DIÁRIO DO NORDESTE.
COLUNA
Ideias
21.03.2014
DOIS
DESTINOS
Ricardo e Zé, nordestinos,
resolveram morar em São Paulo. O primeiro foi ocupar um cargo na diretoria de
uma sólida e grande empresa. Zé, semianalfabeto, viajou com a coragem e a cara,
além da mulher e um filho de três anos, na esperança de conseguir trabalho. Na
cidade grande, Ricardo, executivo importante, analisava e discutia diariamente
os agregados econômicos do País, as taxas de juros, de câmbio, o
"spread" bancário, enfim o comportamento dos indicadores com vistas à
obtenção de lucros crescentes. Morava num bairro nobre da Capital. Possuía
belos automóveis, lanchas, haras, aeronaves e frequentemente viajava ao
exterior, a negócios ou fazer turismo. Seu padrão de vida era muito elevado;
não sei se o nível de felicidade também o era. Por sua vez, Zé conseguiu, por
acaso, uma colocação de auxiliar de portaria no condomínio habitado pelo Dr
Ricardo. O pobre zelador ficou muito feliz. Recolhia o lixo, cuidava do jardim,
vigiava os portões e ganhava o salário mínimo, com a promessa de ter a carteira
assinada. Zé, infelizmente, não conseguiu estudar.
Foi vítima, como muitos, das
injustiças da sociedade. Passava os dias servindo aos moradores do rico
condomínio paulistano e as noites, com a mulher e o filho na favela Jardim
Ângela, dormindo num barraco coberto por papelão e feito de madeira usada. O
mais triste aconteceu: numa noite que Ricardo recepcionava a "high
society", o filho de Zé, subnutrido, com pneumonia, faleceu na fila do
SUS. Pobre Zé, vítima também da perversa distribuição de renda. Segundo Santo Agostinho:
"O supérfluo dos ricos é o necessário dos pobres".
Gonzaga Mota
Professor e escritor
Ex-governador do Estado do Ceará.
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