QUASE 40 PAÍSES JÁ PROÍBEM DOAÇÕES DE EMPRESAS A
CANDIDATOS.
O debate sobre a necessidade de
mudar o modelo de financiamento de campanhas no Brasil voltou a ganhar fôlego
em meio às denúncias de que propinas cobradas em contratos da Petrobras
acabavam irrigando partidos políticos e candidatos como doações oficiais de
campanha.
A crescente preocupação com o
assunto, porém, não é exclusividade do Brasil. Um monitoramento internacional sobre
financiamentos de campanha em 180 países, realizada há quinze anos pelo
Instituto Internacional pela Democracia e Assistência Eleitoral (Idea, na sigla
em inglês), indica uma tendência mundial de aumento, ainda que lento, da
restrição a doações empresariais.
A proposta de eliminar ou reduzir
drasticamente o financiamento de campanhas por empresas não busca apenas atacar
o problema da corrupção, observa o diretor da área de Partidos Políticos do
Idea, Sam van der Staak. O princípio central que norteia essas medidas é a
preocupação com a influência desproporcional que as empresas teriam sobre o
Estado por causa dos volumosos recursos destinados a eleger políticos, seja no
Executivo ou no Legislativo.
"Em todo o mundo, a política
se tornou um negócio caro, em tal magnitude que o dinheiro é hoje uma das
maiores ameaças à democracia", afirma um relatório de janeiro do
instituto.
Segundo Staak, o número de países
que baniu completamente o financiamento por empresas cresceu levemente nos
últimos quinze anos. Já a criação de limites para as doações "tem sido
discutida de forma mais ativa em muitos países", nota ele.
Propostas.
No Brasil, o PT (de forma irônica, pois esse partido e aliados que institucionalizou a corrupção no país !) e os movimentos
sociais estão à frente da proposta de proibir totalmente o financiamento por
empresas - dessa forma as campanhas seriam bancadas exclusivamente por recursos
públicos e pequenas doações de pessoas físicas.
Os números oficiais mostram que
hoje as empresas são as principais financiadoras da disputa eleitoral no
Brasil. Nas últimas eleições, partidos e candidatos arrecadaram cerca de R$ 5
bilhões de doações privadas, quase na sua totalidade feitas por empresas. Além
disso, receberam no ano passado R$ 308 milhões de recursos públicos por meio do
Fundo Partidário, enquanto o tempo "gratuito" de televisão custou R$
840 milhões aos cofres da União por meio de isenção fiscal para os canais de
TV.
No momento, o Supremo Tribunal
Federal (STF) julga uma ação movida pela Ordem dos Advogados do Brasil
questionando se a doação por empresas é constitucional. Dos onze ministros,
seis já votaram pela proibição desse tipo de financiamento, no entanto, o
ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo em abril do ano passado e até
hoje não proferiu seu voto, no que tem sido criticado como uma manobra para
impedir a conclusão do julgamento antes que o próprio Congresso analise a
questão.
O PMDB, que hoje tem a
presidência da Câmara e do Senado, quer uma alteração menos radical desse
modelo. Uma proposta apresentada pelo partido na semana passada sugeriu que
empresas só possam doar diretamente a um único partido, mas sem indicar
limitação de valores.
Outra proposta, encampada pelo
Instituto Ethos e alguns cientistas políticos, prevê que as doações por
empresas continuem sendo permitidas, mas que haja um teto baixo para essas
transferências. O objetivo, com isso, é reduzir o poder de influência de cada
financiador - já que haveria mais doadores transferindo valores semelhantes.
O Instituto Ethos foi criado para
incentivar práticas socialmente responsáveis no setor privado. Ele tem 585
empresas associadas, entre elas grandes doadoras de campanhas eleitorais como
os bancos Bradesco, Itaú e Santander, a construtora WTorre, a rede de
frigoríficos Marfrig, e até mesmo empreiteiras investigadas na Operação Lava
Jato, como Camargo Corrêa e Odebrecht.
O instituto defende hoje a adoção
de regras que limitem drasticamente as doações por empresas e mesmo a proibição
nos casos de companhias que tenham contratos com governos, ou seja, sócias de
bancos públicos.
Se tal proibição existisse hoje,
atingiria diretamente o grupo JBS, maior doador da campanha de 2014. Tendo o
BNDES como sócio, o grupo destinou mais de R$ 350 milhões a diferentes
políticos na eleição do ano passado e foi também o maior apoiador tanto da
campanha da presidente Dilma Rousseff, como da de seu principal adversário, o
tucano Aécio Neves.
"A eleição (brasileira) está
virando quase que um plano de negócios de mercado", afirma Jorge Abrahão,
presidente do Instituto Ethos, fazendo referência a um instrumento do mundo
corporativo usado para definir os objetivos de uma empresa e o que será feito
para alcançá-los.
