COMENTÁRIO
Scarcela Jorge
Nobres:
Foi de forma surpreendente o que o Supremo Tribunal
Federal definiu não exatamente um rito “do começo ao fim” para o processo de
impeachment de Dilma Rousseff, mas tomou 11 decisões das quais as três mais
significativas foram vistas como uma vitória para o governo. O STF desfez
alguns dos atos da Câmara dos Deputados e de seu presidente, Eduardo Cunha, ao
determinar que não possa haver chapa alternativa na escolha dos membros da
comissão especial que analisa o pedido de impeachment, e que o voto para
confirmar a composição desta comissão tem de ser aberto. Além disso, os
ministros deram ao Senado o poder de engavetar o pedido de impeachment, caso
ele seja aprovado na Câmara. As principais decisões nos parecem equivocadas. Os
argumentos apresentados pelo relator, ministro Luiz Edson Fachin, e que tiveram
no ministro Dias Toffoli o seu principal defensor, eram suficientemente fortes
e tinham a vantagem de garantir não apenas as prerrogativas do Poder
Legislativo, mas a própria unicidade do parlamento federal. A proibição do
“bate-chapa”, por exemplo, desvirtua o trecho do Regimento Interno da Câmara
segundo o qual a comissão especial deve ser “eleita”. Ao haver apenas um elenco
de membros apresentado à apreciação do plenário, o que era eleição se
transforma em referendo. Se o Senado pode simplesmente se recusar a abrir o
processo, o trabalho dos deputados é desmoralizado. Mas ainda mais preocupante foi à quebra
da harmonia do Legislativo com a decisão que permite ao Senado rejeitar o
pedido de impeachment sem ter de chegar a promover o julgamento do presidente
da República. O Legislativo, ainda que bicameral, trabalha como um só, em
cooperação entre as casas. No processo de impeachment, recorremos a
Constituição que especifica aos deputados cabe avaliar a admissibilidade, tarefa
que o artigo 51 define como privativa da Câmara e aos senadores cabe promover o
julgamento. Alguém poderia argumentar que, na prática, há pouca diferença: um
Senado governista acabaria livrando o chefe do Executivo seja numa fase inicial
de votação para se abrir o processo, seja no julgamento propriamente dito. Mas
não é essa a questão. Se o Senado pode simplesmente se recusar a abrir o
processo, o trabalho dos deputados, representantes do povo, é desmoralizado,
não tem valor nenhum. Certamente não é isso o que o legislador tinha em mente
quando desenhou as linhas gerais do impeachment. O artigo 86 da Constituição
não contempla a hipótese de não haver um julgamento pelo Senado. Isso foi
ressaltado por Fachin em seu relatório e não significa como tentou argumentar o
ministro Luís Roberto Barroso, que os senadores ficariam em uma posição de
subordinação diante dos deputados; trata-se do mero reconhecimento do papel de
cada casa em um processo de impeachment. Mas, por mais questionamentos que
tenhamos, decisões da suprema corte devem ser cumpridas. E isso nos remete às conseqüências
políticas do que foi definido naquele dia. O governo já havia deixado muito
claro seu interesse em resolver o impeachment o mais rapidamente possível,
antes que a economia se deteriorasse ainda mais e antes que houvesse um
recrudescimento da pressão popular, que naturalmente diminui no fim do ano.
Assim, seria de se imaginar que o atraso causado pela Judicialização do
processo fosse visto como problemático para o governo. O processo, no entanto,
estava se encaminhando ao gosto da oposição, com a vitória, em eleição secreta,
da chapa alternativa, claramente favorável ao impeachment, para a comissão
especial. Todo esse trâmite foi anulado: agora, haverá apenas uma lista de membros,
indicados pelos líderes partidários, que será apreciada em votação aberta,
deixando a possibilidade de retaliação governamental aos que se colocarem
contrários aos interesses do Planalto. O atraso no processo é um preço que
Dilma paga com muito gosto pelo privilégio de ter mais influência sobre a
comissão que analisará seu futuro. Em síntese chega à parcialidade.
Antônio
Scarcela Jorge.
Nenhum comentário:
Postar um comentário