SÉRGIO MORO - "NEM TÁ AÍ PARA OS CORRUPTOS" |
MORO APLAUDE E LENIO LAMENTA: VEJA REPERCUSSÃO SOBRE DECISÃO DO SUPREMO.
A corte tinha estabelecido, em um
Habeas Corpus, ser possível prender antes de o caso chegar ao fim.
A discussão
sobre permitir o cumprimento de pena antes do trânsito em julgado do processo é
tão polêmica que o Supremo Tribunal Federal teve de se debruçar sobre ela duas
vezes no mesmo ano.
Em fevereiro a
corte tinha estabelecido, em um Habeas Corpus, ser possível prender antes do
caso chegar ao fim. Agora, nesta quarta-feira (5/10), manteve o entendimento,
em Ações Declaratórias de Constitucionalidade. A decisão foi alvo de duras
críticas e, ao mesmo tempo, de aplausos.
O juiz Sergio Moro, que atua na famigerada
operação “lava jato”, e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) já
haviam defendido o novo entendimento. Moro afirma que o STF decidiu que o
Brasil não é "uma sociedade de castas". Para ele, esperar o trânsito
em julgado beneficia apenas os poderosos, que têm advogados para recorrer.
Já para o
jurista Lenio Streck, o STF fez política em vez de Direito. O diretor da
Faculdade de Direito da USP e advogado José Rogério Cruz e Tucci afirma que a
decisão foi tomada com base em argumentos relevantes, mas que apenas o
Legislativo teria poder para mudar o que está escrito na Constituição. Outros foram mais longe: "Barbárie
cometida com inspiração fascista", disse o advogado e professor Salah
Hassan Khaled Júnior.
Comentários de operadores do Direito sobre a
decisão:
Sergio Moro, juiz federal da 13ª Vara Federal
de Curitiba
“Com o
julgamento, o Supremo, com respeito à minoria vencida, decidiu que não somos
uma sociedade de castas. E que mesmo crimes cometidos por poderosos encontrarão
uma resposta na Justiça criminal. O fato é que um sistema de justiça que não
chega ao fim, num caso criminal, em período razoável, é um privilégio de
impunidade daqueles que se podem servir deste sistema de justiça, que normalmente
são os poderosos”.
Lenio Streck,
jurista, colunista do Conjur e um dos subscritores da ADC 44.
A maioria de
seis votos fez política jurídica. Não fez Direito. O STF agiu como poder
constituinte. Foram pronunciamentos morais sobre como deve ser o direito penal.
Mas isso não compete ao STF. Interessante foi a tese da interpretação conforme
a Constituição do artigo 283. Só que foi proposta uma interpretação para
colocar o artigo 283 contra e não conforme a Constituição. Uma jaboticaba.
Criamos uma Auslegung gegen die Verfassung (interpretação contra a CF)? Agora o
STF está numa sinuca: face aos efeitos cruzados de ADC e ADI (artigo 28 da Lei
9.828), o STF terá que dizer que o artigo 283 é inconstitucional. Mas nenhum
dos Ministros disse que o artigo 283 era inconstitucional. Ademais, estão
erradas as manchetes que dizem que a decisão vincula. Cautelar indeferida de
ADC não vincula.
José Rogério
Cruz e Tucci, advogado e diretor da Faculdade de Direito da USP.
Sempre entendi,
a respeito desta importante questão, que o excessivo número de recursos e a
consequente demora para se atingir o trânsito em julgado, não é justificativa
suficiente para a precoce segregação do réu. A liberdade física e jurídica do
indivíduo não pode se sujeitar ao imperativo da duração razoável do processo.
Ora, se a questão é atender à exigência ou clamor da sociedade, ou se altera a
legislação processual, modificando o conceito de trânsito em julgado (por
exemplo: o trânsito é alcançado com o julgamento do recurso extraordinário ou
do recurso especial, dependendo da matéria invocada), ou se altera a própria
Constituição Federal, estabelecendo-se que a presunção de inocência perdura até
haver duas decisões conformes (é o princípio da "dupla conforme",
existente em alguns países). A decisão por maioria proferida pelo pleno do STF
desponta arbitrária, porque, embora lastreada em argumentos relevantes, ofendem
o princípio da presunção de inocência, tal como desenhado na Constituição
Federal.
Marcelo Semer,
juiz de 2º grau da 10ª Câmara de Direito Público.
