‘EL PAÍS’: PT TERÁ QUE APRENDER A CONVIVER
COM A NOVA OPOSIÇÃO.
A rua não tem dono nem ideologia. Todos têm o
direito de ocupá-la democraticamente.
O jornal espanhol El País publicou
esta semana um artigo do jornalista Juan Arias sobre o novo cenário político no
Brasil, após as recentes eleições que registraram uma apertada vitória de Dilma
no segundo turno e um fortalecimento da oposição: “O Partido dos Trabalhadores
(PT) que acaba de ganhar as eleições com sua candidata Dilma Rousseff deverá
esta vez aprender a conviver com a oposição, algo a que não estava acostumado”.
Nos últimos doze anos de Governo petista, o Brasil viveu sem ela. O carisma de
Lula e suas conquistas econômicas e sociais, principalmente de seu primeiro
governo, a tinham emudecido.
Se a ausência de um partido
opositor - como existe em todas as democracias maduras dos países desenvolvidos
- pôde trazer vantagens aos três governos do PT, é possível que a história
descubra que pode ter existido também seu lado negativo.
Nem as melhores democracias
sobrevivem imunes à corrupção e a tentações autoritárias sem uma oposição
democrática, real, concreta, democrática, capaz de exigir do Governo que exerça
a função que lhe foi outorgada pelos eleitores. “Nem mais, nem menos”.
O jornalista faz uma analogia:
“Como numa família, os filhos acabariam perdendo a identidade sem uma ação
vigilante dos pais, da mesma forma os governos podem esquecer sua função se
lhes falta o ferrão de uma oposição que lhes lembre o que foi prometido ao se
elegerem e lhes estimulem a levar a cabo essas promessas. E que lhe peçam
contas”.
Juan Arias relembra a trajetória
do PT, antes e depois de chegar ao Palácio do Planalto: “O Partido dos
Trabalhadores foi mestre na arte da oposição antes que o sindicalista Lula da
Silva o levasse ao poder. Sabiam como ninguém ocupar a rua e exigir. Se
opuseram até ao texto da Constituição. Ninguém melhor do que o ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso sabe por experiência o que foi ter o PT na oposição
que gritava nas ruas e praças “Fora FHC”!". Aquela, ainda que por vezes foi
dura ao extremo, serviu de antídoto aos governos e até derrubou a um deles do
pedestal.
Ao chegar ao poder, o PT, que
tinha até então vocação de dissidente e não de Governo nacional, teve a sorte
não só de poder governar sem oposição, mas também de contar com um líder com
grande força de atração nacional e também internacional.
“Nem sequer no momento crucial do
escândalo de corrupção do mensalão, que foi o único momento dramático para
Lula, a oposição quis carregar as tintas e nunca pediu sua saída do Governo”.
“Agora”, pela primeira vez, o PT
pode começar a experimentar em sua própria pele o que pode significar uma
oposição de verdade, que o novo líder Aécio Neves, forte com seus mais de 50
milhões de votos, afirmou que fará "sem adjetivos", mas também com
total "sentido democrático".
Vai ser uma experiência nova para
o segundo mandato de Dilma Rousseff. Até ontem, a rua, com suas manifestações e
protestos, às vezes democráticos e às vezes não tanto, era exclusiva do PT e
dos movimentos sociais. “O protesto sempre tinha o DNA da esquerda”, diz o
artigo.
O jornalista prossegue, citando
os protestos que se espalharam pelo Brasil no ano passado e mudaram o perfil do
manifestante: “A partir das últimas eleições”, pela primeira vez depois das
manifestações de junho de 2013, a rua começou a ser tomada não somente pelos
trabalhadores, mas também pelas classes médias (às vezes filhas dos operários
daquela época), que têm valores a reivindicar e queixas a apresentar.
As manifestações de junho foram
abortadas pela infiltração do movimento dos violentos Black Blocs, que fizeram
com que a classe média voltasse a se recolher em suas casas.
Hoje essa classe média começa a
querer defender seu direito a ser oposição e a gritá-lo em público. E, em
seguida, novos infiltrados que a oposição oficial do PSDB de Neves já repudiou
tentam, conscientemente ou não, abortar de novo esse desejo legítimo de
manifestar-se da "não esquerda". É justo negar-lhe esse direito?
Em todas as manifestações, no
mundo inteiro, existem abusos e exageros; se juntam os verdadeiros amantes dos
valores democráticos e os que se aproveitam da ocasião para dar uma rasteira no
sagrado direito de manifestação e de protesto. Tão sagrado é o direito a
governar de quem ganha as eleições como o contrário, o de exercer sua função de
oposição. São as duas pernas com as quais caminha a democracia. “Sem uma delas,
ela sempre vai caminhar mancando”.
Juan Arias conclui: “A rua não
tem dono nem ideologia”. Todos têm o direito de ocupá-la democraticamente para
reivindicar o que conscientemente consideram como sendo seus direitos e suas
justas reivindicações.
Aprender a viver com os
instrumentos da democracia nem sempre é fácil. “Mas sem isso, até o melhor dos
governos pode cair na tentação de prevaricar”.
Fonte: Jornal do
Brasil.
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