AÇÃO NO STF PODE LEVAR A ELEIÇÕES DIRETAS EM 2017 SE TEMER FOR CASSADO.
Uma ação que pode levar à convocação de eleições diretas para presidente, caso Michel Temer seja cassado pela Justiça Eleitoral, está pronta para ser julgada no Supremo Tribunal Federal (STF).
Alteração no Código Eleitoral feita pelo Congresso diz
que poderia haver eleições diretas caso presidente e vice deixem o cargo vago
após a metade do mandato.
Como o ministro relator da causa, Luís Roberto
Barroso, já liberou a ação, basta uma decisão da presidente do STF, Carmén
Lúcia, para que o Supremo analise a questão. A Corte entrou em recesso nesta
semana e retorna ao trabalho em fevereiro.
A ação vem tramitando no Supremo sem alarde e seu
potencial de provocar eleições diretas tem sido ignorado. Por enquanto,
prevalece em Brasília a percepção de que, caso Temer seja destituído pelo
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), seria necessário aprovar uma PEC (proposta
de emenda constitucional) para viabilizar eleições diretas no país.
A base de
Temer, porém, tem bloqueado essa discussão no Congresso.
O TSE deve julgar no próximo ano se a chapa
presidencial eleita em 2014, composta por Dilma Rousseff e Temer cometeu
ilegalidades na campanha e, por isso, deve ser cassada.
O artigo 81 da Constituição Federal prevê que, caso os
cargos de presidente e vice fiquem vagos após a metade do mandado de quatro
anos, o presidente que concluirá o tempo restante deve ser eleito pelo
Congresso.
No entanto, o próprio Congresso aprovou em 2015 uma
alteração no Código Eleitoral e estabeleceu que, caso a cassação pela Justiça
Eleitoral ocorra faltando ao menos seis meses para término do mandato, a
eleição deve ser direta.
A questão foi parar no Supremo.
O procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, moveu em maio uma ação direta de
inconstitucionalidade (ADI 5.525) em que pede que a corte considere a mudança
do Código Eleitoral incompatível com a Constituição ou seja, sustenta que a
eleição teria que ser indireta caso a chapa presidencial seja cassada a partir de
2017.
Já a Clínica Direita Fundamentais da UERJ
(Universidade Estadual do Rio de Janeiro) pediu em outubro para participar da
ação como amicus curiae (amigo da corte) e lançou uma argumentação contrária,
sustentando que a mudança no Código Eleitoral é constitucional.
Pouco depois, Barroso concluiu seu voto - que só será
conhecido no momento do julgamento e liberou a ação para ser pautada.
Constitucionalistas de peso entrevistados pela BBC
Brasil, entre eles o ex-ministro do STF Ayres Britto, se dividiram sobre se o
STF deve ou não considerar constitucional a eleição direta, caso Temer seja
cassado pelo TSE.
Hoje, a maioria da população apóia a antecipação da
eleição presidencial no país.
Segundo pesquisa do Instituto Datafolha da semana
passada, 63% dos entrevistados são favoráveis à renúncia de Temer neste ano
para que haja eleição direta antes de 2018.
Qual o argumento a favor da eleição direta?
O professor titular de direito constitucional da UERJ
Daniel Sarmento é o advogado que elaborou a argumentação da Clínica de
Direitos.
Seu principal argumento é que a nova redação do Código
Eleitoral cria uma distinção entre a situação em que os cargos ficam vagos por
decisão da Justiça Eleitoral e as demais situações, como afastamento por
impeachment, morte ou doença.
Dessa forma, se presidente e vice forem afastados por
questões não eleitorais (impeachment, morte, etc) após metade do mandato, o
artigo 81 da Constituição continuará a ser aplicado e a eleição deverá ser
indireta.
No entanto, se a chapa for cassada pela Justiça
Eleitoral significa que a eleição foi inválida e o direito do eleitor ao voto
não foi respeitado. Dessa forma, nessa situação específica, deveria ocorrer
eleição direta.
O advogado ressalta ainda que o direito ao voto direto
é cláusula pétrea ou seja, faz parte dos direitos mais importantes da
Constituição, aqueles que não podem ser modificados nem por PEC.
Sarmento argumenta também que uma decisão do Supremo
pela constitucionalidade da eleição direta faria prevalecer a vontade do
próprio Congresso, que aprovou a alteração do Código Eleitoral.
"O Congresso quer fazer eleição direta, e vai o
Supremo dizer 'não, não pode'? Vivemos uma crise enorme no país, e há uma
expectativa da sociedade de resolução democrática dessa crise", defende. Para
Oscar Vilhena Vieira, diretor da Escola da Direito da FGV-SP, o argumento
levantado por Sarmento "é bastante razoável".
