"A SOLUÇÃO PARA A CORRUPÇÃO TEM DE SER A PRISÃO"
Pioneiro no julgamento de escândalos de crimes financeiros, o
desembargador Fausto De Sanctis
defende a delação premiada e a dureza na punição aos criminosos de colarinho
branco. Ele diz que o mensalão mudou o Judiciário.
ENTREVISTA A ÉPOCA.
"Em seu gabinete no Tribunal
Regional Federal de São Paulo, o desembargador Fausto De Sanctis acumula livros
sobre o combate ao crime organizado. O tema é uma obsessão dele. Aos 50 anos,
Sanctis foi responsável por julgar na primeira instância duas das mais
controversas operações de combate à corrupção no país. Na Satiagraha, expediu a prisão do banqueiro Daniel Dantas. Na
Castelo de Areia, julgou a construtora Camargo Corrêa. As sentenças, reformadas
por tribunais superiores, lhe valeram a fama de linha dura e uma série de
procedimentos administrativos. Em sua opinião, é uma situação bem diferente do
que ocorreria hoje. O motivo: o julgamento do mensalão pelo STF".
- No último mês, houve a prisão de dirigentes de
grandes empreiteiras e operadores de partidos políticos. Fatos antes
inimagináveis. Isso é resultado de evolução institucional?
Fausto De Sanctis – As varas da
Justiça especializadas em crimes econômicos, criadas lá trás, foram a grande
mudança. Isso é reconhecido internacionalmente. Ocorreu uma especialização dos
atores do processo de persecução penal. Depois de 2003, houve também uma
qualificação da Polícia Federal. O Ministério Público e os juízes
especializados também se aperfeiçoaram. Isso permitiu que esses processos,
antes difusos e espalhados pelas varas, fossem concentrados nas mãos de pessoas
que puderam lhe dar fluidez. Agora, um divisor de águas, sem dúvida, foi o
mensalão.
- Que consequências teve o julgamento do mensalão?
Sanctis – Foi o
grande caso em que o STF referendou, com suas decisões, muito do que se
criticava no trabalho das varas. Antes do mensalão, havia um desencorajamento
geral de quem estava à frente do combate de qualquer crime econômico. Houve uma
paralisia da Polícia Federal e um desestímulo aos juízes federais criminais.
Viam que nada adiantava. Conheço a seriedade do trabalho do juiz Sergio Moro.
Ele mesmo chegou a revelar, uma vez, certo desestímulo. O julgamento do
mensalão deu ânimo a todos. Não era possível que a verdade dos fatos fosse
renegada. Houve uma apreciação com base na realidade levada ao STF, que atuou
não apenas na abstração constitucional.
– O juiz Moro é tachado de ativista, a mesma crítica feita ao senhor nas operações Satiagraha e Castelo de Areia?
– O juiz Moro é tachado de ativista, a mesma crítica feita ao senhor nas operações Satiagraha e Castelo de Areia?
Sanctis – No
Brasil, quando o juiz atende a todo e qualquer pedido da defesa, ele é
garantista. Ao revés, quando aplica o direito aos fatos, em desfavor do réu, é
tido por arbitrário, autoritário. Não é nada disso. Está apenas cumprindo seu
papel. O ativismo é uma crítica para desqualificar, que muitos traduzem assim:
“Ah, esse juiz quer colocar todo mundo na cadeia, e cadeia não é solução para
nada”. É uma falácia. O Brasil assina as convenções internacionais e as
descumpre internamente. Crime de corrupção precisa ter como resultado a prisão.
–Muitos juristas afirmam que a melhor punição
aos criminosos de colarinho branco não é a prisão, mas pesadas
multas em dinheiro?
Sanctis – O
criminoso econômico é ambicioso, tem avidez. Compensa suas ações com medidas
sociais para aliviar a culpa. No caso de multa, a punição compensaria as
práticas ilícitas. A solução tem de ser a prisão. Quando o Estado começar a
mostrar para a sociedade, como fazem os países desenvolvidos, que os crimes têm
consequência, a criminalidade começará a reduzir. Isso precisa ser feito aqui.
O crime organizado sangra o Brasil – um país que só não é mais rico por causa
da corrupção. Ela se difundiu de tal forma que ninguém teme mais nada.
– O brasileiro é tolerante com a corrupção?
Sanctis – A
sociedade brasileira é paradoxal. É severa na corrupção e totalmente tolerante
na sonegação. Os dois são igualmente perniciosos. Causam prejuízos do mesmo
modo aos cofres públicos. Temos de quebrar esse círculo vicioso, uma sociedade
que tem certa tolerância a práticas criminosas e ilícitas. A corrupção está
impregnada no Estado, a tal ponto que é quase impossível combatê-la. Mas há um
método muito interessante: a delação premiada.
– Muitos juristas têm restrições à delação
premiada?
Sanctis – Causa-me
estranheza esse tipo de argumentação. A delação premiada é um instituto
consagrado. Existe há muito tempo no Brasil. Dizem que o uso dela é antiético.
