FICHAS SUJAS ENCONTRAM BRECHAS NA LEI.
Discordâncias na justiça eleitoral e lentidão
para julgar os processos têm facilitado a vida de políticos condenados.
Sancionada há quatro anos, a Lei
da Ficha Limpa está sendo aplicada pela primeira vez em eleições gerais, na
disputa para cargos de deputado, senador, governador e presidente da República.
Apesar de ter barrado mais de 1.200 candidatos no pleito de 2012, a legislação
enfrenta dificuldades de aplicabilidade por conta de divergências na própria
Justiça Eleitoral e morosidade no julgamento de processos, fazendo com que
fichas sujas consigam driblar condenações e continuar no exercício dos
mandatos.
Existe uma divergência de
interpretação sobre o julgamento das Contas de Gestão dos chefes do Executivo -
prefeitos, governadores e presidente da República. Esses processos são aqueles
em que o gestor atua como ordenador direto da despesa da administração,
diferentemente das Contas de Governo.
O entendimento do Tribunal
Regional Eleitoral do Ceará (TRE) é que os tribunais de contas têm competência
para desaprovar as Contas de Gestão dos chefes do Executivo, enquanto o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) avalia que a apreciação desses processos cabe
exclusivamente ao Legislativo - câmaras municipais, assembleias legislativas e
Congresso Nacional. Hoje o Legislativo já é competente por julgar as Contas de
Governo.
O Supremo Tribunal Federal (STF)
já se manifestou, através de algumas reclamações que chegam à Corte, no sentido
de absorver gestores que tenham contas desaprovadas pelos tribunais de contas.
Para integrantes do Ministério Público e de outros órgãos de fiscalização, a
medida fragiliza a aplicação da Ficha Limpa e aumenta a sensação de impunidade
entre os gestores.
"Isso é um ponto que
preocupa, porque ficaríamos sem instrumentos de reaver recursos, já que as
câmaras municipais não são competentes para se debruçar sobre a aplicação de
recursos federais", declara a auditora federal do Tribunal de Contas da
União (TCU) Luciene Pereira.
Decisões
Recentemente, o ministro Gilmar
Mendes, do Supremo Tribunal, cassou decisões do Tribunal de Contas dos
Municípios do Ceará (TCM) que julgavam irregulares contas dos ex-prefeitos de
Ibicuitinga, o suplente de deputado federal Eugenio Rabelo; e de Antonina do
Norte, o deputado estadual Sineval Roque. A justificativa é que a
responsabilidade caberia à câmara municipal. Nesta semana, o TRE indeferiu o
pedido de registro de candidatura de Sineval Roque.
A auditora Lucieni Pereira frisa
que a maioria dos chefes de Executivo que atua como ordenador de despesa -
equiparado a secretário de gestão - está concentrada nos municípios. "O
prefeito quer mudar tudo (na gestão) e quer o talão de cheques na conta
dele". E completa: "Câmaras, assembleias e Congresso não têm quadro
de auditores. O papel deles é outro". Ela aponta ser necessário reformular
a estrutura dos tribunais de contas.
Um dos idealizadores da Lei da
Ficha Limpa, o juiz Márlon Reis, que atua no Maranhão, avalia que a fragilidade
jurídica da legislação é restrita ao entendimento sobre os julgamentos da conta
de gestão. "Isso só existe em relação às contas públicas, mas não está na
lei e sim na interpretação sobre os tribunais de contas", ressalta.
O magistrado faz um balanço
positivo da aplicação da Ficha Limpa. "Na eleição passada, tivemos uma
bela aplicação, com 1.200 pessoas barradas. Tem sido impactante. Sou procurado
por assessores de prefeituras que revelam que há mudança de atitude para evitar
a inclusão do gestor na Ficha Limpa", frisa.
Outro fator dificulta a aplicabilidade
da lei: a morosidade da tramitação dos processos. No Ceará, o deputado
Carlomano Marques (PMDB) teve o mandato cassado pelo TRE, em dezembro de 2012,
por compra de votos nas eleições de 2010. De lá para cá, o parlamentar se
sustenta no cargo por uma liminar do Tribunal Superior Eleitoral que suspende a
decisão até que o pleno daquela Corte julgue o recurso do peemedebista.
O Ministério Público Eleitoral
pediu a impugnação do registro de candidatura de Carlomano nestas eleições, mas
o TRE deferiu o pedido do parlamentar, que poderá concorrer normalmente. O
procurador regional eleitoral do Ceará, Rômulo Conrado, acredita que a lentidão
no julgamento dos processos favorece os fichas sujas. "Fragiliza porque no
caso dele (Carlomano) a lei exige que, quando há liminar para suspender uma
condenação, esse processo seja julgado com prioridade em relação a todos os
outros", alerta.
Indeferidos
Rômulo Conrado discorda do
posicionamento do TSE de deferir candidaturas de ex-gestores que tiveram contas
de gestão desaprovadas pelos tribunais de contas. Ele prevê que muitos
candidatos eleitos deverão começar o mandato sub judice, já que terão os registros
de candidatura indeferidos no TRE e recorrerão ao Tribunal Superior, em
Brasília, para reverter a decisão local.
De acordo com o procurador, o
Ministério Público fez um levantamento minucioso dos potenciais candidatos com
fichas sujas. "Muitos transferiram seus votos para outros candidatos em
acordos políticos ou lançaram candidaturas de parentes", relata.
"Houve menos candidaturas e a gente acredita que isso se deve à
decorrência da Lei da Ficha Limpa", completa.
Pressão
popular
A Lei Complementar 135, a Lei da
Ficha Limpa, foi sancionada em junho de 2010, após pressão popular que reuniu
mais de dois milhões de assinaturas em favor do projeto
Moralidade
A legislação barra candidatos com
condenações por órgãos colegiados ou sem mais direito a recorrer da sentença.
Mesmo condenados, muitos conseguem concorrer nas eleições amparados por
recursos judiciais. Outros indicam familiares para disputar em seu lugar
Impugnações
O Tribunal Regional Eleitoral do
Ceará (TRE) recebeu nestas eleições 28 pedidos de impugnações de registros de
candidaturas com supostas irregularidades.
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