INVESTIGAÇÃO DA FIFA DÁ FORÇA A 3 INICIATIVAS QUE PROMETEM MUDAR
FUTEBOL BRASILEIRO.
"Esta é a Copa do Mundo da Fraude.
Hoje estamos mostrando a eles o cartão vermelho." Essa declaração, dada
pelo chefe de investigação criminal da receita dos Estados Unidos, Richard
Weber, comentando o esquema de corrupção na Fifa investigado pelo FBI,
surpreendeu quem achasse que a organização máxima do futebol fosse imune a
perseguições judiciais.
No Brasil, a investigação e a prisão de oito cartolas
da Fifa causaram euforia em setores que há anos criticam a gestão do futebol no
país. Para muitos jornalistas, jogadores e até parlamentares - que se
movimentaram para a criação de uma "CPI do futebol" - a quarta-feira
do anúncio das prisões foi um "dia histórico".
As investigações provocaram a criação de uma nova CPI
do futebol no Senado, a abertura de um inquérito pela Polícia Federal por
determinação do Ministério da Justiça e deram força à aprovação da MP 671 - que
tramita no Congresso e quer melhorar a gestão do futebol pelos clubes,
tornando-a mais rigorosa.
Muitos se mostram otimistas sobre mudanças reais no
modelo de gestão e no combate à corrupção nas entidades que regem o esporte, em
particular ao fato de as investigações envolverem a polícia americana.
"Encontramos um fio da meada que traz esperança.
É uma satisfação para quem há décadas luta contra esse sistema que está
aí", disse à BBC Brasil o jornalista esportivo Paulo Calçade, da ESPN.
Derrota por 7 a 1 pra Alemanha na
Copa já havia despertado discussões sobre os rumos do futebol brasileiro.
"Vamos parar tudo e vamos refundar o futebol
brasileiro. Abrir as contas. Mostrar quem é quem na gestão do futebol aqui,
qual é o interesse deles. Já deveria ter feito isso por questão técnica de
dentro do campo após o 7 a 1 (para a Alemanha, na semifinal da Copa do Mundo no
ano passado). Agora a questão é de fora de campo, que replica o que está
acontecendo dentro."
O Bom Senso FC, movimento de jogadores fundado em 2013
para lutar por melhorias no futebol brasileiro, também está otimista. "É
chegada a hora de discutir e investigar o comando do futebol brasileiro. É hora
de democracia e transparência no futebol", afirmaram, por meio de nota.
A CBF, por sua vez, acredita que a investigação de
corrupção na Fifa afetará o futebol brasileiro positivamente e afirma já estar
implementando uma "modernização".
"Ela (a investigação) cria um impacto grande que
não pode parar aí", disse o ex-deputado federal Walter Feldman, que entrou
na CBF em abril, chamado pelo atual presidente da entidade, Marco Polo Del
Nero, que foi vice de José Maria Marin - um dos oito dirigentes presos a pedido
do FBI.
"Mas essa nova gestão já começou com disposição
para uma modernização acelerada. Começamos pegando as críticas do passado para
fazer diferente".
Inquérito da PF.
O Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, pediu
abertura de investigação sobre irregularidades cometidas por dirigentes e
ex-dirigentes do futebol brasileiro na quinta-feira. Agora Cardozo se reunirá
com o procurador geral da República Rodrigo Janot para definir uma atuação
conjunta de Ministério Público e PF na investigação.
"O inquérito correrá pela Superintendência do Rio
de Janeiro, por força da competência da PF local. Vamos apurar com seriedade e
buscar coletar todas as provas e situações para averiguar se há ocorrência de
crimes", disse Cardozo.
No passado, outras investigações envolvendo grandes
nomes que comandavam o futebol - como o do ex-presidente da CBF, Ricardo
Teixeira, que esteve no cargo de 1989 a 2012 - já foram levadas ao Ministério
Público, mas terminaram sem punições. O fato de agora haver uma polícia
internacional do peso do FBI no meio, porém, gera expectativas bem mais
positivas.
"A investigação internacional vai expor o que
aconteceu e vai caber a nós fazer alguma coisa pra não mostrar ao mundo que a
gente não interessa punir essas pessoas", disse Calçade.