Isso não é verdade. A regra de que não se pode delatar é do criminoso, do
delinquente, da máfia. A delação premiada é um instituto útil, porque facilita
a descoberta da verdade. Também é estratégico para a defesa, ao permitir que o
cliente seja beneficiado por uma conduta positiva. Os próprios advogados
deveriam estimular a delação. Segundo o Código de Ética da OAB, o advogado tem
o dever de atuar em favor da verdade.
– Confiar na palavra de um criminoso não é
arriscado?
Sanctis – É
preciso ter uma cautela muito grande. Durante o combate à Máfia, as forças
públicas italianas sabiam que, às vezes, a delação era usada para acertos
internos das organizações. O delator é uma testemunha suspeita. O princípio de
presunção da inocência do delatado tem de ser preservado. Não é porque foi
delatado que é verdade. As delações só são úteis à Justiça se trouxerem elementos
provando o que foi dito.
– Na Operação Castelo de Areia, houve uma
controvérsia em relação à delação premiada, que contribuiu para a
anulação do processo pelo STJ?
Sanctis – As
delações premiadas, quando foram feitas, foram desbravadoras, porque não havia
regulamentação. O procedimento adotado pela 6a Vara, onde eu era titular, foi
abraçado integralmente pela nova lei. Naquela época, os tribunais entendiam que
o teor de uma delação premiada podia ser dado às partes. A nova lei diz que o
teor não pode ser dado até a investigação acabar. Os fatos foram deturpados. No
início, a Castelo de Areia envolveu delação premiada, denúncia anônima, fatos
de outra operação e o acompanhamento de um suspeito de ser doleiro, que entrava
e saía com malas de uma empresa. O fato é esse. Justificou uma interceptação
telefônica. O STJ decidiu que não havia justificativa e considerou que houve só
denúncia anônima.
– Há delatores recorrentes. Isso não torna a
delação uma segurança prévia para o criminoso, caso seja pego?
Sanctis – Doleiros
que já foram condenados e fizeram delações no passado e novamente são
investigados – quer na Lava Jato, quer em outra operação – não deveriam ser
merecedores de qualquer benesse. Eles não são minimamente confiáveis. O delator
tem de mostrar também, imediatamente, arrependimento. Estabeleci, nos processos
em que atuei, a reparação imediata da sociedade como forma de arrependimento.
Trinta e oito instituições de caridade foram ajudadas com o dinheiro da delação
premiada.
– O que o senhor acha das propostas de acordo com
as empreiteiras envolvidas na Lava Jato para evitar a paralisia da economia?
Sanctis – Não
posso tecer considerações sobre casos concretos. Por vezes, os investigados
usam estratégias para se perpetuar na prática criminosa. Versões no sentido de
que a prática de crimes foi motivada por coação pretérita não são delação,
tampouco confissão, de modo que a invocação dessa tese se distancia da delação
premiada, que implica a confissão e não a justificativa da prática criminosa. A
Lei Anticorrupção prevê que o acordo de leniência só deve ser feito com a
primeira pessoa jurídica a firmar o acordo, não é para todos. Os fatos
praticados por essas empresas, se confirmados, são gravíssimos. As
consequências previstas em lei são suspensão das atividades, perda de bens e
dissolução das empresas, se for o caso. Se o objeto de uma empresa é a prática
criminosa, ela deve ser encerrada. Essa tem de ser a resposta. O país não
parará, ele já parou há muito tempo. Não temos sistema de saúde ou educação,
estão parados! A gente só finge que eles existem. "Se o objeto de uma empresa
é a prática criminosa, ela deve ser encerrada"
– O senhor dá palestras no exterior sobre lavagem
de dinheiro. Qual a visão de fora sobre a corrupção no Brasil?
Sanctis – Querem
saber como o Brasil trata a corrupção. Numa das palestras nos Estados Unidos,
organizada pela ordem dos advogados de lá, o tema era como as empresas
estrangeiras devem se comportar nos países onde a corrupção é sistêmica. Eu
dizia o seguinte: a corrupção é como um ônibus. Você pode ficar do lado de
fora, fechar os olhos e deixar o ônibus passar. Pode entrar e fingir que não
acontece nada. Mas pode também ficar na frente dele. O ônibus vai até
continuar, mas você pode diminuir a velocidade dele.
– O senhor conduziu duas operações interrompidas
pelas cortes superiores. Sua sensação é que conseguiu frear um pouco o ônibus
ou se sentiu atropelado?
Sanctis – Não sei
se consegui ter algum efeito, mas, que fiquei na frente do ônibus, fiquei.
Nunca cedi à corrupção.
– Por duas vezes, seu nome foi indicado pelos
juízes federais para uma vaga no STF. O senhor tem vontade ser ministro?
Sanctis –
Gostaria, obviamente, de ir ao Supremo. Não escondo. Não acho conveniente ou
delicado fazer qualquer tipo de pressão ou campanha. Mas o recado tem de ser
dado: eu gostaria. Humildemente, acho que teria condições de assumir um cargo
de tamanha magnitude. Mas quero que a presidente fique à vontade para escolher
quem ela achar melhor. Estou bem onde estou.
*Parte da entrevista
reproduzida/Revista Época.
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