Desde a redemocratização e a retomada dos debates presidenciais, não se
via uma disputa tão acirrada, com tantas acusações e adjetivos nada lisonjeiros.
BRASÍLIA - Desde a primeira
eleição direta para presidente depois da ditadura militar, há 25 anos, o
eleitor não via uma disputa tão acirrada e tão agressiva para a Presidência
quanto a deste ano. A frase “você mente” esteve presente em vários debates, sempre
com o tom de voz alterado e cara de nenhum amigo. Outros adjetivos nada
lisonjeiros também frequentaram a boca de Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves
(PSDB). Nos momentos mais críticos dos embates diretos, ou nas propagandas de
TV, a petista apelou para insinuações contra o tucano envolvendo o fato de ele
não ter assoprado o bafômetro em uma blitz e usou duas ocasiões em que ele
chamou de “leviana” a própria presidente e a candidata do PSOL, Luciana Genro,
para dizer que ele era agressivo com as mulheres.
Fora dos debates, a pancadaria
continuou. O PSDB usou, o tempo todo, as denúncias de corrupção na Petrobras e
tentou vincular Dilma aos malfeitos. E levou-a às cordas ao afirmar que das
duas, uma: ou ela não sabia, como o ex-presidente Lula dizia a respeito do
mensalão e, por isso, era incompetente, ou sabia e não fez nada, o que a
tornaria conivente.
Já o PT utilizou uma fórmula já
testada anteriormente – com sucesso – para deixar o eleitor em dúvida sobre uma
eventual vitória do tucano. Não faltaram, na propaganda eleitoral de Dilma,
insinuações de que, Aécio eleito, não haveria dinheiro para o Minha Casa Minha
Vida, o Bolsa Família iria acabar, o desemprego voltaria e as taxas de juros
subiriam a níveis estratosféricos.
Em toda eleição, é comum que quem
está no poder queira explorar o bordão “para que trocar o certo pelo duvidoso”,
como fizeram Fernando Henrique em 1998, Lula em 2006 e Dilma agora. Em todos os
casos, os eleitores foram apresentados a fantasmas como a volta da inflação, o
fim de programas sociais ou o suposto despreparo do opositor. Quem enfrenta o
inquilino do Palácio do Planalto, por sua vez, ataca o que não deu certo e,
eleição após eleição, enumera os escândalos que permearam aquele mandato.
A inauguração dos debates no
período democrático, em 1989, levou à contenda dois candidatos com perfis
totalmente opostos. Como agora, naquela época havia uma nítida divisão entre os
eleitores, que se agrediam nas ruas e deixavam o clima tenso em todo o país. O
último debate entre Lula e Fernando Collor (PRN) foi uma síntese do que o país
vivia.
Eu pensei que meu adversário
viesse disposto a contribuir para elevar o nível da conscientização política,
mas parece que ele está disposto a virar o Pinóquio, atacou Lula.
Eu acho que aquele codinome de
Pinóquio que o deputado tenta colocar cabe muito bem a ele. Ele é que é um
grande Pinóquio. Até porque, pelo que eu saiba, o Pinóquio pelo menos lia, e eu
não sei se ele sabe ler, devolveu Collor, que por várias vezes insinuou que
Lula era analfabeto.
RECADOS INDIRETOS ONTEM E HOJE
A troca de acusações entre ambos
também teve sutilezas que poucos telespectadores entenderam, mas que serviam
como recados indiretos. Num determinado momento da contenda, Collor disse que
Lula tinha uma aparelhagem de som na casa dele que o próprio Collor, apesar de
ser milionário, não tinha na sua. O tal aparelho teria sido presenteado a Lula
por uma amiga e, ao tocar no assunto, Collor quis cutucar o petista com uma
questão pessoal.
Dilma, neste ano, perguntou a
Aécio se ele achava que todo cidadão deveria se dispor a fazer exame de álcool
e droga caso fosse parado em uma blitz. Era uma referência ao fato de ele ter
parado em uma blitz anos atrás e não ter feito o exame.
Tenha a coragem de fazer a
pergunta direta, rebateu Aécio.
Eu tive um episódio sim, e
reconheci, em que parei em uma Lei Seca porque minha carteira estava vencida e
ali, naquele momento, inadvertidamente, não fiz o exame. E me arrependi disso.
(...) Não é possível que a senhora queira fazer a mais baixa das campanhas
eleitorais até aqui. Não é possível, candidata, esse mar de lama em que se
transformaram as redes. Onde sua campanha ofende a mim, onde sua campanha
ofende minha família, complementou.
