R$ 4 MILHÕES PELO LOBBY: OS
CONTRATOS MILIONÁRIOS DE LULA COM A ODEBRECHT.
Acessos a contratos assinados entre o ex-presidente e a empresa.
No papel, dinheiro para “palestras”. Na prática, dinheiro para alavancar os negócios da empreiteira no exterior.
A construtora que lidera a lista das patrocinadoras de
Lula pagou quase R$ 4 milhões para o ex-presidente fazer dez
palestras. Além disso, bancou os custos das viagens para
países em que possui obras financiadas pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), como Angola e Venezuela.
Esses gastos de R$ 3 milhões, ao câmbio da época, incluem transporte e
hospedagem em hotéis “5 estrelas ou superior”, com dormitório com cama king
size, sofás, frutas, pães, queijos, frios, castanhas, água, refrigerantes
normais e do tipo “zero” e, em alguns casos, fora do contrato, bebidas alcoólicas.
As contratantes eram responsáveis por fretar aeronaves particulares. Ter Lula
como palestrante custava caro. Mas, na maioria das vezes, valia muito à pena.
O “Palestrante” Lula (grafado desse jeito pela própria
empresa em seus papéis internos) passou a ser mobilizado para atuar em locais
onde a Odebrecht enfrentava pepinos em seus contratos. Em 1º de maio de 2011,
Lula se comprometeu, por R$ 330 mil, a desembarcar na Venezuela
no início de junho para falar sobre os “Avanços alcançados até agora pelo
Brasil”. A descrição das atividades que constam da cláusula 1.1 do contrato
dizia que o “Palestrante” não participaria de qualquer outro evento além
daqueles descritos “exaustivamente” no anexo 1. O tal anexo, no entanto, possui
duas linhas que mencionam apenas que o ex-presidente ficaria hospedado no Hotel
Marriott de Caracas. Quando superposto aos documentos do Instituto Lula
sobre o mesmo evento, vê-se que Lula se encontrou com o empresário Emílio
Odebrecht, pai de Marcelo Odebrecht, hoje preso em Curitiba, e com o então presidente
venezuelano, Hugo Chávez, morto em 2013. Era um momento de
tensão entre o governo venezuelano e a empreiteira, que cobrava uma dívida
de US$ 1,2 bilhão.
Telegramas
sigilosos do Itamaraty sugerem que Lula e Chávez trataram sobre a dívida. A
Odebrecht construía, desde 2009, a linha II do Metrô de Los Teques e a linha 5
do Metrô de Caracas. Fruto de uma negociação entre Lula e Chávez, o projeto foi
irrigado com US$ 747 milhões (R$ 1,2 bilhão, em valores da época) em
empréstimos do BNDES. A pressão de Lula surtiu efeito. Quatro dias após a
visita do ex-presidente a Caracas, Chávez se encontrou com a presidente Dilma
em Brasília. Naquele momento, a dívida com a Odebrecht já estava acertada. As
duas obras são investigadas pelo Ministério Público Federal e pelo
Tribunal de Contas da União. A principal suspeita, é que os recursos
tenham sido utilizados de forma irregular e de maneira antecipada sem o avanço
do projeto – o dinheiro chegou, mas a obra não andou.
Em
seu depoimento ao Ministério Público, Lula disse que não é lobista e “não
nasceu” para ser consultor.
Em alguns casos, as viagens de Lula eram sucedidas por
concessões de empréstimos do BNDES para obras de infraestrutura no país. Angola
é um exemplo disso. Desde 2011, a Odebrecht foi a que mais recebeu
financiamentos do BNDES no país africano, que está no topo da lista de recursos
destinados pelo banco para exportação. Entre abril de 2011 e abril de 2014,
foram liberados US$ 3,1 bilhões dos cofres do BNDES para a Odebrecht. Nos dias
30 de junho e 1o de julho de 2011, Lula foi contratado pela Odebrecht para dar
uma palestra na Assembleia Nacional em Luanda, capital da Angola, sobre “O
desenvolvimento do Brasil, modelo possível para a África”. Em seguida, Lula se
reuniu por 40 minutos com o presidente do país, José Eduardo dos Santos. Após a
conversa, Lula se encontrou com Emílio Odebrecht e com diretores das empreiteiras
Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. Lula aterrissou em São
Paulo no dia 2 de julho, à 0h30. No dia 28 de julho de 2011, o BNDES liberou um
empréstimo de US$ 281 milhões (R$ 455 milhões, em valores da época), tão
aguardado pela Odebrecht, para a construção de 3 mil unidades habitacionais e
desenvolvimento de infraestrutura para 20 mil residências em Angola.
