PADRE EXCOMUNGADO CRIA IGREJA 'SEM PRECONCEITO' EM SÃO PAULO.
Fora da Igreja Católica desde abril de 2013, o padre
Roberto Francisco Daniel, conhecido como padre Beto, celebrou nesse domingo em
Bauru, no interior de São Paulo, a primeira missa na sede própria da nova
denominação fundada por ele, a "Humanidade Livre". A igreja é criada
quase nove meses após a primeira missa alternativa celebrada, ainda de forma
improvisada, no ginásio poliesportivo do Greb (Grêmio Recreativo Energético de
Bauru) - onde os cultos religiosos vinham acontecendo desde então.
"Somos muito gratos ao Greb, mas precisávamos de
uma sede própria. É um sonho que vai sendo realizado. A sensação que a gente
tem é de deixar um legado mesmo. Uma proposta que não seja centrada na minha
figura, mas que continue. Continue fazendo o bem para as pessoas",
justifica o padre com um largo sorriso.
Cerca de 120 pessoas participaram da celebração que teve
início às 19h30 e durou pouco mais de uma hora. Além das leituras bíblicas e
ritos similares aos católicos, algumas músicas embalaram os fiéis, sendo elas
Andar com fé de Gilberto Gil, A paz de Zizi Possi, Carinhoso de Pixinguinha e
Romaria, de Renato Teixeira - sendo esta última em homenagem ao dia de Nossa
Senhora Aparecida, comemorado nessa segunda-feira (12).
Entre os fiéis estava a aposentada Jupira Rodrigues,
81 anos. Ela conta que frequentava as missas celebradas por Beto em paróquias
da Igreja Católica e que depois da excomunhão só retornou em ocasiões
específicas. "Só em missa de sétimo dia, por exemplo. Foi uma injustiça
muito grande o que fizeram com ele. Isso [excomunhão] não quer dizer nada pra
nós. Ele é muito querido, um 'senhor padre'", elogiou.
Já os músicos Marco Belinasi e a esposa, Regina
Mancebo, tocam voluntariamente nas missas desde o início. Eles e outros
profissionais se revezam aos domingos. "Recebemos um convite e como a
gente já conhecia ele, e como o nosso repertório é bem vasto, resolvemos
participar. E a proposta dele é essa, não colocar muitas músicas sacras. Tem
muitas músicas brasileiras muito bonitas pra se cantar. É sempre bom participar
das missas, é gratificante. E a palavra dele é moderna, fala de forma mais
simples. Estar na companhia dele é agradável", disse Marco.
O prédio, com madeiramento e tijolos a vista e que se
assemelha a um chalé, foi alugado por R$ 3 mil mensais. Voluntários ajudam com
doações e no final das missas são comercializados alimentos como salgados e
bolos feitos por parceiros que contribuem com a igreja e usam o espaço para
divulgar os produtos fabricados. O imóvel fica na quadra dois da rua Henrique
Savi, na Vila Cidade Universitária, e atualmente passa por reformas. A
estimativa de investimento nas obras é de R$ 80 mil – custeados pelo próprio
padre. Duas arquitetas assinam o projeto.
"Nós procuramos muito. Nós não queríamos entrar
naquele padrão de igreja, com um salãozão. Queríamos algo especial, que tivesse
a cara de uma proposta nova, da Humanidade Livre, que é algo alternativo,
descontraído e que não tenha padronização. E de repente achamos esse lugar que
tem cara de casa, de chalé, que é bem o nosso estilo. É rústico, todo material
é natureza, é pedra é madeira, é aconchegante e tem o rosto de família, que é o
que a Humanidade Livre é", contou o religioso.
Ele explica que no projeto de reforma consta a
ampliação do salão, uma secretaria, uma sala de atendimentos, além da
construção de uma capela para o Santíssimo - espaço para orações e para guardar
as hóstias consagradas. "Também haverá uma cozinha com churrasqueira.
Porque o espaço também vai ser multiuso, aqui vão ter cursos de formação, mas
também confraternizações e vamos alugar para casamentos. Daqui também vamos
tirar a renda pra igreja sobreviver", afirmou Beto.