"Os estudos que fazemos
indicam que a eleição a cada ano fica mais cara e o número de votos que os
partidos recebem é proporcional aos recursos que eles ganham (de empresas). Na
medida em que você limita (as doações), você vai diminuir o peso desse poder
econômico", acrescenta Abrahão.
Levantamentos dos jornais Folha
de S.Paulo e Estadão com base nas milhares de declarações de candidatos ao TSE
(Tribunal Superior Eleitoral) indicam que, em 2014, as doações privadas somaram
cerca de R$ 5 bilhões no Brasil - quase o dobro do valor arrecadado em 2006 (R$
2,6 bilhões, já atualizado pela inflação).
Sam van der Staak, do Idea, nota
que as eleições brasileiras são relativamente caras. Segundo levantamento do
instituto, o valor gasto em média por voto aqui (US$ 19,90) é cinco vezes maior
do que no México (US$ 4,20) e o dobro do que na Costa Rica (US$ 9,60), países
onde as doações de empresas são proibidas.
Pelo mundo.
O banco de dados do Idea -
organização intergovernamental que hoje tem status de observadora na ONU -
revela que 39 países proíbem doações de empresas para candidatos, como México,
Canadá, Paraguai, Peru, Colômbia, Costa Rica, Portugal, França, Polônia,
Ucrânia e Egito. O mais novo integrante do grupo pode ser a Espanha, que
atualmente estuda adotar a medida.
Outros 126 países permitem o
financiamento de candidatos por empresas, como Brasil, Reino Unido, Itália,
Alemanha, Noruega, Argentina, Chile, Venezuela e praticamente toda a África e a
Ásia.
A proibição formal, porém, nem
sempre impede que o capital corporativo encontre outras formas de influenciar o
jogo político, nota Staak. Os Estados Unidos, por exemplo, proíbem doações
diretas de empresas, mas como elas são autorizadas a fazer suas próprias
campanhas a favor e contra candidatos, na prática os efeitos da restrição são
nulos.
Tampouco a corrupção desaparece
de uma hora para outra. Um relatório do instituto aponta que o número de
infrações detectadas em doações políticas em Portugal cresceu fortemente desde
o ano 2000, quando o país proibiu o financiamento empresas.
Em parte, isso é reflexo da
fiscalização mais dura que também foi implementada no período, nota o
documento. Mas, por outro lado, também observou-se o desenvolvimento de
práticas para burlar as restrições às doações privadas, como lista de doadores
fantasmas.
"A corrupção tem muito a ver
com as atitudes culturais. Muitos países que são menos corruptos (como Noruega
e Suécia), até recentemente, não tinha sequer muitas das leis necessárias para
conter escândalos de financiamento político. As reformas devem, portanto, ter o
objetivo de tornar mais difícil as doações irregulares e ficar sempre um passo
à frente dessas práticas", afirma Staak.
Defensor da proibição do financiamento
por empresas no Brasil, o filósofo Marcos Nobre, reconhece que a medida não
terminará com a corrupção no país como mágica, mas ainda assim defende sua
adoção. "O que (a proibição) vai fazer é tornar a disputa eleitoral menos
desigual e isso é bom para a democracia", nota ele.
"Para evitar o crescimento
do caixa 2 (doações ilegais), o fim do financiamento por empresas tem que vir
acompanhado do fortalecimento do Ministério Público e da Justiça
Eleitoral", ressaltou.
Limite de doações.
Já Cláudio Abramo - ex-diretor da
Transparência Brasil, organização especializada em contas eleitorais - critica
a proposta por considerar que ela inevitavelmente levaria ao aumento das
doações ilegais e também por ver pouco espaço político para sua aprovação no
Congresso.
Ele defende que a criação de
limites baixos para as doações de empresas seria o melhor caminho para tornar o
sistema político mais justo.
"É preciso atacar o problema
principal do financiamento hoje, que é a inexistência de limites reais (ao
financimento). Então, você tem uma desigualdade imensa entre os doadores de
forma que alguns poucos ganham um poder de influência muito maior que outros
doadores. A ideia seria limitar muito drasticamente a quantidade de dinheiro
que cada grupo empresarial possa dar, reduzindo portanto a influência de cada
um deles", afirma.
O levantamento do Idea mostra que
55 países restringem de alguma forma os financiamentos, seja de empresas ou
pessoas físicas.
O Brasil estabelece um teto para
as doações, mas a regra adotada não segue o padrão internacional e acaba sendo
inócua. Enquanto a maioria dos países que têm limites estabelecem valores
absolutos (por exemplo, 7,5 mil euros por pessoa, na França), aqui o teto
máximo da doação é um percentual dos recursos do doador - 2% do faturamento no
ano anterior, no caso das empresas, e 10% da renda, no caso das pessoas
físicas.
Grandes empresas e pessoas ricas,
portanto, têm um potencial muito maior de influir no processo eleitoral.
Fonte:
BBC Brasil.
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