CRIAÇÃO DE MUNICÍPIOS
Emancipação no CE esbarra em viabilidade financeira.
Apesar da expectativa de políticos cearenses, especialistas avaliam como
'contrassenso' criar novos municípios.
Defendida há anos pelos deputados
estaduais cearenses, a bandeira pela criação de novos municípios tem sido
frustrada, diante das dificuldades que a pauta encontrou em nível nacional.
Especialistas em administração pública do Ceará e de outros estados consultados
pelo Diário do Nordeste ponderam que, hoje, o apoio à emancipação dos distritos
tem viés mais político do que técnico. Reconhecendo que esses lugarejos
enfrentam precariedades, os acadêmicos apontam para o "contrassenso"
de se criar novas estruturas administrativas sem viabilidade financeira.
Em 2009, a Assembleia Legislativa
aprovou uma lei complementar regulamentando a criação de municípios no Ceará e
autorizou a realização de plebiscitos em 30 distritos cearenses que almejam
emancipação. Porém, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) não aceitou fazer as
consultas populares porque não havia uma lei federal sancionada definindo a
questão.
De lá para cá, o imbróglio
político e jurídico não se encerrou. Em outubro de 2013, o Senado aprovou um
projeto de lei que norteia a criação de municípios no País, estabelecendo
regras mais rígidas do que as previstas pela Assembleia cearense. No mês
seguinte, a presidente Dilma Rousseff vetou integralmente a proposta aprovada
pelos senadores. Agora, após negociação com o Governo, tramita na Casa um novo
projeto, de autoria do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR).
Condições básicas
O professor de administração
pública da Universidade de Brasília (UnB) José Matias-Pereira esclarece que,
antes de avaliar se determinada localidade está apta à emancipação, é
necessário analisar condições básicas, como saúde, educação e autonomia
financeira. "O que a realidade brasileira tem mostrado é que a maior parte
dos distritos que estão querendo se tornar municípios, em princípio, não reúne
essas condições", alerta.
Para manter suas receitas, a
maioria das prefeituras depende do Fundo de Participação dos Municípios (FPM)
repassado pela União. Com a criação de novas localidades, esses recursos não
aumentarão, apenas serão redistribuídos. "Muitas vezes, o que ocorre é que
a separação deixa a sede do município em situação muito ruim", declara.
"São situações extremamente
complexas e precisam ser examinadas com muito cuidado, tendo os critérios
técnicos e os pré-requisitos como balizadores. O critério político tem que ser
o último a ser analisado nesse caso", complementa o especialista, que se
posiciona favorável ao veto da presidência da República em relação ao aumento
dos municípios. Ele adianta que daqui a 40 dias, aproximadamente, o doutorado
do qual participa lançará uma pesquisa estimando os custos totais gerados com o
fracionamento dos municípios.
José Matias-Pereira diz acreditar
que, em muitas situações, as reivindicações pela emancipação são puxadas por
poucas lideranças. O docente acrescenta que a população deve ter voz ativa para
cobrar a garantia dos direitos sociais básicos, independentemente de morar num
distrito ou município, mas não é isso que tem ocorrido, opina. "A criação
de municípios precisa ter envolvimento de postura proativa da população e não
somente das lideranças", justifica.
Nepotismo
Na avaliação do professor da UnB,
há risco de as novas cidades já surgirem reproduzindo o nepotismo. "A
máquina burocrática começa a abrigar filhos, sobrinhos, primos dos detentores do
poder. É da nossa cultura política. O cenário preocupa porque, em vez de ser
canalizado para a população, vai para a folha de pagamento", diz.
O professor Mauro Osório da
Silva, da Universidade Federal do Rio do Janeiro (UFRJ), relata que o principal
fator positivo trazido pela emancipação dos distritos é a aproximação entre a
população e o poder público. Como aspecto negativo, ele cita a criação de uma
estrutura administrativa que inclui prefeitura e suas secretarias municipais,
câmara dos vereadores e todo o aparato de uma gestão pública.
Mauro Osório compara a situação à
chamada "economia de escala". Por exemplo, uma única estrutura que
serviria a 100 mil, ao ser duplicada para atender a mesma quantidade de
habitantes, dobra o valor dos custos. "Em outros países, quando o
município é pequeno, não precisa ter câmaras que se reúnam todos os dias nem
vereadores profissionalizados", indica.
Como solução alternativa à
emancipação de distritos para reduzir as desigualdades entre as localidades, o
docente aponta a opção do orçamento territorializado. Hoje, quando o Poder
Executivo envia a previsão de gastos do ano seguinte para ser aprovado no
Legislativo, as despesas são pensadas por áreas temáticas, como saúde e
educação. Entretanto, a gestão não se responsabiliza com a execução
orçamentária por regiões da cidade ou estado.
Transparente
"Nas grandes cidades,
geralmente tem mais dinheiro gasto em bairros de classe média e alta. Ficaria
mais transparente. Muitas vezes, o prefeito acaba fazendo obras na rua onde mora.
A transparência é boa para o cidadão e para o gestor de boa fé", ressalta
Osório da Silva.
Especialista em administração
pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Jorge Fernando Pinheiro destaca que
é preciso avaliar a situação financeira de cada localidade, mas acredita que em
geral o discurso político predomina sobre o técnico. "De maneira geral, o
que tenho presenciado é a tentativa de criar municípios inviáveis, seja pelo
tamanho, condições econômicas ou produtividade", define.
Para Jorge Fernando, as
prefeituras carecem de uma melhor administração para democratizar as ações que
contemplem os distritos. "A solução seria uma melhor gestão pública, não é
necessário que haja um prefeito e uma câmara para que o município funcione bem,
é uma tentativa de ação política", esclarece.
O pesquisador do Laboratório de
Estudos sobre a Pobreza (LEP) Carlos Eduardo Marino, da Universidade Federal do
Ceará, diz que a emancipação de distritos aproxima os habitantes da gestão.
"Cria um poder local mais comprometido com a população, gerando melhor
prestação de serviços e fiscalização mais eficiente em relação à atuação
governamental", detalha.
Corroborando com a opinião dos
demais especialistas, Carlos Eduardo Marino alerta para a dependência que as
cidades já enfrentam em relação ao Governo Estadual e Federal. "O problema
é você criar municípios inviáveis economicamente, sem condições de arrecadar
recursos através de tributos", pontua.
Pela proposta inicial aprovada em
2009 pela Assembleia Legislativa, cerca de 30 distritos cearenses estavam aptos
a se emancipar. Depois, segundo o projeto do Senado Federal, esse número cairia
para 20 ou menos, devido ao enrijecimento das regras. Agora, caso seja aprovado
o novo projeto no Senado, a expectativa é que essa quantidade seja ainda menor
Veto
Após o veto da presidente Dilma
Rousseff à matéria aprovada no Senado, está tramitando um novo projeto na Casa,
assinado pelo senador Mozarildo Cavalcanti, o mesmo autor da proposta vetada.
Segundo essa última proposição, os novos municípios a serem criados no Nordeste
devem ter um mínimo de 8,5 mil habitantes. A proposta também exige que o estudo
de viabilidade financeira seja feito por entidade competente e isenta e
contratado pelo Governo do Estado, e não pelo grupo que tem interesse na
emancipação
Dívidas
Ainda de acordo com a nova
matéria assinada pelo senador Mozarildo Cavalcanti, os novos municípios devem
receber parte das dívidas dos municípios de origem, proporcional à
infraestrutura da nova unidade.
Fonte: Agência Senado.
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