COMENTÁRIO
Scarcela Jorge.
Nobres:
É deveras deprimente vivenciar o Brasil provocar um embaraço
como em poucos episódios da história nacional. O país se move por inércia: as
instituições continuam funcionando, as pautas do Congresso Nacional e dos
tribunais superiores vão sendo cumpridas, mas é um movimento que apenas camufla
o tamanho da crise política que tomou Brasília. Com uma presidente da República
desmoralizada e sem uma base sólida de apoio no Legislativo para governar, e um
presidente da Câmara dos Deputados igualmente desmoralizado, envolvido em
denúncias de enriquecimento ilícito e ameaçado de cassação por quebra de decoro
parlamentar, os grandes assuntos do país e as grandes reformas que seriam
necessárias para tirar o Brasil da crise econômica ficam soterrados, aguardando
o desfecho de uma crise que é política e moral. Mas o país não pode esperar.
Enquanto Dilma Rousseff e Eduardo Cunha consagram o “acordão” e se escoram um
no outro para preservar as cabeças de ambos, o brasileiro comum, que deseja
trabalhar e empreender em paz, paga o preço de anos de desmandos na economia,
com inflação e desemprego em alta. As decisões que poderiam colocar o país de
volta no caminho do crescimento são adiadas justamente porque em Brasília a
presidente da República, o presidente da Câmara e os aliados de ambos só se
empenham em dançar a complexa coreografia do impeachment e da cassação,
mordendo e assoprando conforme as denúncias vão estourando. O vácuo de
estadistas atuais deveriam nos deixar ainda mais perplexos porque, no fim das
contas, o que tem de ser feito é simples e presente. Embora nem de longe seja possível
resumir as causas da paralisia nacional a apenas duas pessoas, elas são
importantíssimas para entender como chegamos à situação atual e, justamente por
isso, são a chave para destravar o país. É nesse contexto que se torna urgente
a saída de Eduardo Cunha da presidência da Câmara dos Deputados, o mínimo a se
esperar, pois o resultado ideal seria sua cassação pela evidente falta de
decoro cometida em depoimento na CPI da Petrobras, quando Cunha negou ter as
contas no exterior cuja existência está agora documentada pelo Ministério
Público na Suíça. Por muito menos já vimos renúncias de um presidente da
Câmara, Severino Cavalcanti, e de um presidente do Senado, Renan Calheiros
(depois reconduzido ao posto com as bênçãos do Planalto). Cunha já deu mostras
suficientes de que não pretende renunciar, o que é outro sintoma da decadência
moral da política praticada em Brasília. Na verdade, ele tanto se apega ao
cargo que colocou aliados para intimidar membros do Conselho de Ética que abriu
processo para investigar o presidente da Câmara. E, como sua prioridade
imediata é preservar o posto, Cunha acaba deixando em segundo plano seu
trabalho como presidente de uma das casas do Legislativo federal. Em crises
anteriores, sempre despontaram lideranças conciliadoras e vozes do bom senso. -
Ainda menino “ouvimos” através do rádio, único veículo de comunicação no
longínquo sertão do Ceará (Nova-Russas, hoje, onde retornamos) - a renúncia de
Jânio Quadros, em 1961, Tancredo Neves costurou a solução parlamentarista que,
pelo menos por algum tempo, retardou um golpe militar. Nos anos 70 e 80,
Ulysses Guimarães lutou, dentro dos marcos institucional pela redemocratização,
pelas Diretas e, depois, conduziu a Constituinte. Um dos elementos que
diferenciam a crise atual das crises do passado é a ausência de uma voz do bom
senso como foram Tancredo e Ulysses. Esse
vácuo de estadistas deveria nos deixar ainda mais perplexos porque, no fim das
contas, o que tem de ser feito é simples e evidente. Há tanta dificuldade assim
em ter um discurso claro e um posicionamento baseado em princípios, e não em
oportunismo? Um discurso agregador, com autoridade moral, dirigido a todos
aqueles que estejam genuinamente preocupados com os rumos do Brasil, e não em
preservar seus cargos ou partidos afundados em corrupção? Como é possível que
ninguém, hoje, nem na oposição, nem na situação, seja capaz de cumprir tarefa
tão essencial? A eventual solução do impasse que paralisa o Legislativo, no
entanto, é apenas meio caminho andado para que o Brasil volte a caminhar. Há outro
entrave à retomada do crescimento, e ele está no Palácio do Planalto, que não
está nem aí para alçar solução responsável, mas em lutar pelo poder junto ao
banditismo aliado e dar grandes sinais de querer implantar a sua essência de
democracia, dita por eles, em função de um marxismo decadente cuja realidade é
vista em todo mundo.
Antônio
Scarcela Jorge.
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