O ministro
Barroso costumava dizer que o julgamento do mensalão foi um "ponto fora da
curva" no STF. Na verdade, foi o início da curva. O julgamento de ontem
foi o final. A submissão à opinião pública e ao falso "combate à impunidade",
pervertem a função primordial do STF que é a de ser guardião da Constituição e
fulmina o papel contramajoritário.
A bem da
verdade, nenhuma novidade, no momento em que "medidas excepcionais",
que vulneram direitos, estão sendo justificadas, pela "excepcionalidade"
das circunstâncias. O STF sempre teve como função garantir os princípios e, no
caso, a regra constitucional. Está optando pela exceção.
Márcio Adriano
Anselmo, delegado da Polícia Federal
Foi uma decisão
acertada pelo STF. Considerar a prisão após o julgamento em segunda instância é
compatível com a Corte Europeia de Direitos Humanos. Não há qualquer relação
entre a decisão e o encarceramento de presos com menor poder aquisitivo, uma
vez que estes, em sua maioria, permanecem presos desde antes do início da ação
penal, exatamente por não dispor de recursos para amparar defesas, em sua
maioria protelatórias e destinadas exclusivamente a caminhar com processos à
prescrição. Este sim é um problema a ser enfrentado! A existência de recursos protelatórios
hoje é notória, sobretudo nos crimes econômicos, cujos dados empíricos apontam
quantum mínimo de processos com trânsito em julgado. O que se espera, a partir
de agora, é que o STF e os demais tribunais sigam a decisão, quer certamente surtirá um efeito didático
muito importante nos casos de crimes econômicos, que tem longa tradição de
impunidade no Brasil.
Leonardo
Marcondes Machado, delegado da Polícia Civil (SC).
O estado de
inocência garantia liberal oitocentista, tem sofrido ataques ao longo dos
séculos. Da criminologia positivista italiana à escola técnico-jurídica de
Manzini e Rocco. Mas não só. Agora foi a vez do Supremo Tribunal Federal
brasileiro. O que ocorreu, no julgamento de ontem, foi uma completa violação à
presunção de inocência, núcleo estruturante do devido processo penal. Falar em
'relativização' ou “flexibilização” não passa de cinismo lingüístico
descomprometido com os princípios republicanos.
Nós, professores de direito processual penal e criminologia, precisamos
assumir a nossa parcela de culpa em face desse cenário jurídico autoritário com
chancela da suprema corte. Falhamos! Não fomos capazes de assegurar algo
básico, elementar, na estrutura do sistema processual penal. Venceu a presunção
de culpa!
Alexandre Morais
da Rosa, juiz em Santa Catarina.
Um ministro. Não
foi o Supremo Tribunal Federal. Essa foi a diferença do placar. O pensamento
conservador e de quem não compreende adequadamente o sentido democrático da
presunção de inocência. O estrago que faz uma escolha errada para a mais
elevada corte. Aprendamos.
Salah Hassan
Khaled Júnior, doutor em Ciências Criminais e professor da UFRGS.
Apesar do placar
apertado, não foi uma surpresa. Como esperado, retornaram à cena do crime para
reiterar de forma ainda mais esdrúxula a barbárie cometida. Inspiração fascista
e leitura civilista convergem para produzir um monumento autoritário com
maquiagem jurídica. Quem precisa de um guardião da Constituição comprometido
com a expansão do estado de polícia? Ela teria mais chances se entregue à
própria sorte. Em pleno aniversário, é uma estranha na própria festa!.
Paulo Iasz de
Morais, conselheiro estadual da OAB-SP.
Vejo com enorme
preocupação o recente posicionamento da mais alta corte do País que acaba
acolhendo a tese de que o princípio da inocência é um direito relativo e não absoluto. Além
disso, ao se admitir a prisão antes do trânsito em julgado da sentença podemos
incorrer no cerceamento de liberdade de pessoas que depois poderão ter sua
inocência reconhecida ou pelo STJ ou
pelo STF. Fica aberta, portanto, a hipótese para prisões indevidas.
Instituto de
Defesa do Direito de Defesa.
O Instituto de
Defesa do Direito de Defesa lamenta o resultado da sessão do Supremo Tribunal
Federal que autorizou o início do cumprimento de pena antes do trânsito em
julgado da sentença condenatória. Com a decisão, a Suprema Corte transformou o
dia 5 de outubro em um marco da restrição aos direitos e garantias individuais.
