INVESTIGAÇÃO DA FIFA DÁ FORÇA A 3 INICIATIVAS QUE PROMETEM MUDAR
FUTEBOL BRASILEIRO.
No Brasil, a investigação e a prisão de oito cartolas
da Fifa causaram euforia em setores que há anos criticam a gestão do futebol no
país. Para muitos jornalistas, jogadores e até parlamentares - que se
movimentaram para a criação de uma "CPI do futebol" - a quarta-feira
do anúncio das prisões foi um "dia histórico".
As investigações provocaram a criação de uma nova CPI
do futebol no Senado, a abertura de um inquérito pela Polícia Federal por
determinação do Ministério da Justiça e deram força à aprovação da MP 671 - que
tramita no Congresso e quer melhorar a gestão do futebol pelos clubes,
tornando-a mais rigorosa.
Muitos se mostram otimistas sobre mudanças reais no
modelo de gestão e no combate à corrupção nas entidades que regem o esporte, em
particular ao fato de as investigações envolverem a polícia americana.
"Encontramos um fio da meada que traz esperança.
É uma satisfação para quem há décadas luta contra esse sistema que está
aí", disse à BBC Brasil o jornalista esportivo Paulo Calçade, da ESPN.
"Vamos parar tudo e vamos refundar o futebol
brasileiro. Abrir as contas. Mostrar quem é quem na gestão do futebol aqui,
qual é o interesse deles. Já deveria ter feito isso por questão técnica de
dentro do campo após o 7 a 1 (para a Alemanha, na semifinal da Copa do Mundo no
ano passado). Agora a questão é de fora de campo, que replica o que está
acontecendo dentro."
O Bom Senso FC, movimento de jogadores fundado em 2013
para lutar por melhorias no futebol brasileiro, também está otimista. "É
chegada a hora de discutir e investigar o comando do futebol brasileiro. É hora
de democracia e transparência no futebol", afirmaram, por meio de nota.
A CBF, por sua vez, acredita que a investigação de
corrupção na Fifa afetará o futebol brasileiro positivamente e afirma já estar
implementando uma "modernização".
"Ela (a investigação) cria um impacto grande que
não pode parar aí", disse o ex-deputado federal Walter Feldman, que entrou
na CBF em abril, chamado pelo atual presidente da entidade, Marco Polo Del
Nero, que foi vice de José Maria Marin - um dos oito dirigentes presos a pedido
do FBI.
"Mas essa nova gestão já começou com disposição
para uma modernização acelerada. Começamos pegando as críticas do passado para
fazer diferente".
Inquérito da PF.
O Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, pediu
abertura de investigação sobre irregularidades cometidas por dirigentes e
ex-dirigentes do futebol brasileiro na quinta-feira. Agora Cardozo se reunirá
com o procurador geral da República Rodrigo Janot para definir uma atuação
conjunta de Ministério Público e PF na investigação.
"O inquérito correrá pela Superintendência do Rio
de Janeiro, por força da competência da PF local. Vamos apurar com seriedade e
buscar coletar todas as provas e situações para averiguar se há ocorrência de
crimes", disse Cardozo.
No passado, outras investigações envolvendo grandes
nomes que comandavam o futebol - como o do ex-presidente da CBF, Ricardo
Teixeira, que esteve no cargo de 1989 a 2012 - já foram levadas ao Ministério
Público, mas terminaram sem punições. O fato de agora haver uma polícia
internacional do peso do FBI no meio, porém, gera expectativas bem mais
positivas.
"A investigação internacional vai expor o que
aconteceu e vai caber a nós fazer alguma coisa pra não mostrar ao mundo que a
gente não interessa punir essas pessoas", disse Calçade.
MP 671
Pouco antes de a nova gestão da CBF, inaugurada em
abril, veio a Medida Provisória 671, sancionada pela presidente Dilma Rousseff
em março. Muitos a viram como um possível começo no caminho para a modernização
do futebol.
A medida diz respeito a renegociação da dívida de R$ 4
bilhões que os clubes brasileiros têm com o governo. Ela propõe contrapartidas
para o refinanciamento do valor em 240 meses - como a limitação de mandatos de
presidentes de clubes e federações e o rebaixamento de times que não mantiverem
suas contas em dia.
Enquanto os atletas do Bom Senso pedem medidas duras e
rígidas para uma "gestão mais democrática e transparente", a CBF
alega que o texto da MP - que agora tramita na Câmara – representa uma
"intervenção estatal" em uma entidade esportiva privada.
Há quem acredite, porém, que as investigações da Fifa
poderão ter impacto até mesmo sobre o texto final da MP, tornando-a mais
rigorosa, nos moldes da desejada pelos jogadores do Bom Senso.
"A MP tem contrapartidas duras, mas necessárias
porque a gente sabe com quem está lidando. Com essa investigação, a bancada da
bola (de parlamentares ligados ao futebol) vai ter seu argumento enfraquecido.
Então talvez a gente consiga produzir um documento melhor do que aquele que
estava se encaminhando", disse Calçade.
CPI.
No Congresso Nacional, o anúncio da investigação do FBI e do envolvimento de alguns dos principais nomes do comando do futebol brasileiro nos últimos anos (além de Marin, os empresários J. Hawilla e José Lázaro Margulies) acabou inspirando a criação de uma CPI, proposta pelo ex-jogador e senador Romário para investigar irregularidades no futebol brasileiro.
"Hoje é o pontapé de um novo momento no futebol
brasileiro", disse Romário à rádio Jovem Pan. Na quinta-feira, em
plenário, o Senado aprovou a instalação da CPI, que deverá iniciar os trabalhos
nos próximos dias. A própria Câmara dos Deputados iniciou movimentação parecida
por uma "CPI da CBF".
Essas iniciativas não são novidades no país, mas
tiveram pouco sucesso no passado. Duas outras CPIs do futebol foram instaladas
entre 1998 e 2000. A primeira demorou 19 meses para ser ativada na Câmara e
terminou sem o relatório aprovado. A segunda teve fim semelhante, com as
investigações dos supostos crimes descobertos na CPI barradas no Ministério
Público.
"Eles (então presidente da CBF, Ricardo Teixeira,
e outros dirigentes do futebol) tinham um negócio organizadíssimo. Tinha uma
casa que eles alugaram em Brasília para promover churrascos e conseguir apoio
dos parlamentares. Naquela época, a CBF podia doar dinheiro para campanhas
políticas e eles faziam isso para se proteger", contou à BBC Brasil Silvio
Torres, relator da CPI CBF/Nike que acabou em 2000.
Doutor Rosinha, outro deputado da época que fez parte
da comissão, disse que "nunca mais viu futebol ou torceu para a seleção
brasileira desde a época da CPI", tamanho foi o choque com as descobertas.
Agora, no entanto, há otimismo de que as novas
investigações – se não no Congresso, ao menos no FBI – resultem em punições
severas que tragam renovação e transparência às instituições que comandam o
futebol. "Aqui, o poder desses caras é gigantesco. Mas como a investigação
é internacional, dá pra ter esperança", disse Calçade.
A CBF disse estar
disposta a colaborar com as investigações. "Já estávamos analisando todos
os contratos anteriores antes dessa investigação, só não tínhamos divulgado
isso. Nós cumpriremos o papel de apresentar tudo, a CBF vai colaborar",
afirmou Feldman.
Fonte: Reuters.
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