depois do
impeachment, ele foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal, por falta de
provas, das acusações restantes referentes aos anos em que esteve na
presidência do país (peculato, falsidade ideológica e corrupção).
O que mais
ele queria da vida? Por que nada disso lhe deu a tranquilidade para conseguir
me deixar em paz, dando-me uma oportunidade para que eu também pudesse
reconstruir minha vida? Ele não parecia querer me ver livre. Eu, pelo
contrário, não vejo a hora de essa novela acabar. Também escrevi uma carta
pedindo a ele, por favor, que parasse, refletisse, que eu aceitava a proposta
irrisória só para ter um ponto final, mas não adiantou. Então não me sobrou
outra opção a não ser seguir tentando, para ter o que é meu de direito.”
“Enquanto esse problema não se
resolve, eu não quero parar minha vida. E este livro é a prova de que a fila
anda. Há anos recebo convites para me candidatar à deputada, vereadora e outros
cargos, mas não era a hora, ainda. Outros desafios podem surgir, e estou
preparada para enfrentá-los. Já venci tantos problemas. Meu futuro promete!”
Fonte: Agência O Globo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário