domingo, 16 de fevereiro de 2014

JOÃO BATISTA PONTES

 COMENTÁRIO

USINA DE BIODIESEL DE CRATEÚS – COMO MINIMIZAR OS PREJUÍZOS SOCIAIS?

João Batista Pontes.

Por volta de 2004, quando o governo federal lançou o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), exultei e pensei: “finalmente chegou a vez dos meus conterrâneos do semiárido cearense”. Isto porque me lembrava de que no sertão de Nova Russas, onde nasci, a mamona era tal uma peste: crescia em todos os lugares. Mas feliz fiquei ainda quando, no dia 31 de janeiro de 2007, foi anunciada a inauguração da Usina de Biodiesel de Crateús, de propriedade da empresa Brasil Ecodiesel S. A., evento que contou com a presença de várias autoridades, dentre elas o então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e o Governador do Ceará, Cid Gomes . Era um passo significativo para consolidar a política governamental para a produção do biocombustível, por meio de parcerias público-privadas e de parcerias empresas-produtores da agricultura familiar. - O empreendimento – montagem de uma usina de transesterificação (produção de biodiesel), integrada a uma unidade de esmagamento (extração de óleo de grãos ou bagas, destinava-se à produção de biodiesel, com capacidade para produzir 118 milhões de litros/ano, a partir de mamona e soja, produzidos no Ceará e demais estados da Região.

Na realidade, ali tinha início uma tragédia anunciada, que escancara toda a fragilidade e inconsistência do sistema de planejamento governamental, assim como a dificuldade de articulação de parcerias público-privadas no Brasil; de atuação integrada das esferas federal, estadual e municipal para viabilização de políticas públicas; e de viabilização de parcerias empresas – produtores da agricultura familiar. - O final todos sabem: Pouco mais de dois anos da inauguração (2009) a usina teve a sua operação paralisada. A direção da empresa alegou dificuldade para obtenção de matéria-prima da agricultura familiar da região. Tal fato teria obrigado a empresa a adquirir soja de estados como Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Goiás e Bahia, com preços elevados o que, aliado ao custo de transporte, teria inviabilizado o empreendimento. E hoje (2014) a usina ainda está lá em Crateús sendo depredada, vendida aos pedaços, abandonada, sem que ninguém intervenha para evitar ou minimizar este desastre econômico e social. Em síntese: um enorme patrimônio econômico-social, muito provavelmente construído com recursos públicos (financiamento BNB, via FNE), a partir do discurso de promoção da melhoria das condições de vida dos pequenos produtores rurais e da população em geral do semiárido, está sendo desperdiçado, dilapidado. E a população do semiárido, que deveria ser beneficiada com os investimentos, permanece na pobreza e sem alternativa de renda. - Uma verdadeira tragédia! - E o mais triste: ninguém quer mais falar sobre este assunto. As populações e lideranças políticas regionais não articulam nenhum movimento reivindicatório junto aos órgãos públicos responsáveis, cobrando estudos de alternativas de reativação do empreendimento (uma usina de produção de biodiesel e de extração de óleos vegetais). Que lideranças são essas? que povo é este, que não reage, que nada reivindica, que nada sabe e nem quer saber? - Quais as causas do fracasso? Ninguém fez ainda uma análise aprofundada, o que é uma pena, pois poderíamos aprender e muito com essa experiência fracassada que inviabilizou ou, de certa forma, tornou mais difícil essa alternativa de produção e renda para o semiárido cearense. Restou, para os agricultores do Sertão de Crateús, a opção de fornecer a mamona para a Petrobrás – Usina de Quixadá, sem qualquer perspectiva de rendimento atrativo, principalmente porque persiste a desorganização dos agricultores e a falta de apoio mais consistente dos órgãos públicos competentes.
Numa situação como esta, é possível concluir-se que foram cometidos diversos erros e que, para a derrocada do empreendimento, concorreram vários fatores, dentre os quais se podem destacar:

