'NA POLÍTICA BRASILEIRA, A MENTIRA ESTÁ A SERVIÇO DA MANUTENÇÃO DO PODER', DIZ PSICANALISTA.
A mentira do psicopata está associada ao real prejuízo do outro o que não tem nada a ver com burrice.
Não ter capacidade de reflexão, noção de moral, ou
empatia não faz de você uma pessoa burra. Isso é, na verdade, uma arma. “E por
isso aparece com tanta frequência na vida política do mundo”, analisa Christina
Montenegro, psicoterapeuta e especialista em psicologia clínica. Em tempos de
escândalos e revelações no mundo político brasileiro, a reflexão sobre a
mentira lança luz sobre os tortuosos caminhos que o país está trilhando.
Para Christina, a mentira é uma patologia social, e
inclusive histórica quando são analisadas as inúmeras aparições do fascismo na
sociedade. “São pessoas que não refletem, elas só reagem”, disse.
“Na política brasileira, a mentira está sempre a
serviço da manutenção do poder”, reforçou o psicanalista Jeremias Ferraz Lima,
membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro e professor da
UFRJ.
Para ele, em geral, o político que mente sabe que está
mentindo e sabe por que mente. “É uma psicopatia clara. A política está cheia
deles. Essa historia do Eduardo Cunha, de que não tinha conta na Suíça e etc,
são formas que a mentira usa para se disfarçar”, acrescentou.
Jeremias defende que a mentira usa uma roupagem para
ser servida. Segundo ele, “já existe uma tradição na política brasileira de
que, através da mentira eleitoral, é mais fácil ganhar votos”.
“Ela só é descoberta depois. No momento em que é
transmitida, ela vem com uma roupagem de esperança”, completou.
Ambos os especialistas dizem que não existe uma
classificação, mas Christina aponta para alguns tipos de mentirosos. Entre
eles, a mentira popularmente e socialmente aceita, como a “mentira piedosa”, que
ela explica como sendo “a mentira revela dados completos, ou floreia a verdade
na intenção de ser delicado”.
Tem também a “mentira infantil”, característica do
indivíduo que não desenvolveu maturidade. E a mentira compulsiva. Nesse caso, o
problema maior é a compulsão, e não a mentira.
"A psicopatia", ela explica, “é a pessoa que
vem com um defeito de fabricação na área do caráter, e isso não sou eu que
estou afirmando. Existe uma pesquisa mundial que diz que não há um lugar no
planeta onde tenham encontrado alguma possibilidade para a evolução de um
psicopata. O ser humano ainda não conseguiu entender como funciona a cabeça
dele”.
Jeremias lembra ainda da mentira fictícia, que
embeleza a verdade, para torná-la uma arte. Porém, essa é uma mentira indefesa.
“Não existe uma classificação formal de mentirosos. A
mentira é da natureza humana, ela faz parte do comportamento humano. O
mentiroso entra em um campo de conduta psicótica quando atua no sentido de
fazer mal à sociedade, de prejudicar a sociedade. A política brasileira tem
exemplos imensuráveis”, disse o professor.
O psicanalista lembra-se da famosa história do
marketing alemão, na época da Segunda Guerra Mundial, de que “uma mentira
contada repetidamente mil vezes ganha status de verdade”, e acrescenta: “cabe a
gente, como eleitor, elucidar a mentira”.
“A massa costuma se deixar enganar pelo brilho
retórico de alguém que 'canta de galo'. O individuo é capaz de refletir, mas a massa está
preocupada em sobreviver reativamente. Então ela está disponível para ser
tocada por um berrante que toque bem.
Se aquele berrante faz bem ou mal, não está sendo
levado em conta. O importante é que ele se coloque no lugar da liderança de
massa”, acrescentou Christina.
Para a psicoterapeuta, o político mente porque sabe
que a sociedade vai absorver o que ele está dizendo. E as propostas para
precarizar a educação e a cultura, para ela, servem para facilitar esse
processo.
“Quem quer manipular sabe disso muito bem. A massa é
deseducada para ser mais facilmente enganada”, disse Christina.
Ela acrescenta ainda que existe uma tendência da
sociedade procurar heróis que entreguem os mentirosos políticos. E cita uma
frase do famoso dramaturgo, poeta e encenador alemão do século XX, Bertholt
Brecht, que diz: “Pobre do povo que precisa de herói”.
“O herói da vez será aquele que revelou a mentira.
Quem deveria construir a nação é o cidadão e não um herói. O perigo de descobrir
que o herói pode ser também um mentiroso é grande.
E não é que a massa seja incapaz de pensar nisso. “Ela
é cimentada, preparada, para reagir como tal, para não refletir isso”,
completou Christina.
Fonte: Reuters.
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