Adib Abdouni,
criminalista e constitucionalista do Adib Abdouni Advogados,
O STF deu uma
guinada e alterou drasticamente sua jurisprudência, que prestigiava a presunção
de não culpabilidade e condicionava a execução da pena à irrecorribilidade da
decisão criminal. Causa perplexidade, uma vez que não é desprezível a parcela
de recursos extraordinários interpostos junto ao Supremo que são providos com o
fito de reverter decisões penais condenatórias de tribunais locais, aptos a
impedir o precoce e injusto encarceramento de pessoas, junto a um sistema
prisional que, sabemos, mostra-se precário e desumano.
César Caputo,
criminalista do Nelson Wilians e Advogados Associados.
A reafirmação do
STF é uma flagrante violação ao princípio da presunção de inocência. Se
quiserem prender mais rápido, e acalentar a sociedade brasileira, que se
atravesse todos os passos de um legítimo, constitucional e imprescindível
processo legislativo para se emendar a Constituição Federal Brasileira.
Daniel Bialski,
criminalista e sócio do Bialski Advogados
O eventual
sentimento de impunidade não pode gerar ilegalidade. Além do prisma da
legalidade, o Estado Não está aparelhado para suportar o aumento significativo
de presos. Há superlotação, não há vagas e as condições - o que foi reconhecido
pelo próprio Supremo - são desumanas. A Corte certamente ainda refletirá
bastante sobre o tema.
Fernando Augusto
Fernandes, criminalista e sócio do Fernando Fernandes Advogados.
Duas questões
precisam ser pensadas diante da decisão do Supremo. A primeira é que vai contra
a disposição literal da Constituição, que, no art. 5º LVII, diz "ninguém
será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória". Isto não impede
completamente a prisão, pois há possibilidade da prisão em flagrante ou
preventiva. O que ocorreu foi uma mudança no texto constitucional. A segunda é
que a defesa passa a exigir um outro patamar no Brasil. Não é possível
arriscar-se a recursos meramente protelatórios e é necessário a atuação de
altos especialistas. Existem muitos abusos, erros processuais e investigatórios,
ofensas à defesa e ao devido processo e nulidades que não são notadas.
Fabrício de
Oliveira Campos, criminalista e sócio do Oliveira Campos & Giori Advogados.
O julgamento
marca o populismo penal. Venceu o pragmatismo inspirado pelos espetáculos hoje
em cartaz, sem que fossem equacionadas as consequências que isso vai gerar para
uma massa de processos que não pertencem ao foro federal de Curitiba. Nos
próximos anos, veremos inúmeras sentenças equivocadas, ilegais,
desproporcionais e injustas serem cumpridas total ou parcialmente e, no final,
reformadas pelo STJ ou STF. Mas essas causas, as das injustiças antecipadas e
justiças tardias serão as causas dos incógnitos, dos que não estão em cartaz.
Ninguém prestará atenção a esse futuro perverso.
Francisco de
Paula Bernardes Jr., criminalista e sócio do Guillon & Bernardes Jr.
Advogados.
O STF, de forma
política, fez uma tentativa de "mudança de mentalidade" na sociedade
brasileira sobre a tão repetida "impunidade" da Justiça penal
atribuída à sua morosidade. Venceu a ideia de "prevenção geral". Mas
a maioria dos ministros do STF fechou os olhos para dados estatísticos
publicados pela FGV Direito Rio, que apontam que já no Superior Tribunal de
Justiça mais de 25% dos Habeas Corpus
impetrados foram concedidos. O estrago é grande quando se pensa, apenas a
título de exemplo, na execução antecipada de pena destes 25% de réus que têm
suas condenações revertidas no STJ. Os efeitos são ainda mais problemáticos
quando se pensa em casos de réus pobres.
A questão da pobreza do réu tem impacto direto no seu direito de defesa
criando, em vários casos, falhas graves nos processos. O nosso sistema judicial
não está preparado para a execução antecipada da pena.
Sylvia Urquiza,
sócia da Urquiza, Pimentel e Fonti Advogados e presidente do Instituto
Compliance Brasil.
A decisão
desrespeita os princípios constitucionais que, após anos de ditadura, passaram
a integrar os direitos dos cidadãos brasileiros, como elencados no artigo 5º da
Constituição Federal. Dentro do Estado Democrático de Direito em que deveríamos
estar vivendo, a prisão apenas é possível após o trânsito em julgado da
sentença condenatória.
O Direito Penal é o direito da exceção. Quando um
inocente pode perder sua liberdade, não se pode cogitar na renúncia do devido
processo legal, da ampla defesa e do in dubio pro reo. É um retrocesso sem precedentes na nova
democracia brasileira.
Fonte: Agência Brasil.
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