DEZ ANOS DEPOIS, UM
LIVRO QUE DESNUDA O ‘MENSALÃO’
Obra do advogado João Francisco Haas "revisita em
minúcias todo o processo e expõe as verdades, inverdades e meias-verdades
distorcidas que proporcionaram ao país 'o maior escândalo de todos os tempos'",
descreve Tereza Cruvinel; segundo ela, 'O verdadeiro processo do mensalão'
"dedica maior esforço a desconstruir, com bases em documentos, o pilar
central da acusação de Joaquim Barbosa, o de que foram desviados R$ 78,3
milhões do Banco do Brasil para uma agência de Marcos Valério, a DNA, para
financiar o pagamento de mensalões a deputados"; a tese foi resumida aos
ministros do STF por Barbosa, relator do caso, "como sendo apenas uma
grosseira transferência de recursos públicos sem contrapartida para financiar a
corrupção de deputados"; jornalista volta a dizer, dez anos depois da
denúncia, que o mensalão "fez mal, muito mal" ao País.
Na passagem dos dez anos do estouro da denúncia que
resultou no escândalo do mensalão, um livro revisita em minúcias todo o
processo e expõe as verdades, inverdades e meias-verdades distorcidas que
proporcionaram ao país "o maior escândalo de todos os tempos". Trata-se
de "O verdadeiro processo do mensalão", do advogado João Francisco
Haas, que a editora Verbena está lançando. A Verbena, dirigida pelo sociólogo
Benicio Schmidt, é uma editora que, como ele diz, "defende o direito das
pessoas de terem direito à defesa"
O escândalo que partiu a história política brasileira
recente não terminou com a condenação dos réus da Ação Penal 470, nem terminará
com a extinção das penas. Este é um processo que continua que se desdobra em
outros escândalos e se vincula a um processo novo nas democracias, o de
criminalizar as forças políticas indesejadas, ao invés de removê-las por atos
de força, como no passado, no tempo dos golpes de estado à base de tanques. Na
base de sua construção está a violação do princípio da presunção da inocência,
que dá lugar à condenação prévia, ao convencimento da opinião pública antes da
manifestação dos juízes.
Em seu prefácio ao livro, a professora Maria Luzia
Quaresma Tonelli (doutora em filosofia pela USP com pesquisa sobre
Judicialização da Política e Soberania Popular) resume o impacto do mensalão
sobre os nossos dias e os que virão. "Vigora no país, desde a denúncia do
"mensalão", o princípio da presunção da culpa, nunca aplicado aos
partidos de oposição ao PT. Mesmo que na CPMI dos Correios o ex-tesoureiro do
PT, Delúbio Soares, tivesse admitido que o pagamento aos políticos dos partidos
que formaram a coligação para eleger Lula era dinheiro de campanha não
contabilizado, ou seja, o conhecido caixa-dois, que configura infração mas não
é crime, vigorou para sempre a tese do "mensalão" como pagamento
mensal aos políticos da base aliada através de desvio de dinheiro
público".
Sem nunca ter conseguido oferecer sua própria
narrativa do mensalão, que implicaria reconhecer erros mas demonstrando que
foram outros, e não os que fundamentaram a acusação, o PT segue como alvo da
cruzada moralista, que agora não se volta mais contra seus dirigentes, mas
contra o partido. A palavra de ordem dos protestos recentes foi "fora
PT". Não só para o partido mas para todos que têm compromisso com a
verdade e enxergam a sofisticada cultura da criminalização política que
vivemos, são importantes os esforços de João Francisco Haas para contrapor-se à
narrativa predominante. Ainda que apenas no futuro elas venham a fazer sentido.
Seu livro trata de desmistificar, com argumentos e
provas, os principais postulados da denúncia do Ministério Público acolhida
pelo STF e que fundamentaram a narrativa dominante: a de que para garantir a
maioria parlamentar o governo do PT comprou deputados com dinheiro desviado dos
cofres públicos.
