BRASÍLIA - Depois de mais de três
anos de discussão no Legislativo, a Câmara aprovou na noite de ontem o projeto
do Marco Civil da Internet. Por acordo entre os partidos governistas e de
oposição, foram mantidos dispositivos que preveem a chamada neutralidade da
rede e que desobrigam as grandes multinacionais da internet de manterem data
centers no Brasil. O texto agora segue para o Senado, com urgência
constitucional, ou seja, em 45 dias passa a trancar a pauta se não for votado.
O objetivo da presidente Dilma Rousseff é apresentar a nova lei, já sancionada,
no encontro internacional sobre governança da internet que ocorrerá no fim de
abril, em São Paulo. O relator, Alessandro Molon, nega que as alterações feitas
tenham prejudicado o teor final do Marco Civil.
— Não há no projeto nenhum recuo
em relação aos pontos iniciais do governo. Houve só avanços e vitórias da
sociedade brasileira. A neutralidade da rede, a liberdade de expressão e a
privacidade do usuário estão integralmente preservadas. O governo federal sai
daqui com um gol de placa — festejou Molon.
Mudança sobre data centers facilita acordo
Após atravessar no início do mês
um grave crise política na base aliada, o governo atuou fortemente nas últimas semanas
para garantir a aprovação da matéria que havia sido apresentada em 2011.
Deputados aliados dizem que, entre quinta e sexta-feira, houve liberação de
emendas parlamentares e acertos de nomeações de indicados em cargos da máquina
federal. Mas o acordo começou a ser costurado de fato há duas semanas com a
retirada da regra que obrigava a instalação dos data centers em solo nacional.
Essa era a principal resposta da presidente Dilma Rousseff à espionagem
americana sobre o governo brasileiro revelada pelo GLOBO, mas a ampla maioria
dos deputados da base e da oposição eram contrários à proposta, que implicaria
em um elevado gasto para empresas como Google e Facebook.
No caso dos data centers, o
governo cedeu acordando que os dados podem ser armazenados no exterior, mas fez
questão de marcar posição, obrigando essas empresas a “obedecer a legislação
brasileira”. A preocupação central é que os provedores de conteúdo não possam
se negar a colaborar com a Justiça brasileira, alegando que os dados são de
responsabilidade de sua matriz.
Outro ponto que envolvia grandes
interesses corporativos era o que tratava da neutralidade da rede. As grandes
empresas de telefonia eram contra a proposta, alegando que ela inviabilizava a
criação de pacotes alternativos de internet. Nesse aspecto, no entanto, o
relator não abriu mão e a neutralidade foi mantida. Como o maior partido aliado
do governo, o PMDB, era inicialmente contra a proposta, o ministro da Justiça,
José Eduardo Cardozo negociou um acordo na semana passada e aceitou uma emenda
do líder peemedebista Eduardo Cunha que pouco alterava o conteúdo, mas
viabilizava a manutenção do espírito do texto.
Originalmente, o texto previa que
os únicos casos em que a neutralidade não seria seguida ficariam definidos por
decreto presidencial. Tanto Cunha quanto a oposição alardeavam que isso
permitiria à presidente alterar a regra a seu bel-prazer. Assim, a nova redação
determinou que essas exceções sejam feitas de acordo com o artigo 84, inciso IV
da Constituição, definindo que essa regulamentação só ocorrerá para “fiel
cumprimento da lei”. Pelo novo texto, tanto a Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel) quanto o Comitê Gestor da Internet (CGI) precisam ser
ouvidos para a definição desses casos. Na prática, o ministro da Justiça
considera que isso não alterou o conteúdo da neutralidade da rede.
Desde a tarde de ontem o
presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (RN), já tinha segurança
de que o texto seria aprovado. Durante a votação, Alves comemorou o fato de a
votação ter ocorrido quase por unanimidade.
— Essa Casa não é do
enfrentamento, tanto que discutiu este tema à exaustão. Provamos que pelo
convencimento esta Casa tem o seu melhor desempenho — disse Alves.
O PPS foi o único partido a
encaminhar contra o Marco Civil.
O líder do partido na Casa, Rubens Bueno,
criticou exatamente o formato final do texto sobre a neutralidade:
— Hoje, estamos com neutralidade
absoluta e estamos deixando nas mãos da presidente — disse o líder do PPS,
deputado Rubens Bueno (PR), vaiado pelas galerias.
“Blocão” apoia o governo
No início da tarde, o chamado
“blocão”, que reúne quatro partidos da base aliada e que se mantinha contra a
proposta, se reuniu e fechou apoio ao texto acordado com o governo. O
entendimento foi de o PMDB retirar todos os destaques que havia apresentado ao
parecer de Molon. O líder Eduardo Cunha ajudou a fechar o texto e acertou com
os partidos do blocão o apoio ao parecer. Como porta-voz do grupo, o líder do
PSC, André Moura (SE), disse que o governo havia recuado em relação à
neutralidade e aos data centers e que, por isso, votariam a favor.
— Fechamos acordo em relação a
todo o Marco Civil, depois que houve recuo do governo no caso dos data centers
e do decreto (no caso da neutralidade). O governo recuou e atendeu nossos
pleitos — disse o líder André Moura.
Mais tarde, Eduardo Cunha reuniu
sua bancada e unificou o discurso a favor do projeto. Na véspera, Cunha já
tinha apostado na aprovação, mas politicamente precisava tornar sua posição
oficial dentro da bancada. Até poucas horas antes do início da votação, o PMDB
e parte da oposição avisaram que iriam tentar derrubar o artigo 20 na votação
do projeto — que prevê que o provedor só será processado civilmente por danos
decorrentes do conteúdo publicado depois de ordem judicial neste sentido.
O líder Eduardo Cunha queria que
o provedor fosse responsabilizado a partir da notificação judicial, alegando
que este direito já está previsto no Código Civil. Mas após o chamado “blocão”
e a oposição se dividirem, a decisão foi pela manutenção do texto original. O
líder do DEM, deputado Mendonça Filho (PE), disse que apoiava o texto do
governo sobre o artigo 20.
— Concordamos em votar o texto,
porque o governo retirou a palavra decreto e estreitou o espaço para a
presidente atuar, tendo que ouvir o Comitê Gestor e a Agência Nacional de
Telecomunicações. E somos a favor do texto do governo sobre artigo 20 — disse
Mendonça Filho.
Fonte: Agência O Globo.
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