Empresa desistiu de refinaria que ocuparia terreno cedido por indígenas.
Atuais terras já foram cortadas por cercas, gasodutos e rodovias.
Atuais terras já foram cortadas por cercas, gasodutos e rodovias.
Os índios que tiveram terras
desapropriadas para dar lugar à refinaria da Petrobras no litoral do Ceará vivem tempos de incerteza. Com o cancelamento do
projeto, o povo Anacé teme que a estatal descarte também o apoio à
transferência dos indígenas para uma nova reserva, algo acertado em troca da
cessão da área que abrigaria o empreendimento.
Em 28 de janeiro, a Petrobras
informou no balanço do terceiro trimestre que as duas refinarias Premium, no
Ceará e Maranhão, não sairiam do papel. A empresa sofre uma grave crise e anunciou nesta sexta (6) seu novo presidente. Uma cidade no norte do Maranhão também conta os prejuízos.
O cancelamento dos
empreendimentos gerou perdas de R$ 2,707 bilhões. Cerca de R$ 600 milhões já
haviam sido investidos pela estatal em serviços como a construção de dutos e
terraplanagem do terreno destinado à Premium II.
O povo Anacé afirma que concordou
em deixar as áreas de Matões e Bolso, que ficam no limite entre as cidades de São
Gonçalo do Amarante e Caucaia, no litoral cearense,
sob as seguintes condições: que o governo do estado construísse uma nova
reserva para a comunidade, a União reconhecesse o território como indígena e a
Petrobras investisse no processo de transferência para amenizar os impactos da
saída do local onde viveram.
Outro ponto do acordo foi não
remover o cemitério indígena do povoado.
O terreno onde ficará a nova
morada dos Anacé fica dentro de Caucaia, a 13 km da atual. O governo diz que o
valor das obras da reserva é de R$ 13.752.248,23 (proposta vencedora da
licitação). "A reserva, que espalhada por uma área de 540 hectares, terá
escola, posto de saúde, casas, sistemas de abastecimento de água e esgoto entre
outras benfeitorias para abrigar as 163 famílias a serem realocadas", diz
nota. A previsão de conclusão das obras é março de 2015.
Terra “sufocada”
As terras indígenas de Bolso e Matões foram cortadas por cercas, gasodutos e rodovias que iriam abastecer a refinaria. Alessandra Maria, moradora de Matões, se diz “sufocada” na própria terra.
Os moradores têm de conviver com
o trânsito e a violência. Heloísa Gustavo se queixa da movimentação de
caminhões que fazem a “poeira subir” e causam doenças respiratórias nos filhos.
“O sossego e a tranquilidade daqui não existem mais. Até violência, que não
tinha por aqui, já virou comum”, afirma Alessandra Maria.
“O melhor é que a gente não
tivesse que sair daqui, mas nosso terreno foi tão invadido, tão cortado por
estradas, descaracterizado, que o melhor é ir para a nova reserva. A gente fica
triste. É ruim ter que deixar aqui, mas já decidimos”, diz ela.
Falta de definição.
A União já declarou a terra como
área dos Anacé, e o governo do estado dá continuidade às obras da reserva, com
construção de casas, posto de saúde e escola. Da Petrobras, eles seguem sem
respostas, segundo os índios que conversaram com o G1 em visita à aldeia.
A companhia não deu
posicionamento sobre a questão até a publicação desta reportagem. O governo
cearense diz que "as obras da Reserva Anacé estão em andamento normal, já
com a conclusão dos serviços de terraplenagem, instalação de rede de energia,
vias de acesso, execução e delimitação dos lotes".
São 134 famílias de Matões e 29
de Bolso já indenizadas esperando a conclusão da reserva para fazer a mudança.
Parte do lugar onde moram daria lugar à Premium II.
O acordo feito pela Petrobras
segundo os Anacé, era financiar a transferência da produção das famílias afetadas,
como as hortaliças de Antônio Alexandre. “A nossa vida agora é de incerteza. A
gente não sabe se vale a pena ficar aqui e expandir a produção, se aguarda para
investir na reserva que está em construção ou se vão manter os acordos que
tinham de ajudar a transferir nossa produção”.
Vários indígenas da região
plantam hortaliças que abastecem mercados das cidades vizinhas. Com a
desistência da Petrobras em investir na refinaria, eles não sabem como será a
transferência do cultivo.
Reunião na segunda.
Os indígenas têm reunião marcada
com membros da Funai (Fundação Nacional do Índio) e da Petrobras nesta segunda
(9), na sede do Ministério Público Federal no Ceará, em Fortaleza. No encontro, eles vão reivindicar do governo e da
Petrobras o cumprimento dos acordos. Os líderes indígenas afirmam que ainda não
foram notificados formalmente sobre o fim do empreendimento e só devem comentar
oficialmente sobre o assunto após a reunião no Ministério Público.
Outra preocupação dos indígenas é
a manutenção dos serviços de educaçao e sáude na futura reserva. Na
quarta-feira (4), as 134 famílias da área participaram de uma campanha de
vacinação contra o sarampo. A cidade de Caucaia registrou um caso da doença neste
ano, o que colocou o Ceará em estado de atenção.
"O serviço de saúde é muito
eficiente, atende quem é indígena e quem não é porque temos o apoio do governo
municipal de Caucaia. O que não temos certeza, e também queremos garantir, é
que isso tudo continue no terreno da União", diz Alessandra Maria.
O governo estadual diz que um
posto de saúde será construído na nova reserva.
Denúncias.
O Ministério Público Federal
apura denúncia de problemas na construção das casas previstas no projeto Taba
dos Anacés. Lideranças indígenas informaram as que obras estariam causando
danos ao meio ambiente, por conta de aterramento de uma lagoa.
Também relataram irregularidades
em dimensões das residências, utilização de materiais de baixa qualidade nas
obras e que equipamentos de seguranças não estariam sendo utilizados por
trabalhadores contratados pela empreiteira.
O governo do estado nega as
denúncias de problemas na construção e diz que a obra ''respeita todas as
especificações do edital'' e é fiscalizada por dois engenheiros da Secretaria
Estadual da Infraestrutura.
Fonte: Agência O Globo.
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