MP 671
Pouco antes de a nova gestão da CBF, inaugurada em
abril, veio a Medida Provisória 671, sancionada pela presidente Dilma Rousseff
em março. Muitos a viram como um possível começo no caminho para a modernização
do futebol.
Dilma Rousseff já sancionou a
Medida Provisória de 'modernização do futebol', mas CBF diz que texto
representa 'intervenção do Estado'
A medida diz respeito a renegociação da dívida de R$ 4
bilhões que os clubes brasileiros têm com o governo. Ela propõe contrapartidas
para o refinanciamento do valor em 240 meses - como a limitação de mandatos de
presidentes de clubes e federações e o rebaixamento de times que não mantiverem
suas contas em dia.
Enquanto os atletas do Bom Senso pedem medidas duras e
rígidas para uma "gestão mais democrática e transparente", a CBF
alega que o texto da MP - que agora tramita na Câmara – representa uma
"intervenção estatal" em uma entidade esportiva privada.
Há quem acredite, porém, que as investigações da Fifa
poderão ter impacto até mesmo sobre o texto final da MP, tornando-a mais
rigorosa, nos moldes da desejada pelos jogadores do Bom Senso.
"A MP tem contrapartidas duras, mas necessárias
porque a gente sabe com quem está lidando. Com essa investigação, a bancada da
bola (de parlamentares ligados ao futebol) vai ter seu argumento enfraquecido.
Então talvez a gente consiga produzir um documento melhor do que aquele que
estava se encaminhando", disse Calçade.
CPI.
No Congresso Nacional, o anúncio da investigação do
FBI e do envolvimento de alguns dos principais nomes do comando do futebol
brasileiro nos últimos anos (além de Marin, os empresários J. Hawilla e José
Lázaro Margulies) acabou inspirando a criação de uma CPI, proposta pelo
ex-jogador e senador Romário para investigar irregularidades no futebol
brasileiro.
"Hoje é o pontapé de um novo momento no futebol
brasileiro", disse Romário à rádio Jovem Pan. Na quinta-feira, em
plenário, o Senado aprovou a instalação da CPI, que deverá iniciar os trabalhos
nos próximos dias. A própria Câmara dos Deputados iniciou movimentação parecida
por uma "CPI da CBF".
Ex-jogador Romário recolheu
assinaturas, protocolou e aprovou CPI do futebol no Senado
Essas iniciativas não são novidades no país, mas
tiveram pouco sucesso no passado. Duas outras CPIs do futebol foram instaladas
entre 1998 e 2000. A primeira demorou 19 meses para ser ativada na Câmara e
terminou sem o relatório aprovado. A segunda teve fim semelhante, com as
investigações dos supostos crimes descobertos na CPI barradas no Ministério
Público.
"Eles (então presidente da CBF, Ricardo Teixeira,
e outros dirigentes do futebol) tinham um negócio organizadíssimo. Tinha uma
casa que eles alugaram em Brasília para promover churrascos e conseguir apoio
dos parlamentares. Naquela época, a CBF podia doar dinheiro para campanhas
políticas e eles faziam isso para se proteger", contou à BBC Brasil Silvio
Torres, relator da CPI CBF/Nike que acabou em 2000.
Doutor Rosinha, outro deputado da época que fez parte
da comissão, disse que "nunca mais viu futebol ou torceu para a seleção
brasileira desde a época da CPI", tamanho foi o choque com as descobertas.
Agora, no entanto, há otimismo de que as novas
investigações – se não no Congresso, ao menos no FBI – resultem em punições
severas que tragam renovação e transparência às instituições que comandam o
futebol. "Aqui, o poder desses caras é gigantesco. Mas como a investigação
é internacional, dá pra ter esperança", disse Calçade.
A CBF disse estar
disposta a colaborar com as investigações. "Já estávamos analisando todos
os contratos anteriores antes dessa investigação, só não tínhamos divulgado
isso. Nós cumpriremos o papel de apresentar tudo, a CBF vai colaborar",
afirmou Feldman.
Fonte: Reuters.