1º) - A empresa envolvida que, tudo leva a crer, foi mais um dos tantos arranjos empresariais que se constituíram neste País, sob os auspícios dos governantes, visando apropriar-se do patrimônio público, por meio da obtenção incentivos fiscais, isenção de impostos, financiamentos de organismos públicos (BNDES, BNB e Fundos Constitucionais – FNE, FCO e FNO, entre outros), doações de terras públicas, facilidades e garantias para colocação da produção no mercado etc. Em contrapartida, essas empresas são pouco comprometidas com o social. Senão vejamos: - O grupo empresarial proprietário da Brasil Ecodiesel foi constituído em 2003 com vistas à produção de biodiesel, explorando os diversos incentivos fiscais e outras facilidades concedidos pelos governos estadual e federal. No Piauí, por exemplo, foi agraciado com a concessão de 40.000 Ha de terras (Fazenda Santa Clara, município de Floriano). Lá a usina também está desativada; - inicialmente constituída como empresa de capital limitado, a Brasil Ecodiesel em 2006 foi transformada em sociedade anônima, com o objetivo de captação de recursos na bolsa de valores, numa experiência também fracassada. As ações lançadas no mercado, em 22/11/2006 com IPO (Oferta Pública Inicial) de R$ 73,36, atingiram uma cotação máxima de R$ 101,91, em 06/07/2007, e estavam sendo vendidas a R$ 2,56, em 21/12/2011 ; - em 2008 foi considerado e aclamado com o maior grupo produtor de biodiesel do Brasil, com usinas implantadas em vários estados: Piauí, Ceará, Bahia, Mato Grosso, Goiás, Rio Grande do Sul e Maranhão; - Já em 2009, estavam todas as usinas com as operações suspensas e hoje a empresa nem mais existe – foi incorporada pela Vanguarda Agro S.A., que já declarou ter desistido de atuar na área do biodiesel;

2º) - A perda pela Ecodiesel, em 2009, do “selo combustível social”, a partir de avaliação do Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA de que a empresa não contribuiu para a inclusão social dos agricultores familiares, requisito exigidos para a concessão do selo - ou seja, estavam usufruindo os benefícios oferecidos por este instrumento, sem realizar as ações voltadas, principalmente, ao incentivo e apoio à agricultura familiar. Este fato impediu a empresa de continuar obtendo contratos para comercialização do biodiesel nos leilões da Agência Nacional de Petróleo - ANP e foi, sem dúvida, o principal fator que provocou o fechamento da empresa;

3º) - o problema ambiental – relacionado ao lançamento de glicerina, um subproduto do processo industrial, no Rio Poty -, ao que tudo indica, foi apenas mais um fator complicador, sem, no entanto, ter maior influência na suspensão das atividades da Brasil Ecodiesel em Crateús. As informações colhidas indicam que, no momento da deflagração do processo ambiental, a empresa não estava mais operando a usina;

4º) - A falta de entusiasmo e compromisso da maioria dos pequenos agricultores da região para intensificar a produção da mamona, decorrente da baixa rentabilidade da atividade, da insuficiência do incentivo concedido pelo Governo do Estado - que nunca chegou a inspirar certeza de continuidade aos produtores -, e da deficiência da assistência técnica. Tudo isto levou à insuficiência de matéria-prima para operação da usina que, desde o início, funcionou bem abaixo da sua capacidade de produção. Isto levou à crescente necessidade de importação de matéria-prima, principalmente soja, produzida em outros Estados. De observar-se que, no momento da inauguração, vários especialistas e órgãos da imprensa já apontavam a falta de organização da agricultura familiar e que a produção da matéria-prima (mamona) não estava viabilizada naquela região do semiárido. Os dados do próprio governo estadual mostravam que, a partir de 2005, a produção de mamona estava em forte declínio. E é evidente que nenhuma indústria se sustenta sem matéria-prima. Aliás, a lógica é que a produção da matéria-prima atraia as indústrias e não o contrário, como se queria neste caso;

