Plínio
Fraga.
Os
eventos de junho de 2013 se revelam mais perenes e importantes do que muitos
supunham. A candidatura de Marina Silva mudou o quadro eleitoral apoiada em
grande parte por apoiadores das manifestações e que parecem refratários à
chamada política tradicional. Não foi à toa que Eduardo Campos colocou a bandeira
do passa livre em seu programa de governo. Para quem não entende que mudanças
pedem os eleitores, é fácil buscar pistas claras. O mês de junho de 2013
surpreendeu o Brasil. Irromperam manifestações nada cordiais que levaram
milhões de pessoas às ruas por dias seguidos, em dezenas de capitais. Se é
preciso um marco zero, o reajuste nos preços das passagens de ônibus, trem e
metrô em São Paulo desencadeou um movimento que, de uma agenda limitada, passou
a ser o de maior contestação às estruturas políticas brasileiras desde o
impeachment do presidente Fernando Collor em 1992 e as campanhas em defesa das
eleições diretas para presidente em 1984. Meses antes, na fase final do
julgamento de lideranças políticas envolvidas com corrupção, o chamado
mensalão, meios de comunicação fizeram reportagens atestando suposta apatia da
população frente aquele que é rotulado como o maior escândalo da história
recente.
Quando do anúncio da sentença do Supremo Tribunal Federal, com a
condenação de mais de 30 envolvidos na corrupção do mensalão, as TVs
transmitiram ao vivo da praça dos Três Poderes, em Brasília. É um espaço de 25
mil metros quadrados, com capacidade para receber até 150 mil pessoas em grandes eventos, como posses presidenciais.
No dia do julgamento, menos de cem pessoas estavam à frente do Supremo Tribunal
Federal. Isto em outubro de 2012, menos de um ano antes do que ficou conhecida
como a ‟revolta de junho” No final de outubro de 2011, uma revista chegou a
fazer uma convocatória para que o país fosse às ruas. Vivia-se o auge dos
‟indignados” europeus, e a revista listou dez motivos com os quais os
brasileiros deveriam se indignar. Usou como ilustração para sua capa a máscara
símbolo de Guy Fawkes, ativista inglês do século 16, cuja imagem foi adotada
pelo movimento anarquista Anonymous, por sua participação em conspiração que
pretendia explodir o parlamento inglês. A legenda da revista não poderia ser
mais simpática: ‟Novos vingadores manifestantes com a máscara V de Vingança em
Brasília: por aqui, os protestos são contra os políticos corruptos”. Havia uma
corrente de queria pessoas nas ruas contra a corrupção sim, mas também em favor
de ideias liberais como Estado menor, com menos pagamento de imposto, já que a
burocracia e as políticas estatizantes do atual governo brasileiro só geram
mais desperdício, sejam por uma máquina ineficiente, seja por servidores
desonestos. De certa forma, era uma resposta a um artigo muito citado por
comentaristas na imprensa brasileira publicado no jornal espanhol ‟El
País”. Escrito por Juan Arias, um dos
decanos dos correspondentes estrangeiros em atuação no Brasil, ‟Por qué Brasil
no tiene indignados?”, havia sido publicado três meses antes e questionava
certa paralisia dos meios sociais nacionais a constantes revelações sobre
corrupção na administração pública.
Até o incendiário Guy Fawkes foi tratado com benevolência. Então era só
uma máscara, não um ideário perigoso. Mas isso iria mudar quando estourasse a
revolta de junho de 2013. Quase dois anos depois, os jovens brasileiros
mostrariam sua indignação ao correspondente espanhol, em particular, e ao
Brasil, em geral. Na primeira semana de junho 2013, algumas centenas de pessoas
começaram um protesto, em São Paulo, contra o reajuste de tarifas de ônibus,
trens e metrô. Coordenado pelo Movimento do Passe Livre, uma organização social
que há sete anos defende o transporte público gratuito para estudantes, os
manifestantes interditaram pela primeira vez a avenida Paulista, via símbolo do
centro da capital paulista. Na terça-feira, dia 12 de junho repetiram o
protesto e já eram pelo menos duas mil pessoas. O governador do Estado, que
estava em viagem oficial a Paris junto com o prefeito de São Paulo, classificou
o movimento de ‟caso de polícia”. A polícia interveio com violência, usando
cassetetes, balas de borracha, gás lacrimogêneo e spray com substâncias de causar
ardor nos olhos. Assim foi se desenhando o clima para a manifestação da
quinta-feira, dia 13. Foi o quarto ato em São Paulo e o mais violento por parte
da polícia. Mais de 200 detidos, centenas de feridos e intoxicados. Jornalistas
agredidos enquanto exerciam seu trabalho. Os vídeos de agressão policial se
multiplicaram. Os noticiários da televisão falaram em ‟noite de caos” na
capital paulista. Havia sido acendido o barril de pólvora que incendiaria o
país a partir de então. As manifestações em São Paulo cresceriam até juntar
cerca de 200 mil pessoas na semana seguinte. No Rio, 300 mil pessoas
protestariam no centro da cidade. Em Brasília, calculou-se em 150 mil. Em 20 de
junho, em todo o país, um portal de notícias calculava que havia 1 milhão de
pessoas nas ruas em diversas capitais. Os temas dos protestos se multiplicaram:
desperdício de dinheiro público com a construção de estádios para a Copa do
Mundo, desrespeito aos direitos humanos com desparecimento de cidadãos presos
pela polícia, transporte público, educação e saúde sem qualidade, falta de
representatividade e transparência dos diversos níveis do Executivo, do
Legislativo e do Judiciário. Pesquisas demonstraram que as avaliações dos
diversos governantes despencaram. Houve pressão para a derrubada de medidas
impopulares, como um projeto de lei que limitava os poderes de procuradores e
promotores investigarem políticos. Nas principais capitais, o preço das
passagens de ônibus, trem e metrô recuou ao nível anterior ao da jornada dos
protestos. Mas, no geral, os órgãos de imprensa que convocaram a população para
que fossem às ruas ficaram muito incomodados quando ela lá chegou. Primeiro
porque o momento era outro, as pautas eram outras. Não se tratava de um
protesto limitado a um grupo de políticos de um determinado partido, por um
crime específico. Havia um clima de que ninguém poderia controlar a demanda das
ruas. Democracia deveria ser a plena expressão de seus cidadãos. Mas, quando
eles recorrem a mais barulhenta das formas de se fazer ouvir, as manifestações,
quem está no poder prefere apegar-se às limitações da representação eleitoral. A
imagem de manifestante com cartaz de ‟ordem e progresso” na mão não era mais
fiel à realidade das ruas. Uma outra mensagem fazia mais sucesso nas mãos dos
ativistas, com o dito positivista pichado: "xxxem x progresso". Havia
outros slogans mais simpáticos e simples: ‟Fechamos as ruas para abrir novos
caminhos”. Ou: ‟Cidade muda não muda”.
*Plínio Fraga é jornalista e mestre em Comunicação e Cultura
pela UFRJ. Foi editor e repórter de Folha de S.Paulo, O Globo, Jornal do Brasil
e revista Piauí.
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