Dedica maior esforço a desconstruir, com bases em
documentos, alguns talvez nunca examinados pelos ministros entre os mais de 250
mil que compuseram o processo da ação penal 470 – o pilar central da acusação
de Joaquim Barbosa, o de que foram desviados 78,3 milhões do Banco do Brasil
para uma agência de Marcos Valério, a DNA, para financiar o pagamento de
mensalões a deputados. Demonstra exaustivamente que os recursos, para começar,
eram privados. Pertencia ao fundo Visanet e era destinada aos bancos para
financia a publicidade de seus cartões de bandeira Visa. Com sua cota, o Banco
do Brasil contratou tais serviços à agência DNA, de Marcos Valério.
Haas reúne
uma coleção de provas de serviços executados, algumas já apresentadas, também
em vão, pela revista Retrato do Brasil. A lista dos 99 prestadores de serviço é
encabeçada pela TV Globo, que recebeu 3,39 milhões de reais, seguida de outros
fornecedores. É preciso acompanhar toda a exaustiva demonstração do autor para
compreender os detalhes da intrincada narrativa que Barbosa, como relator,
resumiu para os ministros do STF como sendo apenas uma grosseira transferência
de recursos sem contrapartida para financiar a corrupção de deputados.
Diz o autor: "mais uma vez é aqui provado que o
valor de R$ 73.851.356,18 foi devidamente usado em pagamentos de promoções dos
cartões Ourocard Visa e, portanto, não foi desviado. No entanto, os ministros
condenaram os réus a vários anos de prisão, cumulados com elevadas multas, por
um crime que não existiu. Por outro lado, não existe lei que comine de ilícito
penal antecipações ou adiantamentos de valores, mormente quando provado que os
serviços foram prestados!". Sim, porque houve antecipações de grande
vulto, certamente para fazer face às demandas financeiras que eram feitas a
Marcos Valério, a quem de certa forma Delúbio terceirizou a tesouraria do PT.
Importante porém era verificar se houve ou não execução de serviços. Como diz
Haas, pagar adiantado não é crime.
Com a mesma pertinácia apurativa, Hass revisita o caso
do Bônus de Volume, ou BVK recursos de R$ 2,9 milhões que emissoras de
televisão devolveram à agência DNA. Entenderam os ministros que estes recursos
também foram criminosamente apropriados pelas agências de Valério. Todo o mundo
publicitário sabe que o famoso BV é uma bonificação das emissoras à agência de
publicidade mas os ministros não se deram ao trabalho de investigar isso. Haas
aponta quatro documentos fundamentais para a demonstração que nunca foram
examinados pelo STF.
Exaure também a questão dos empréstimos do Banco
Rural, para demonstrar que existiram e até foram pagos pelo PT. E como
advogado, ataca as falhas propriamente jurídicas, como a negação do duplo grau
de jurisdição aos que não tinham direito ao foro privilegiado, mas foram
julgados pelo STF. Depois do mensalão, entretanto, como agora mesmo na Lava
Jato, quem não tem direito a foro privilegiado (cargos públicos e eletivos)
está sendo julgado pela justiça comum. Como os empreiteiros, que estão na Lava
Jato como os dirigentes do Banco Rural e das agências de publicidade para o
mensalão. Ou os réus do mensalão tucano, nunca julgado até hoje.
O mensalão passou e hoje há quem diga que fez bem ao
pais. Fez mal, muito mal, porque enfraqueceu a crença na democracia
representativa e inaugurou a era da presunção da culpa e fortaleceu a tática da
criação do inimigo interno. Este é o caminho contemporâneo para justificar
exceções dentro da democracia. Como exceções? Como a do julgamento da ação penal
470. Algumas garantias são feridas com a justificativa de que é preciso
combater o inimigo interno, como ensina o jurista Pedro Serrano, com seus
estudos sobre os estados de exceção dentro dos estados democráticos de direito.
Trata-se de uma construção muito sofisticada para ser alcançada pelo senso
comum. Por isso talvez sejam inglórios, no presente, esforços como o de João
Francisco Haas. Mas eles farão sentido para a escritura da História, que não é
um carro alegre, pelo contrário, mas depois dos sacolejos, costuma colocar as
abóboras no devido lugar.
Todos que já têm convicção firmada sobre o mensalão
devem lê-lo sem preconceito. Modificando ou não seus pontos de vista ganharão
mais informações. Quem tem dúvidas, mais razões têm para conhecer este trabalho,
escrito certamente só por apreço à verdade, pois esta não é uma matéria que
garante sucesso de livraria e de venda.
Fonte: Agência Brasil.
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