É preciso romper paradigmas para combater corrupção, alerta filósofo.
O
filósofo João Ricardo Moderno, presidente da Academia Brasileira de Filosofia e
professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), lembra
sobre o caráter da corrupção no Brasil, prática quase inerente à cultura
brasileira. “É um fenômeno cultural, não meramente econômico e financeiro nem
político, mas cultural". A reflexão surge em meio ao escândalo de desvio
de recursos de uma instituição de prestígio, com credibilidade, que recebe
contribuições voluntárias em nome de campanhas humanitárias, a Cruz Vermelha no
Brasil.
Desvios
milionários de recursos da Cruz Vermelha no Brasil vieram à tona em 2012. Em
resposta às denúncias, a instituição, como explica em seu site, “deu o exemplo
e teve coragem de cortar a própria carne". Encomendou uma auditoria
internacional e independente para "passar um pente fino" nas filiais
e nas próprias contas. O resultado foi divulgado nesta semana. O trabalho
conduzido pela inglesa Moore Stephens demonstrou que, no total, foram R$ 25
milhões em gastos sem comprovação e movimentações suspeitas, de recursos
públicos e doações que deveriam ter sido empregados entre 2010 e 2012.
Romper
com práticas culturais, no entanto, não é uma tarefa fácil. "Para combater
a corrupção é preciso combater na parte objetiva, mas também fazer uma campanha
moral, de ruptura de paradigma. Para isso é necessário um esforço cultural e
filosófico no sentido de dar mais condições espirituais de resistência, uma
moralidade mais bem construída socialmente, para que a pessoa possa resistir”,
sugere o filósofo.
Moderno
explica que a corrupção tem a ver com a moral e a ética e ele acredita que o
homem não é um ser imoral por natureza. “A corrupção é uma tentação, até na
religião a gente estuda isso. Há uma tendência natural do homem para o que, na
religião, chamamos de pecado, na parte política e social podemos ver como
corrupção. A corrupção é um pecado, no plano ético, político, cultural. Ao
mesmo tempo que todo pecado é uma corrupção. Agora, o que se diz é que o ser
humano é um ser moral por natureza, mas que tende para a transgressão da
moralidade”, comenta.
Assim, a
sociedade implica nas regras, que podem “controlar” essa transgressão. “Essa
tendência para o mal, para a corrupção, pode ser freada de fora para dentro e
de dentro para fora. É uma dialética da corrupção, um verdadeiro combate. De
fora para dentro, temos as instituições, regras, leis e que você tem que
seguir. E de dentro para fora a questão de aceitar as leis, dar uma resposta
civilizada à sociedade”, completa.
Para ele,
desviar dinheiro de pessoas que estão em necessidade, demonstra uma “crise de
bondade”. "É inominável, nada muito diferente do bandido que mata uma
criança, alguém indefeso. Há uma crise da bondade, dos valores dos sentimentos”,
completa. Para ele, a sociedade brasileira debocha da moral, tratando como algo
engessado e retrógrado, e até mesmo embutindo viés político.
“Vemos um
deboche da questão moral. ‘Isso é moralismo’, ‘você quer dar lição de moral’.
Essas expressões tão comuns são termos são pejorativos, algo ridicularizado por
aqueles que acham que tudo tem que continuar do jeito que está. Uma das coisas
que eu lembro é que muitos intelectuais eram contra que as escolas tivessem
aula de ética moral e cívica. Achavam que era ridículo. Mas vejo como
necessário a transmissão de valores e princípios, pela filosofia, religião e
pedagogia”, conclui.
“Há
comprovações de irregularidades e considera-se que alguns desses casos podem
ser delitos, enquanto outros se configuram como faltas administrativas, menos
graves, mas não menos passíveis de punição”, afirma a entidade. Entre as
deficiências e irregularidades identificadas pela consultoria estão a falta de
controle interno e a ausência de documentos.
Segundo a
assessoria da Cruz Vermelha brasileira, os desvios estão concentrados quase que
exclusivamente nas filiais do Maranhão, Petrópolis e Ceará. A instituição
afirma que está distribuindo os resultados da auditoria tanto no Ministério
Público quanto no Ministério da Justiça.
Os
desvios constatados pela auditoria envolvem as três campanhas nacionais de
arrecadação que aconteceram em 2011, para vítimas dos deslizamentos na Região
Serrana do Rio de Janeiro, após as chuvas, para ajudar os atingidos pela guerra
civil na Somália e terremotos no Japão. Foram recolhidos R$ 212 mil para as
campanhas da Somália e Japão e R$ 1,6 milhão para a tragédia fluminense. A mãe
do vice-presidente da Cruz Vermelha Nacional na época, Anderson Marcelo
Choucino, tinha uma ONG que recebeu as doações. As primeiras informações sobre
desvio de verbas vieram quando a funcionária Letícia Del Ciampo assumiu o
escritório de Petrópolis da entidade e fez denúncias ao Ministério Público
(MP). Tanto Chouchino quanto o presidente nacional da instituição à época,
Walmir Serra Júnior, foram afastados. Outras irregularidades também foram
apuradas.
Hoje em
dia, a Cruz Vermelha Brasileira é presidida por Rosely Sampaio. Segundo a
assessoria, a direção pedirá punição aos gestores envolvido com os desvios. A
Cruz Vermelha também estuda medidas judiciais que visem reparação pelos danos
causados à imagem da instituição perante a opinião pública.
Além de
apontar o suposto desvio financeiro, a consultoria contratada apresentou um
plano de recuperação das contas da entidade – que confirmou que vai colocar em
prática todas as recomendações do relatório. A Federação Internacional da Cruz
Vermelha e do Crescente Vermelho (FICV), à qual a organização brasileira é
filiada, determinou que uma comissão especial acompanhe a implementação das
recomendações.
Corrupção: uma doença que contamina a
sociedade, cada vez mais descrente.
Outras
entidades filantrópicas enfrentam a questão da corrupção. Em agosto do ano
passado, o provedor da Santa Casa do Rio, o advogado Dahas Chade Zarur, foi
afastado do cargo pela Justiça, e está sendo investigado pelo Ministério
Público por desvio de verbas.
* Com informações da 'Agência Brasil'.
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