Começam testes da transposição do São Francisco,
mas ainda falta água. Ação começa
quatro anos depois do prazo dado para conclusão da obra.
Previsão para término no momento é final de 2015, com custo de R$ 8,2 bi.
“SERIA OUTRA DÁDIVA
SE OS RECURSOS NÃO FOREM DESVIADOS”
"Só vou acreditar quando
sair mesmo a obra. Se chegar mesmo água aqui, o Nordeste vai virar Sul. Vai ser
muito bom para a gente aqui, o povo só não trabalha porque não tem água",
afirma o moto taxista Geneci Batista, que se mostra cético ao projeto de transposição
das águas do rio São Francisco. Em outubro deste ano, começaram os testes no
primeiro trecho de canais, quatro anos depois do prazo fixado para a conclusão
das obras.
Os canais que saem do Velho Chico
somam, juntos, 477 quilômetros. O objetivo, segundo o Ministério da Integração,
é levar água a cerca de 12 milhões de pessoas em Pernambuco, na Paraíba, no Ceará e Rio Grande do Norte. A previsão é atingir mais
de 390 municípios no sertão pernambucano, além de 325 comunidades que residem a
uma distância de cinco quilômetros da margem dos canais.
Esse primeiro teste ocorreu na
estação 1 do Eixo Leste, em Floresta (PE). A água da Barragem de Itaparica é bombeada até a Barragem de
Areias, a primeira das 27 previstas na região. Apesar disso, a população do
entorno da obra no sertão pernambucano ainda não tem acesso à água que corre
pelo canal. Isso deve ocorrer após a conclusão dos testes, previstos para
ocorrer até o fim do ano.
Ao todo, são cerca de 10 mil
funcionários que trabalham no projeto de transposição do São Francisco
atualmente. O G1 percorreu 2.500
quilômetros, pelas cidades de Sertânia, Custódia, Floresta, Salgueiro e Cabrobó, em Pernambuco; Monteiro e São José
de Piranhas, na Paraíba; além de Jati, Mauriti e Brejo Santo, no Ceará.
Em 2012, as obras foram
praticamente paralisadas devido a problemas com as construtoras e
desentendimentos sobre valores de contratos. Questões como a perfuração de
solos com constituição mais dura do que o previsto afetaram o andamento das
obras e o orçamento. Novas exigências do Ibama representaram quase R$ 1
bilhão a mais, valor não previsto inicialmente.
O orçamento passou de R$ 4,8
bilhões para R$ 8,2 bilhões e agora, segundo o Ministério da Integração
Nacional, a transposição só deve ser finalizada em dezembro de 2015. A
conclusão está próxima de 70% do total, segundo a pasta.
Alguns
trechos da Transposição do São Francisco contam com obras 24h por dia.
Números da transposição do Rio São Francisco
|
|
R$ 8,2 bilhões
|
É o custo total da obra. A
estimativa inicial era de R$ 4,8 bilhões.
|
Dezembro de 2015
|
É a nova previsão para
conclusão.
|
2007
|
É o ano em que a obra começou
|
23
|
É a quantidade de açudes que
devem ser recuperados
|
27
|
É o número de barragens.
|
Fonte: Ministério
da Integração.”
|
Quando ocorreu a paralisação das
obras, os sertanejos chegaram a temer que a Transposição não fosse concluída.
Com o atual ritmo, pessoas como o comerciante Mauro Barbosa esperam que secas
extensas não sacrifiquem tanto a população. "Gastar o que se gasta com
carro-pipa... É melhor uma obra dessas mesmas. Tem muita gente precisando.
Tendo água, tem comida", acredita Barbosa, morador de Monteiro.
O túnel de Monteiro, que fica
entre a cidade na Paraíba e Sertânia (PE), é um dos que segue em ritmo intenso de obra. Com 3 quilômetros de
extensão, a rocha está sendo perfurada em um ritmo de dois a quatro metros por
dia, de acordo com o tipo de material encontrado. Próximo, em Sertânia, a Barragem
de Barro Branco ergue seu vertedouro e vai acertando o terreno, já desmatado.
O São Francisco terá água para todos?