O pé de manga e os coqueiros existentes no local serão
preservados. Ele faz questão de lembrar que, enquanto a reforma não for
concluída, irá usar dois cavaletes e uma porta de madeira da própria obra como
altar. O cálice usado para consagração do vinho durante a Eucaristia também é
de madeira, modelo bem mais simples que o usado pela Igreja Católica, folheado
a ouro. "Comprei pela internet por R$ 30", brincou.
A inauguração oficial, ainda sem data definida, só
será feita quando as obras forem concluídas. "Fizemos questão de entrar
antes porque a comunidade vai vendo a evolução da obra, que isso não é meu. Que
isso é nosso, pra eles se sentirem donos disso daqui", explicou.
Expansão.
O chamado dos fiéis também vem de outras regiões do
País. Padre Beto afirma que existe a possibilidade da abertura da igreja
Humanidade Livre em Feira de Santana (BA) e em Recife (PE). Segundo ele, dois
religiosos que já pertenceram a Igreja Católica manifestaram o desejo de levar
a nova igreja para seus fiéis. "Eles não têm comunidade, estavam parados.
Eles estão criando uma comunidade, então é um trabalho de formiguinha",
explicou.
Já a professora de matemática Cristiane Flôres,
espírita kardecista, que mora em Porto Alegre (RS) lamentou não poder ter participado
da primeira celebração. "Ele representa a grande mudança que a maioria das
religiões deveriam se basear. Ao invés de ter uma vida presa aos comandos de
normas da igreja, ele demonstra a vida que realmente os verdadeiros cristãos
deveriam seguir. Os passos e ensinamentos que Jesus nos deixou. Jesus não nos
aprisionou em regras, mas em exemplos de amor, solidariedade, compaixão e
vontade de viver. Quem tem vontade de viver com felicidade seguindo regras sem
poder questionar como se não tivéssemos capacidade de pensar? Somos tão assim
que precisamos de coleiras, ao invés de palavras de bom senso?",
questionou.
Ela afirma que pretende encarar os mais de 1.200 km
que separam Porto Alegre de Bauru para participar de uma das missas.
Recado.
No primeiro informativo impresso distribuído aos fiéis
após a missa, com informações sobre endereço, horário da celebração, entre
outros, padre Beto assina um texto explicando como surgiu a nova denominação.
Ele faz questão de agradecer ao bispo da Diocese de Bauru, Dom Caetano Ferrari,
pela excomunhão. "A Humanidade Livre surgiu de uma excomunhão. Nós somos conseqüência
das decisões tomadas pelos responsáveis da Diocese de Bauru, pois graças a eles
tivemos a liberdade para criar algo novo. Por isso, queremos agradecer ao bispo
da Diocese de Bauru e aos padres do alto clero. A vocês o nosso muito
obrigado", afirma no texto. E frisa
ainda que a nova igreja não faz distinção a credos ou opções sexuais. "Não
temos doutrina, preceitos ou regras morais. Nós seguimos somente a Jesus
Cristo, como exemplo de vida e reflexão, e os dois mandamentos que Ele nos
deixou: amar a Deus e amar ao próximo", afirma no texto.
Padre Beto foi excomungado em abril de 2013, poucos
dias após anunciar seu afastamento dos ministérios sacerdotais. Ele atuou por
14 anos na Igreja Católica e foi expulso por conta de seus pensamentos
progressistas em relação aos dogmas da igreja.
Ele foi repreendido pela diocese local por declarações
publicadas na internet. Em um vídeo o religioso contestou os princípios morais
conservadores da igreja e opinou sobre assuntos considerados polêmicos entre os
fiéis como bissexualidade, homossexualidade e infidelidade. Como se recusou a
se retratar, seguindo determinação do bispo, foi expulso. A decisão foi
ratificada pelo Vaticano em novembro de 2014, não havendo mais recurso.
O religioso afirma ainda que irá enviar um convite ao
bispo de Bauru para conhecer a nova igreja.
Fonte: G1 - SP.
Simplesmente estarrecedor...
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