Fábio Zuker.
O FIM DO LULISMO, O AJUSTE FISCAL E O CALOTE.
Frente à dita "crise
financeira", o governo toma decisões em sua política econômica que não têm
outro resultado senão o de prejudicar os laços mais fracos das relações
econômicas: o pequeno produtor, as pequenas empresas e os consumidores de baixa
renda que se endividaram durante do boom econômico brasileiro.
Para qualquer um que tenha
acompanhado a última campanha eleitoral, as atuais decisões da política
econômica do governo Dilma impõem uma questão básica: em quem, realmente, eu
votei?
Em um debate político no qual
Aécio Neves (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) se digladiavam ao redor de concepções
antagônicas a respeito da política econômica, a vencedora das eleições, a
despeito de ter feito uma campanha contra propostas neoliberais, não fez outra
coisa senão aceitar pontos centrais no plano econômico de seu opositor.
A centralidade da economia na
corrida eleitoral tornou-se evidente no debate entre Guido Mantega e Armínio
Fraga. O primeiro, ainda ministro da Economia, já tido como fora do próximo
mandato de Dilma caso fosse reeleita, questionava a gravidade da crise
econômica, ao lembrar que apesar do PIB estar baixo, o país encontra-se em uma
situação de pleno emprego, e que estava vivenciando, inclusive durante a crise
econômica internacional, o aumento do salário real, diminuição da desigualdade
social entre outros indícios de estabilidade econômica e amadurecimento do
mercado interno.
Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central durante o
governo Fernando Henrique Cardoso e então indicado ao Ministério da Fazenda
frente a uma possível vitória de Aécio Neves, vociferava contra a política
econômica do governo Lula-Dilma, afirmando em tom genérico ser necessário
arrumar a casa, e esquivando-se de perguntas que lhe obrigassem a dizer como
ele faria isso.
Por que? Pois se tratavam de
medidas impopulares durante uma campanha eleitoral, prevendo aumento de juros e
cortes nos gastos do governo, e que foram imediata e paradoxalmente adotadas
pela nova equipe econômica do governo Dilma, lideradas pelo controverso Joaquim
Levy - e que recebeu a aprovação de ninguém mais, ninguém menos que o próprio
Armínio Fraga (lembrando que a proposta econômica do governo antes da reeleição
eram contrárias às suas).
Os eleitores de Dilma indagam-se,
candidamente, senão algo perdidos: mas, afinal, em que proposta eu votei?
É inegável que o País tenha
vivido nos últimos quinze anos mudanças sociais históricas: há não muito tempo
se falava que o Brasil havia deixado de ser o País do futuro para ter trazido o
futuro ao presente; o nome do País jazia na capa de inúmeras revistas
econômicas ao redor do mundo; o Brasil foi declarado pela ONU como uma nação
que havia erradicado a fome (com níveis similares aos países europeus); houve
redução da miséria e desigualdade social, e o consumo das ascendentes classes
baixas trouxeram uma nova e inédita situação de dinamismo para a economia -
impulsionados por programas sociais como o PAC (Programa de Aceleração ao
Crescimento), o Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família, entre outros. Por outro
lado, esses programas sociais necessitam ser analisados também em suas
falhas/deficiências: problemas de execução de verbas empenhadas pra
infraestrutura, à necessidade de um marco regulatório mais claro e mais
eficiente para as PPPs (Parcerias Público Privadas) e mesmo o atraso nas obras.
Tais arranjos devem-se, sejamos
justos, a uma inequívoca estabilidade econômica que o governo Lula herdou do
governo FHC, mas, sobretudo, a uma concepção específica de economia política
que se desenvolveu durante a era Lula e que Dilma abraçou em seu primeiro
mandato. Concepção esta que pode ser identificada, como defende o cientista
político André Singer (2), pelo esforço em retirar uma gigantesca massa de
miseráveis dessa condição, inserindo-os no mercado de trabalho por meio dos
programas sociais mencionados acima, e do incentivo à formação do mercado
interno, por meio do aumento sustentado do consumo e da escolarização - embora
críticas sejam cabíveis à qualidade do ensino.
Frente a atual "crise
financeira", uma alma não tão cândido, mas capciosa, então perguntaria:
"mas, afinal, quem é favorecido e quem é desfavorecido pela política
econômica de Joaquim Levy?". Como afirma Singer em tom jocoso em matéria
publicada neste final de semana para a Folha: "era uma vez um reino em que
havia um ministro, Mãos de Tesoura, que gostava de fazer troça. Parecia
divertir-se a cada corte realizado, não importa se implicavam empregos
perdidos, benefícios sociais diminuídos, linhas de produção fechadas".
Ajustes fiscais que na prática têm implicado o não pagamento dos fornecedores
do governo - ao invés de pôr medidas de incentivo aos negócios para tentar não
deixar o desemprego aumentar, nem o salário real baixar como únicas medidas
capazes de manter a economia em movimento.
Como afirma um grupo de
economistas, fazendo uma crítica à esquerda das recentes decisões do governo,
falando inclusive em uma virada neoliberal, que "ameaça frontalmente as
conquistas sociais recentes e o aprofundamento do processo de distribuição de
renda e de ampliação dos direitos sociais. Enquanto o mercado comemora, o peso
da austeridade recai sobre os salários, o emprego, os benefícios sociais e os
serviços públicos".
No afã de tornar o País atraente
para investidores, Levy viaja ao exterior para afirmar que está tudo bem.
Internamente, porém, deixa a situação ainda mais caótica: empresas que dependem
de contratos do governo pararam de receber e muitas já começaram as demissões -
quando não estão inclusive estudando a necessidade de declarar falência. Nada
mais contraditório que um ministro que viaja ao exterior para dizer que o país
é confiável, e em sua política interna termina por quebrar contratos, não
realizando mais pagamentos e tornando a segurança jurídica do país - vide a
matéria a respeito do não pagamento de contratos do governo com empreiteiras
construindo estradas (aqui). A situação de pleno emprego encontra-se em perigo,
e em breve a desigualdade social que vinha caindo, voltará a aumentar
Reajuste fiscal virou sinônimo de
dar calote. O governo, do modo mais simplista e irresponsável possível, resolve
que para ajustar as contas, na prática, deixa de pagar seus fornecedores e
cumprir seus contratos - sem sequer questionar os valores exorbitantes pagos a
políticos e funcionários públicos, inclusive aumentando-os (como por exemplo a
extensão do direito a passagens aéreas para cônjuges de deputados). O que
acontece com as empresas que dependem dos contratos com o governo, com seus
trabalhadores, e com aqueles que se endividaram diante do bom momento da
economia que reinava há até dois anos não é seu problema.
Estamos, sugiro, diante de uma
real crise do arranjo institucional que dominou o País, aquilo que André Singer
chamou de Lulismo, e entramos na era do que o filósofo e politólogo Marcos
Nobre muito bem pontua como sendo o peemedebismo: as alianças empreendidas pelo
PT com o PMDB para garantir governabilidade acabaram, no fim, por minar alguns
dos pontos centrais da política do partido, como demonstra a atual situação no
Senado e na Câmara dos Deputados.
*Fábio Zuker –
Sociólogo.
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