sábado, 22 de março de 2014

COMENTÁRIO - SALES MATOS

COMENTÁRIO
Sales Matos.

A CIDADE (I)LEGAL.

  
Certa feita um Presidente do nosso Egrégio TJ lançou dentre as ações prioritárias de sua gestão a execução de um amplo processo de “regularização fundiária”. Procurei-o logo nos primeiros dias de seu deslumbre presidencial para uma visita protocolar, objetivando estreitar laços institucionais do TJ com a Procuradoria Geral do Estado. E aí aproveitei o ensejo para alertá-lo de que a sua maravilhosa idéia-promessa de promover uma ampla “regularização fundiária” em território natalense, estava mais para sonho do que para realidade. E expliquei: primeiro, ele (Presidente) não era Poder Executivo, portanto não havia como contar com adequação orçamentária para tal; segundo, haveria de contar com profissionais com expertise na matéria, em todos os âmbitos, mormente no da regularização fundiária de interesse social, o que não me parecia não ser fácil encontrar em nosso Estado; terceiro, no plano procedimental a regulamentação jurídica era (e continua sendo) extremamente precária e complexa, para executar uma regularização fundiária plena; quarto, os cartórios de registro de imóveis não operariam com velocidade compatível expedindo certidões e muito menos procederiam ao registro dos títulos emitidos gratuitamente. Moral da história: a proposta do então Presidente do TJ não saiu do papel, mesmo porque pelo que me consta sequer entrou! Na verdade, o fato é que uma cidade belíssima como Natal não merece conviver com o espectro dos assentamentos irregulares beirando os 70% de sua ocupação fundiária. Mas, fazer o quê se essa é a realidade de todas as cidades brasileiras com mais de 500 mil habitantes? Para se ter uma idéia dessa realidade uma estimativa do Ministério das Cidades do ano de 2007 já apontava que mais de 12 milhões de habitações no Brasil se encontravam nessas condições. E de lá para cá o quadro só piorou. Como registrado em publicação da Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades “ausentes dos mapas e cadastros de prefeituras e concessionárias de serviços públicos, inexistentes nos registros de propriedade nos cartórios, esses assentamentos irregulares têm uma inserção no mínimo ambígua nas cidades onde se localizam.” Essa realidade obsta o acesso dos cidadãos mais pobres às oportunidades econômicas e de desenvolvimento humano que as cidades oferecem. Além disto, há uma retroalimentação das relações políticas imperando a troca de favores e manutenção de clientelas, limitando o pleno desenvolvimento de uma democracia verdadeiramente includente, sem se falar na insustentabilidade ambiental naturalmente decorrente. Não poderia, por fim, deixar de observar neste espaço acerca de estudos que orientaram as políticas públicas do Ministério das Cidades. Esses estudos concluíram que “um projeto de desenvolvimento do país, pautado pela inclusão social e ampliação da cidadania, não pode prescindir da tarefa de questionar fortemente esse modelo (status quo), em todas as escalas territoriais, e, mais ainda, propor alternativas”. Mas, enfim, voltando a Natal, apenas a título de ilustração para retratar a realidade do país, colhemos a situação da Zona Norte onde os próprios conjuntos habitacionais construídos pelo governo estadual nunca foram regularizados. Pior ainda são os terrenos de domínio público ou privado, invadidos, loteados e parcelados clandestinamente. Não é muito diferente o que ocorre no bairro de Nova Descoberta, que surgiu de invasões ainda na década de 1950, em terras conhecidas como sendo de propriedade da “viúva Machado”. Nesse esteio seguem os bairros de Mãe Luiza, Brasília Teimosa, Rocas, Quintas, Alecrim, Nazaré, Dix-Sept Rosado, Lagoa Seca, Cidade Nova e Planalto, apenas para exemplificar. Enfim, campeia na estrutura fundiária natalense (como sói acontecer no Brasil inteiro) um regime de posses natural e informal, justas ou injustas, de boa-fé ou de má-fé, sustentadas por meras escrituras particulares, de nenhuma eficácia real. É a cidade ilegal, cuja legalidade carece de políticas públicas efetivas, não sendo suficiente para tal os bons sonhos de um visionário.

*Dr. Francisco de Sales Matos - novarrussense – advogado – professor UFRN. – residente em Natal – RN - EX-PROCURADOR GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE.


(matéria publicada no Jornal Tribuna do Norte – Natal RN)

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