Apesar de o Ministério da
Integração afirmar que a Transposição não afeta o rio em si, moradores do
entorno da obra seguem preocupados. A gestora de uma escola pública municipal
em Floresta (PE), Rosângela de Souza, teme pelo futuro do curso d'água, especialmente
devido à seca prolongada. "A gente vê a situação do Rio São Francisco ir
se agravando, fica muito preocupado. Como ele vai aguentar dar água para tanta
gente se está ficando seco aqui? Se estivesse chovendo, tudo bem", avalia.
Preocupação semelhante tem a
auxiliar de cozinha da escola, Marizete Isidoro. Moradora há quase 30 anos da
Agrovila 6, em Floresta, ela conta que o problema de água da comunidade foi
resolvido com poços furados pelo Exército. "Fazer tanto poço assim pode
não ser bom. Se não chover, como vai ter água no lençol freático? Vai ficar
todo mundo sem água do mesmo jeito. O rio São Francisco só está de pé por causa
dos afluentes, mas a seca está grande, a gente se preocupa", conta.
O engenheiro agrônomo João
Suassuna é especialista em convivência com o Semiárido e há 20 anos estuda o
rio como pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco. Para ele, a população tem
razão em ficar preocupada com a Transposição. "O São Francisco não vai ter
volume para atender tudo isso que estão querendo fazer com ele. Esse é o
caminho mais curto para terminar de exaurir o rio", opina.
Suassuna explica que o rio é de
múltiplos usos. "Cerca de 95% da energia no Nordeste é proveniente dele.
Existe uma área irrigável importante, de 1 milhão de hectares, na beira do rio,
dos quais 340 mil hectares já estão irrigados e levam um volume importante das
águas. Já está havendo um conflito enorme entre gerar energia e irrigar",
argumenta.
"A nascente do Rio São
Francisco em Minas Gerais chegou a secar. Em regiões como Pirapora, São
Francisco e Januária, o rio está praticamente seco. Já há uma limitação de
volumes séria e você querer tirar mais volume para abastecer 12 milhões de
pessoas e ainda irrigar 300 mil hectares? Isso é fisicamente impossível",
sentencia.
Para ele, cabe aos técnicos fazer
com que essa água tenha um bom uso no futuro. "Uma equipe de hidrólogos
tem que cair em campo para avaliar as reais necessidades hídricas. O que tem de
informação sobre volumes circulando hoje é chute. Eles precisam determinar um
número real a partir do qual quem tiver gerenciando essa 'torneira' do São
Francisco vai ter que obedecer", sugere. Suassuna também defende que
abastecimento de água passe a ser considerado assunto de segurança nacional.
"Tem que ser entregue à Polícia Federal esse controle, não pode ter
interferência política nesse tipo de decisão", disse.
Mato em lugar das obras.
Apesar de estar aparentemente em
curso, em Sertânia, no sertão de Pernambuco, o G1 encontrou um ponto da obra onde não há sinal de trabalhadores.
Apenas um vigia toma conta da entrada do canteiro de obras da estação de
bombeamento 6 (EBV6), uma das seis previstas para o Eixo Leste, que começa em
Floresta, na mesma região, e vai até Monteiro, na Paraíba, de onde as águas
seguem pela força da gravidade pelos rios e não mais por canais.
O mato toma conta do espaço e é
possível ver caixas com inscrições do Ministério da Integração. Há peças de um
pórtico rolante, equipamento e objetos pesados, como as bombas da estação.
Algumas lonas rasgadas deixam os equipamentos expostos. São ao menos dois anos
sem trabalho no local.
Em
Mauriti (CE), é possível encontrar trechos do canal em diferentes fases da
construção.
A explicação dada pelo Ministério
da Integração é que as obras seguem em ritmo mais acelerado onde estão mais
próximas da água. O Eixo Norte, que vai de Cabrobó, no Sertão de Pernambuco, até Cajazeiras, no Ceará, conta com três
estações de bombeamento ao longo do percurso. Juntos, os dois eixos da
Transposição vão contar com 27 reservatórios construídos, além de 23 açudes que
devem ser reformados para também integrar o sistema hídrico. Ainda há quatro
túneis.
Para cumprir os prazos, alguns
trechos, especialmente no Eixo Norte, contam com turnos de trabalho inclusive
durante a noite, como é o caso da Barragem de Porcos, em Brejo
Santo. Os serviços de concretagem são
geralmente deixados para a noite, para evitar problemas e rachaduras, uma vez
que o sol intenso altera o tempo de cura do concreto.
Fonte: G1.
Nenhum comentário:
Postar um comentário