Em 1994 e 1998, não houve segundo
turno. Com o lançamento do Plano Real, os petistas passaram a classificá-lo
como “estelionato eleitoral” e tentaram atrelar ao programa a pecha de ser mais
uma proposta a la Collor.
Eu vou lembrar uma coisa: quando
Collor lançou o programa dele, imediatamente o povo dava 90% de aceitação a
Collor. Acho que a gente não pode jogar com essa coisa imediata. disse Lula.
Tem gente que torce visivelmente
para que o Real dê errado, mas não tem a coerência e a coragem de dizer isso na
TV porque sabe que a população está a favor do Real e que corre o risco de
perder o seu voto, afirmou Fernando Henrique em seu programa eleitoral,
inaugurando a era de “quem não está comigo está contra mim”, tão empregada,
depois, por Lula e pelo PT.
Nas eleições de 1998, o dossiê
Cayman, uma papelada que atribuía a existência de contas no exterior a vários
tucanos e que, se comprovou depois, era falsa, não chegou a ganhar o horário
eleitoral, mas consumiu páginas e páginas do noticiário. Na TV, o PT mostrava
cenas de pobreza espalhada pelo Brasil e dizia que os tucanos haviam criado o
“país das maravilhas”. Aloizio Mercadante, que era vice na chapa de Lula,
falava que o PT era o único partido ético e que a base de apoio a Fernando
Henrique era a mesma de Collor. Mas o eleitor não quis saber dessas “acusações”
e reelegeu o tucano ainda no primeiro turno.
Depois de três derrotas, Lula
chegou a 2002 com outra imagem. O “sapo barbudo”, alcunha conferida a Lula pelo
ex-governador Leonel Brizola, deu lugar à “Lulinha paz e amor”. Naquele ano,
entrou para a história das eleições o surgimento da atriz Regina Duarte na
propaganda de José Serra (PSDB) para dizer que temia pelo futuro do país caso o
petista ganhasse as eleições.
Estou com medo. Faz tempo que não
tenho medo. Porque o Brasil, nesta eleição, corre o risco de perder toda
estabilidade já conquistada. Eu sei que muita coisa precisa ser feita, mas
também tem muita coisa boa que já foi realizada. Não dá para ir tudo para a
lata do lixo, afirmou Regina Duarte, num discurso que poderia muito bem ter
sido escrito pela propaganda do PT no pleito deste ano.
Em 2006, como na eleição deste
ano, a corrupção deu o tom dos ataques do PSDB. O país havia descoberto o
mensalão no ano anterior, e os tucanos acreditaram que voltariam ao poder.
Geraldo Alckmin citou exaustivamente o assunto nos programas do partido e nos
debates e, sem meias palavras, acusou Lula de mentir. E o PT achou então uma
forma de abrir vantagem contra o adversário: as privatizações realizadas pelos
governos do PSDB.
Privatização foi leilão público,
na frente do povo, dinheiro colocado nos cofres públicos. É diferente de
dinheiro na cueca, de dólares nas caixas de uísque, de dinheiro em quarto de
hotel. É diferente de todo tipo de mensalão que tivemos no Brasil — afirmou
Alckmin.
A única coisa que vocês sabem
fazer é ou aumentar imposto ou vender patrimônio público para ter dinheiro para
poder fazer alguma obra, devolveu o petista.
ABORTO DOMINOU DISCUSSÕES EM 2010.
Há quatro anos, os temas tão
comuns em outras campanhas, como crescimento e investimentos na Saúde e na
Educação, deram lugar a um assunto que, a princípio, nada tem a ver com a
função de um presidente da República: o aborto. Nas ruas e nas redes sociais, a
questão dominou as discussões. Num dos debates na TV, José Serra afirmou que
Dilma era favorável ao aborto, enquanto a petista se dizia vítima de uma
campanha mentirosa por parte do PSDB.
Sua campanha procura me atingir
por meio de calúnias, mentiras e difamações. Estas calúnias têm sido muito claras
em vários momentos. Seu vice, a única coisa que ele faz sistematicamente é
criar grupos para me atingir até com questões religiosas num país conhecido por
sua tolerância, afirmou Dilma.
Em relação ao aborto, você disse,
com clareza, que era a favor da liberação do aborto. Depois diz o contrário.
Isso não é estratégia de adversário. Trata-se de ser coerente e não ter duas
caras, disse Serra.
Fonte: Agência O Globo.
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