GOLPE NA PREVIDÊNCIA
QUANDO O CASAMENTO É SÓ
PELA PENSÃO.
Estado investiga matrimônios fraudados, em que o
interesse é apenas obter o benefício previdenciário. Há pensões pagas acima de
r$ 10 mil.
O idoso (vamos chamá-lo assim,
para ajudar a distinguir os personagens) foi ocupante de cargo importante no Judiciário
local. Tinha 76 anos quando, portador de Alzheimer em alto grau detectado pelo
menos cinco anos antes, casou-se com a nora. Estava apagado de sua consciência
pela doença. Ele morreu no ano passado. Ela, hoje aos 40, embolsa aposentadoria
generosa sem nunca ter largado de seu companheiro de fato, o filho do idoso. O
casório entre o idoso e a nora – agora “viúva” do próprio sogro foi firmado em
cartório, em agosto de 2012. O filho dispunha de uma procuração pública. O pai
morreu no mesmo mês de 2013, exatamente um ano depois. Estava com alto grau de
diabetes, teve falência de órgãos, estava degenerado pelo Alzheimer. As duas
filhas dele choraram a perda do pai desavisado. Desconheciam a trama até então.
O filho, porém, sabia, por indícios e provas já juntados no processo conforme O POVO apurou. Ajudou a montar a
fraude previdenciária. E a pensão por morte, silenciosamente, caiu para a conta
bancária da “viúva”. Desde o mês seguinte ao óbito, a mulher passou a
receber R$ 11.826,00 mensalmente. Questionado judicialmente, o benefício ainda
está em caráter provisório, mas pode passar a definitivo e aumentar para cerca
de R$ 15 mil. O matrimônio fora um golpe caseiro para enganar a Previdência
estadual. Já são 14 meses pagos, desde a morte. Ela, dentista, mantém uma união
estável de mais de 10 anos com o filho do idoso. Apenas sem papel
passado. Casara-se com o sogro só pela fraude. Num acerto familiar com as
irmãs, o filho era responsável por cuidar do pai. Situação propícia para
esconder o embuste.
O caso é um dos mais graves numa lista de uniões supostamente enganosas em análise na PGE no Ceará. Que seriam exclusivamente para garantia do benefício pós-morte. No Direito, a situação é apelidada de “casamento previdenciário”. Há quem chame de “casar no leito de morte”. O procurador-chefe da Consultoria Geral da PGE, Rafael Machado Moraes, diz que o órgão, nos últimos três anos, passou a se deparar com muitos casos semelhantes. “É difícil quantificar. De 100 processos que a gente pegou para analisar com esses indícios, 10 estão (fraudados)”, estima. Os benefícios de pensões por morte, confirmados como fraudes no radar da PGE envolvem sempre “valores acima de R$ 10 mil”. O procurador admite que existe o processo questionando o casamento do ex-servidor com a dentista, mas não repassa informações detalhadas. Confirmou que há diligências em andamento. A PGE inclusive mudou procedimentos internos, a partir da repetição de casos com indícios suspeitos de casamento de fachada, e reorientou os servidores para a checagem mais rigorosa do que for duvidoso. “É um golpe caseiro, mas antes de tudo é um golpe contra o Estado”, afirma Machado. Se o recebedor (a) da pensão for muito jovem, e houver fraude, vai se beneficiar do ilícito por anos. Será vitalícia. A dificuldade de se questionar a validade da união, firmada em cartório, é grande. Será a análise mais detalhista, a partir dos indícios de diferença de idade dos cônjuges e pouco tempo entre o casamento e o óbito do segurado, que apontará a suspeição. Como querer tirar o direito de amar no fim da vida? “São sempre casos muito delicados. A gente procura trabalhar com muita cautela”, admite o procurador.
Números
10 mil reais é o valor
médio que a PGE tem encontrado em pensões pós-morte questionadas no Ceará.
10% dos processos de pensão
sob suspeita na PGE têm sido confirmados como “casamento previdenciário”.
80 bilhões de reais por ano é
quanto o governo federal paga atualmente em pensões por morte no Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário