CRISE FAZ CIÊNCIA DO RJ ATRASAR EM ATÉ 10 ANOS, DIZEM PESQUISADORES.
FAPERJ recebeu 60% dos recursos previstos nos últimos 3 anos.
Pesquisadores da Uerj sofrem com problemas para manter suas pesquisas.
Os efeitos da crise no Estado do Rio de Janeiro no
ensino superior e na pesquisa podem ter consequências longas e devastadoras.
É o que dizem professores e pesquisadores, que sofrem
com a diminuição de benefícios das agências de fomento, como a FAPERJ, e falta
de infraestrutura nas instituições estaduais, como a UERJ e a UENF, que
sofreram cortes no orçamento.
A estimativa de um dos alguns estudiosos aponta que,
em dez anos, o estado ainda sofrerá os efeitos da crise atual. A formação de
professores e de novos profissionais de pesquisa também pode ser prejudicada
pela falta de verbas e de estímulo.
Apesar de alguns estudantes e professores afirmarem
que o RJ vive o pior momento nas ciências em sua história, a comunidade
acadêmica tenta se manter de pé por meio de iniciativas próprias.
Uma das faces mais visíveis da crise é a Fundação
Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
Criada em 1980, a fundação é vinculada à Secretaria de
Estado de Ciência e Tecnologia e é responsável pelo fomento às pesquisas no RJ
por meio da concessão de bolsas e auxílio aos pesquisadores e instituições.
A FAPERJ informou ao G1 que, nos últimos três anos, os
repasses para a instituição foram de cerca de 60% dos recursos previstos inicialmente.
A fundação possui cinco mil bolsistas que recebem entre R$ 210 e R$ 5,2 mil, de
acordo com o grau de instrução do pesquisador.
Falta de pagamento.
Os contratos dos pesquisadores com a FAPERJ exigem
dedicação exclusiva na maioria das vezes e eles são cobrados por relatórios e
dados nos quais devem mostrar aos avaliadores que merecem continuar recebendo.
Ao contrário de um trabalho comum gerido pela CLT, os
pesquisadores não têm direito à FGTS, férias ou 13º salário. O último benefício
depositado pela Faperj foi o de novembro, pago no dia 17 de janeiro.
Os problemas no pagamento vêm gerando atrasos e
problemas nas pesquisas.
Em reportagem publicada pelo G1 em março do ano
passado, o biólogo Luiz Duarte, que é aluno do doutorado do Programa de Pós-graduação
em Ecologia e Evolução da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e
trabalha na identificação e conectividade genética de peixes que vivem em
recifes da Baía de Todos os Santos, já revelava problemas no sustento da
pesquisa, o que estava atrasando o estudo.
Algumas espécies investigadas pelo pesquisador estão
em extinção e não possuem nenhuma informação genética armazenada no mundo. Uma
delas terá a primeira seqüência de DNA da espécie disponibilizada após a
conclusão do trabalho. Atualmente, a situação é a mesma.
“Estou concluindo as análises com muito custo. Teria
que defender o doutorado agora em fevereiro mas irei pedir prorrogação do prazo
de defesa devido aos atrasos nas bolsas que influenciaram no andamento da
pesquisa”, explicou Luiz.
O doutorando teve que colocar à venda alguns materiais
pessoais para obter dinheiro para arcar com a viagem ao congresso onde
apresentará os resultados da pesquisa.
Cortes no
fomento do CNPq e Capes também afetaram as pesquisas realizadas no Rio de Janeiro.
Luta para seguir funcionando.
Na UERJ, onde Luiz estuda os problemas também são
graves.
Pesquisadores ouvidos dizem que a falta de fomento pode afetar
diversos setores dentro da área de educação, que vão desde a pesquisa de
vacinas até a formação de novos profissionais.
A instituição não repassa desde agosto do ano passado,
de acordo com a Associação de Docentes da Uerj (Asduerj). Pelos cálculos da sub-reitoria
de graduação, a dívida do Estado do RJ com a UERJ soma R$ 360 milhões.
A conta engloba custos com limpeza, segurança,
salários, e bolsas de auxílio, por exemplo.
Não foram repassados os recursos para o funcionamento
da instituição. Além disso, a Faperj praticamente não repassou dinheiro de
pesquisa. Projetos aprovados não foram liberados, conta o professor Paulo
Alentejano, um dos diretores do ASDUERJ.
O próprio Paulo, que é professor de Geografia da
Faculdade de Formação de Professores de São Gonçalo, na Região Metropolitana do
RJ, conta que as próprias pesquisas também estão sendo prejudicadas.
“Minha área é de questão agrária, sobre impactos
socioambientais, bibliotecas populares nos assentamentos, muitos deles
prejudicados porque não há combustível para colocar nos carros. Eu faço
trabalhos de extensão em Macaé, em Campos dos Goytacazes.
Não há funcionários para dirigir o carro, não tem
combustível, explicou Paulo, que já teve que colocar dinheiro do próprio bolso
para seguir nas pesquisas.
A situação emocional dos docentes também é motivo de
preocupação.
Muitos colegas estão devendo aluguel, tendo que
renegociar, sendo despejado. Alguns estão com problemas de saúde, estresse.
Não tem condições psicológicas de enfrentar, de
dialogar com os alunos, com a insegurança que levam na própria vida. Estão
adoecendo”, explicou Alentejano.
Perda de R$ 300 mil e atraso de 10 anos.
O professor Eduardo Torres, da Faculdade de Medicina,
trabalha com as pesquisas que estudam doenças que são muitas vezes
negligenciadas, pois atingem pessoas que vivem em áreas com menos
infraestrutura de pavimentação e esgoto como a doença de Chagas, verminoses e
malária, por exemplo.
O laboratório onde ele trabalha registrou uma perda de
material de cerca de R$ 300 mil entre os dias 1º e 2 de janeiro com um apagão.
O local não conta com o gerador da universidade, que não cobre todo o edifício.
Todos os pesquisadores entrevistados são unânimes em
afirmar que esta é a pior crise que já viram na ciência do Estado do Rio de
Janeiro. Para eles, os efeitos da crise atual, mesmo que as dívidas sejam
sanadas imediatamente, os efeitos serão sentidos por muito tempo.
Nos próximos dez anos ainda teremos resquício do que
estamos tendo agora.
Se você pensar que o que investimos há dez anos temos
o reconhecimento agora, o nosso sucateamento hoje terá 10 a 15 anos para
recuperar, explicou Torres.
Alentejano concorda que os problemas no setor podem
ter efeitos em longo prazo.
“Compromete o presente e o futuro, estamos
comprometendo a formação de profissionais, de pesquisas em andamento que estão
paralisadas, sobre o cotidiano da população, pesquisas sobre o zika e
chikungunya, sobre novos procedimentos, estudos sobre violência urbana, a
questão da educação, da formação de professores”, contou o professor.
A Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), em
Campos dos Goytacazes, no norte fluminense, também enfrenta problemas de
infraestrutura.
O início das aulas foi adiado em uma semana após
professores encontrarem salas e veículos danificados.
Documentos também foram revirados. De acordo com os
servidores, a instituição funciona sem vigilância patrimonial desde outubro de
2016, porque a empresa que fazia a segurança suspendeu as atividades por
atrasos no pagamento. Outros problemas também atrapalham o funcionamento da
instituição.
UERJ resiste.
Um estudo comparativo feito pela Asduerj com base nos
dados de algumas das principais universidades do país mostra que o orçamento
per capita da Uerj é de R$ 28.424,78 e o da Uenf é de R$ 27.243,00. De acordo
com os dados, é menor do que o de outras universidades de renome do país. Na
USP, esse número seria de R$ 45.153,00, na Unicamp de R$ 63.938,00 e na UFRJ é
de R$ 38.903,59. Ainda assim, a UERJ é uma das mais melhores universidades da
América do Sul, segundo o ranking da Times Higher Education, uma das mais
prestigiadas instituições do setor.
O início das aulas na UERJ está previsto para
recomeçar dia 30 de janeiro. No campus, os alunos e professores se mobilizam.
Lotado mesmo nas férias com um grande vai e vem de estudantes e docentes, o
local conta até com um espaço para doação de alimentos.
Todos lembram a importância de ocupar o espaço e
mostrar que a instituição está firme apesar das adversidades. O prédio conta
com vários cartazes que tentam fazer com que os visitantes não esqueçam sobre a
importância de manter a instituição viva.
Fonte: G1 – RJ.
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