Embora considere que a solução ideal seria a aprovação
de uma PEC no Congresso, Vieira acredita que o STF pode vir a tomar uma decisão
política, caso Temer seja afastado e a crise se agrave.
"Se a questão se colocar de uma forma
contundente, o Supremo eventualmente tem uma saída. Acho que a distinção
oferecida pelo Daniel (Sarmento) é plausível", afirmou.
Virgílio Afonso da Silva, professor titular de direito
constitucional da USP, também concorda com a argumentação de Sarmento.
Ele observa que antes da alteração do Código
Eleitoral, a Justiça Eleitoral, ao cassar prefeitos e governadores, em geral
dava a posse para o segundo colocado na eleição.
Em sua opinião, o fato de o TSE não ter aplicado o
artigo 81 da Constituição para esses casos reforça o argumento de que a
vacância por cassação da chapa é diferente das outras situações.
O artigo 81 fala apenas dos cargos de presidente e vice,
mas o TSE poderia ter feito um paralelo para os casos de prefeitos e
governadores, ressalta o professor da USP.
"Se a pior das soluções, chamar o segundo
colocado, era aceita pelo TSE e pelo STF, eles não podem agora dizer que fazer
eleição direta é inconstitucional", argumenta ainda Afonso da Silva.
E quais os argumentos contra a eleição direta?
O ex-presidente do Supremo Carlos Ayres Britto também
analisou os argumentos de Sarmento.
Embora tenha dito que sua tese
"impressiona", considerou que a argumentação "não resiste a uma
análise mais detida". Britto destacou que a Constituição, já na sua redação
original, de 1988, prevê no artigo 14 a possibilidade de o mandato presidencial
ser impugnado pela Justiça Eleitoral.
O artigo 81 foi redigido com o legislador constituinte
já sabendo que havia a hipótese de perda do mandato por decisão da Justiça Eleitoral.
Então por que fazer a separação (entre vacância por decisão do TSE e outras
situações)?
Não parece aí que a distinção entre uma coisa e outra
tenha consistência argumentativa, afirmou.
Apesar disso, o ex-ministro do STF
considera que, caso Temer seja cassado, a solução ideal seria a realização de
eleições diretas, após o Congresso aprovar uma PEC.
"Daria muito mais legitimidade, até porque o
atual Congresso não está creditado o suficiente para eleger ninguém. Melhor
devolver ao povo, mediante PEC, o poder de eleger seu ocupante central",
afirmou.
O professor titular de direito constitucional da UFRJ
José Ribas Vieira e o pesquisador da mesma instituição Mário Cesar Andrade
analisaram conjuntamente os argumentos de Sarmento e também discordaram de sua tese.
Segundo eles, embora o professor da UERJ esteja
"bem intencionado", a Constituição é clara e "não prevê
exceções".
"Nesses tempos em que a interpretação da
Constituição tem sido utilizada para a satisfação de desejos políticos dos mais
diferentes matizes, compete-nos a seriedade de nos atermos ao texto
constitucional, sem malabarismos", escreveram à BBC Brasil.
O que esperar do TSE e do Congresso?
A ação que pede a cassação da chapa de Dilma e Temer
foi movida pelo PSDB logo após a eleição de 2014.
O partido acusa a chapa vitoriosa de diversas
ilegalidades, como arrecadação de doações que seriam na verdade recursos
desviados da Petrobras.
São também apontadas irregularidades nas despesas da
campanha, como suposta contratações de gráficas que não teriam comprovado os
serviços prestados.
Essas despesas estão sendo periciadas. A expectativa é
que o caso será levado a julgamento no próximo ano, mas não há data marcada
ainda.
O enfraquecimento de Temer, por causa da crise
econômica e das denúncias de corrupção envolvendo a si próprio e membros do seu
governo, tende a deixar o TSE mais fortalecido para cassá-lo.
Por outro lado, a defesa do presidente tenta convencer
o TSE de que as contas da campanha de Dilma e Temer eram separadas o objetivo
é que eventual cassação atinja só a eleição da petista.
O presidente tem maioria no Congresso e vem
conseguindo evitar o avanço de propostas de emenda constitucional prevendo
eleições diretas.
Autor de uma delas, o deputado Miro Teixera (Rede-RJ)
acredita que, se o TSE cassar Temer, a pressão popular impulsionaria uma rápida
aprovação de eleições diretas pelo Congresso.
Em todo caso, se o STF não prever expressamente a
inconstitucionalidade do novo Código Eleitoral, Teixeira acredita deveria ser
convocada eleição direta.
"O Código Eleitoral já diz que a eleição é
direta. Está valendo", defendeu.
"Eu não tenho dúvida que, se houver a necessidade
de substituição do presidente, essa substituição não se dará pelo voto
indireto.
Não restará edifício em pé na Praça dos Três Poderes se decidirem o
contrário", ressaltou.
Fonte: Agência Brasil.
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