No dia 6 de maio de 2014, Lula e Emílio Odebrecht
voltaram a se encontrar em Angola. O ex-presidente viajou, numa aeronave cedida
pelo governo angolano, de Luanda para a província de Malanje, onde visitou a usina
de açúcar e etanol Biocom, sociedade entre a Odebrecht Angola e a Sonangol. Em
depoimento de sua delação premiada, o lobista Fernando
Soares, o Baiano, disse que se associou ao empresário José
Carlos Bumbai, amigo de Lula, para viabilizar a palestra do
ex-presidente em Angola. Baiano atendia a um pedido de um general angolano,
interessado no negócio. Lula estava a todo o momento acompanhado por Emílio
Odebrecht, pela ex-ministra do Desenvolvimento Social Márcia Lopes e pelo
ex-deputado federal Sigmaringa Seixas, além de autoridades angolanas. Na manhã
do dia seguinte, o ex-presidente teve uma reunião de cerca de uma hora com o
presidente de Angola, José Eduardo dos Santos. Nesse encontro, discutiram,
entre outros assuntos, a linha de crédito do BNDES para a construção da
hidrelétrica de Laúca, segundo telegramas do Itamaraty. Em dezembro do ano
passado, sete meses após a visita de Lula, o ministro de finanças de
Angola, Armando Manuel, assinou o acordo de financiamento com o BNDES. Em maio
deste ano, o presidente do banco, Luciano Coutinho, deu o último aval para a
liberação de um empréstimo que pode chegar a US$ 500 milhões (R$ 1,5 bilhão).
Questionado pelo Ministério Público, Lula disse que “nada foi referido sobre o
financiamento do BNDES para a construção da hidrelétrica de Laúca e que o
presidente José Eduardo nunca tratou desses temas”, embora documentos oficiais
do Itamaraty mostrem uma versão diferente. “Não passa de uma ilação, porque o
comunicante (do Itamaraty) não teria participado da reunião”, disse
Lula.
Lula era acompanhado de perto pelo diretor de relações
institucionais da Odebrecht, Alexandrino Alencar, apontado
como o lobista da
construtora na Operação Lava Jato. Após quatro meses preso, o executivo
foi libertado na sexta-feira por decisão do
ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki, após quatro meses
preso em Curitiba, no Paraná. O contrato original, que selou a parceria da
Odebrecht com Lula, leva a assinatura de Alexandrino e de Paulo
Okamotto, braço direito do ex- presidente. Lula e Alexandrino se
conhecem desde os tempos de Lula no Planalto.
A proximidade entre eles era tão
grande que se cumprimentavam com um beijo no rosto. Essa intimidade se
intensificou após 2011, quando Lula passou a defender, ao lado de Alexandrino,
os interesses da Odebrecht no exterior. Um relatório de perícia do MPF sobre os
movimentos migratórios de Lula e o ex-funcionário da Odebrecht aponta que os
dois companheiros compartilharam ao menos cinco voos juntos nos últimos quatro
anos, de acordo com dados extraídos do sistema de tráfego internacional da
Polícia Federal. Nesta semana passada, no depoimento ao Ministério Público,
Lula manteve uma distância olímpica do amigo ao dizer que “Alexandrino era
representante da Odebrecht, não sabendo precisar o cargo; que só tinha relação
profissional com Alexandrino”.
Um dos destinos da dupla foi uma caravana para Cuba
e República Dominicana entre 28 de janeiro e 3 de fevereiro de 2013.
Lula recebeu R$ 373 mil pelas palestras. Naquela ocasião, Lula visitou o Porto
de Mariel, parceria entre a Odebrecht e o governo cubano. Ao todo, a obra
recebeu US$ 832 milhões do BNDES com um prazo para pagamento de 25 anos, e com
uma parte das garantias atreladas à produção de fumo na ilha. Quatro meses após
a passagem de Lula por Cuba, o banco estatal brasileiro liberou a quinta
parcela do financiamento do projeto, de US$ 229,9 milhões (R$ 482,7 milhões),
que estava represada devido ao atraso nos pagamentos e à falta de garantias
para a operação. Em 31 de janeiro, Lula desembarcou na República Dominicana,
onde se encontrou com o presidente Danilo Medina. E lá foi o líder petista
visitar, novamente, outro canteiro de obras da Odebrecht. Seis meses depois, a
Odebrecht conseguiu mais US$ 114 milhões (R$ 228 milhões) do BNDES para
desenvolver o corredor Viário Norte-Sul no país.
Procurada, a Odebrecht afirma por
meio de nota que mantém “uma relação institucional e transparente com o
ex-presidente Lula. O ex-presidente foi convidado pela empresa para
fazer palestras para empresários, investidores e líderes políticos sobre as
potencialidades do Brasil e de suas empresas, exatamente o que têm feito presidentes
e ex-presidentes de outros países, como Estados Unidos, França e Espanha”. A
Odebrecht nega que Lula tenha feito lobby em seu favor junto a
governos estrangeiros. O depoimento de Lula pode ter sido agradável, mas o
Ministério Público Federal no Distrito Federal estuda formar uma força-tarefa
de procuradores para investigar as suspeitas de tráfico de influência. Pediu
até o compartilhamento de provas da Operação Lava Jato que mencionem
o ex-presidente, a Odebrecht e o BNDES.
Fonte: G1. DF.
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