5º) - A verdade é que o semiárido tem potencialidade para produzir oleaginosas para biodiesel (mamona, pinhão manso, girassol etc) e diversas outras possibilidades de produção e geração de renda. Mas não devemos nos esquecer – nós, habitantes do semiárido, e os governantes – que nos cabe, por meio do nosso esforço, desenvolver todo o trabalho necessário à viabilização dessas oportunidades. E isto exige conscientização e estímulos aos pequenos agricultores para: organização da produção, especialmente numa visão de economia solidária – associações e cooperativas de produtores; desenvolvimento de estudos e pesquisas visando aperfeiçoar as técnicas para alcançar níveis crescentes de produtividade; viabilização da estrutura para industrialização e organização do sistema de comercialização dos produtos. - Hoje, os especialistas afirmam que o óleo de mamona não pode ser usado para produção de biodiesel, vez que ele tem um valor muito superior ao biodiesel. Ou seja, utilizar o óleo de mamona (que tem um valor superior) para produzir uma quantidade menor de biodiesel (que tem ainda um valor inferior) seria um verdadeiro contrassenso econômico. Por isto, a opção das empresas proprietárias de usinas de produção de biodiesel, inclusive a Petrobrás, é utilizar outras matérias-primas, especialmente soja, que não é produzida pela agricultura familiar. - Mas são obrigadas a continuar comprando a mamona dos pequenos agricultores exclusivamente para manter as vantagens oferecidas pelo “selo combustível social”, mas não a utilizam na produção de biodiesel e sim a comercializam para outros fins. Isto porque, os incentivos governamentais atrativos para as empresas são concedidos exclusivamente para os produtores de biodiesel e não para a agricultura familiar, cujos benefícios são concedidos diretamente aos produtores. - Ao anunciar a desistência de atuar na produção de biodiesel, o grupo Vanguarda Agro deixou para trás problemas mal resolvidos, tais como: usinas paralisadas e sendo depredadas; problemas com as centenas de famílias vinculadas aos contratos de produção da mamona em parceria e aos projetos de assentamento, principalmente no Estado do Piauí (Fazenda Santa Clara, município de Floriano) etc. - Embora os diretores neguem, há notícias na imprensa afirmando que, no caso da usina de Crateús/CE: a) o empreendimento foi financiado pelo Banco do Nordeste, via Fundo Constitucional do Nordeste - FNE; b) a empresa obteve isenção de impostos e outros incentivos federais, estaduais e municipais; c) possivelmente as terras de propriedade da empresa no Ceará (no total de 3.980 ha, registrada em nome de uma empresa do Grupo – Enguia Power CE Ltda.) foram doadas pelo governo do Estado, a exemplo do que ocorreu no Piauí. Isto precisa ser corretamente apurado e só o Ministério Público tem condições de obter as informações corretas . A tendência atual é todo mundo negar que tenha participado, incentivado ou apoiado o empreendimento. - Tudo isto é muito lamentável e poderia ter sido evitado se os governantes tivessem mais atenção, mais responsabilidade, na estruturação da produção dos pequenos agricultores – fornecimento de sementes, assistência técnica, desenvolvimento de pesquisa para aumento da produtividade, aumento da renda gerada para o agricultor, disponibilização de água, financiamentos atrativos para os produtores, entre outras ações. Mas, ao que parece, o interesse e o compromisso maior é com as empresas. - O certo é que o mercado de biodiesel no Brasil está crescendo e deve crescer ainda mais, caso o governo venha a definir um novo marco regulatório, aumentando o percentual de adição do biodiesel ao óleo diesel comercializado no país. - Também é certo que a produção do óleo de mamona está cada vez atrativa, em face das demandas internas e externas por esse produto. No Brasil, a produção é insuficiente para atender às demandas crescentes das indústrias de lubrificantes, nylon, tintas, produtos secativos e ácido ricinoleico, que estão sendo supridas pela importação de grandes volumes dessa matéria-prima da Índia. - Diversos estados brasileiros estão se estruturando para a produção do óleo de mamona – hoje considerado um óleo nobre. De ressaltar-se que a planta desativada em Crateús conta – ou contava – com uma unidade de esmagamento, com capacidade para geração de óleo de mamona. - O que fazer? - Neste contexto, diante da total desorganização dos produtores rurais e da própria sociedade, sem qualquer força reivindicatória ou mesmo de compreensão da magnitude do desastre, cabe aos prefeitos e outras lideranças políticas regionais tomarem a si a iniciativa de cobrar dos governantes ações visando reverter, pelo menos em parte, os prejuízos sociais causados pelo fracasso do empreendimento. - O movimento poderia, por exemplo, ter início com a realização de um encontro na própria região, representantes dos diversos órgãos públicos federais e estaduais envolvidos, inclusive os eventuais bancos públicos financiadores do empreendimento, e os Ministérios Públicos para, ouvida as justificativas da empresa: - discutir as verdadeiras causas do fracasso do empreendimento, não com enfoque na busca de culpados, mas tentando fazer um aprendizado para o futuro;
- discutir a situação atual e a viabilidade de utilização dos equipamentos abandonados (usina de biodiesel e unidade de esmagamento) para alavancar o desenvolvimento da agricultura familiar e da população em geral do Sertão de Crateús e regiões vizinhas; - esboçar estratégias e planos de ação para o futuro, analisando-se, se viável, todas as formas possíveis de reativação do empreendimento e viabilização da produção da matéria-prima necessária - Discutir a viabilidade técnica e econômica da produção da mamona, ou outros tipos de oleaginosas na região; - Caso inviável, discutir e apontar novas formas de produção que possam ser desenvolvidas na região, de forma a garantir rentabilidade e condições dignas de vida para a população que nela vive; - cobrar, afinal, do governo federal o compromisso de honra com a agricultura familiar e com o semiárido nordestino que, aparentemente, como sempre foi esquecido, uma vez que nada tem sido feito nos últimos anos em substituição à fracassada experiência da usina de biodiesel de Crateús, salvo a concessão de bolsas e rendas familiares, que mais se parecem com esmolas. Isto deveria ser articulado com a urgência possível, como de fato o caso requer.

*João Batista Pontes – Geólogo – sociólogo - matemático – bacharelando em direito.
Novarrussense – residente em Brasília DF.







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