USINA DE BIODIESEL DE CRATEÚS – COMO MINIMIZAR OS
PREJUÍZOS SOCIAIS?
João Batista Pontes.
João Batista Pontes.
Por volta de 2004, quando o governo federal lançou o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), exultei e pensei: “finalmente chegou a vez dos meus conterrâneos do semiárido cearense”. Isto porque me lembrava de que no sertão de Nova Russas, onde nasci, a mamona era tal uma peste: crescia em todos os lugares. Mas feliz fiquei ainda quando, no dia 31 de janeiro de 2007, foi anunciada a inauguração da Usina de Biodiesel de Crateús, de propriedade da empresa Brasil Ecodiesel S. A., evento que contou com a presença de várias autoridades, dentre elas o então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e o Governador do Ceará, Cid Gomes . Era um passo significativo para consolidar a política governamental para a produção do biocombustível, por meio de parcerias público-privadas e de parcerias empresas-produtores da agricultura familiar. - O empreendimento – montagem de uma usina de transesterificação (produção de biodiesel), integrada a uma unidade de esmagamento (extração de óleo de grãos ou bagas, destinava-se à produção de biodiesel, com capacidade para produzir 118 milhões de litros/ano, a partir de mamona e soja, produzidos no Ceará e demais estados da Região.
Na realidade, ali tinha início uma tragédia anunciada, que escancara toda a fragilidade e inconsistência do sistema de planejamento governamental, assim como a dificuldade de articulação de parcerias público-privadas no Brasil; de atuação integrada das esferas federal, estadual e municipal para viabilização de políticas públicas; e de viabilização de parcerias empresas – produtores da agricultura familiar. - O final todos sabem: Pouco mais de dois anos da inauguração (2009) a usina teve a sua operação paralisada. A direção da empresa alegou dificuldade para obtenção de matéria-prima da agricultura familiar da região. Tal fato teria obrigado a empresa a adquirir soja de estados como Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Goiás e Bahia, com preços elevados o que, aliado ao custo de transporte, teria inviabilizado o empreendimento. E hoje (2014) a usina ainda está lá em Crateús sendo depredada, vendida aos pedaços, abandonada, sem que ninguém intervenha para evitar ou minimizar este desastre econômico e social. Em síntese: um enorme patrimônio econômico-social, muito provavelmente construído com recursos públicos (financiamento BNB, via FNE), a partir do discurso de promoção da melhoria das condições de vida dos pequenos produtores rurais e da população em geral do semiárido, está sendo desperdiçado, dilapidado. E a população do semiárido, que deveria ser beneficiada com os investimentos, permanece na pobreza e sem alternativa de renda. - Uma verdadeira tragédia! - E o mais triste: ninguém quer mais falar sobre este assunto. As populações e lideranças políticas regionais não articulam nenhum movimento reivindicatório junto aos órgãos públicos responsáveis, cobrando estudos de alternativas de reativação do empreendimento (uma usina de produção de biodiesel e de extração de óleos vegetais). Que lideranças são essas? que povo é este, que não reage, que nada reivindica, que nada sabe e nem quer saber? - Quais as causas do fracasso? Ninguém fez ainda uma análise aprofundada, o que é uma pena, pois poderíamos aprender e muito com essa experiência fracassada que inviabilizou ou, de certa forma, tornou mais difícil essa alternativa de produção e renda para o semiárido cearense. Restou, para os agricultores do Sertão de Crateús, a opção de fornecer a mamona para a Petrobrás – Usina de Quixadá, sem qualquer perspectiva de rendimento atrativo, principalmente porque persiste a desorganização dos agricultores e a falta de apoio mais consistente dos órgãos públicos competentes.
Numa situação como esta, é possível concluir-se que foram cometidos diversos erros e que, para a derrocada do empreendimento, concorreram vários fatores, dentre os quais se podem destacar:
1º)
- A empresa envolvida que, tudo leva a crer, foi mais um dos tantos arranjos
empresariais que se constituíram neste País, sob os auspícios dos governantes,
visando apropriar-se do patrimônio público, por meio da obtenção incentivos
fiscais, isenção de impostos, financiamentos de organismos públicos (BNDES, BNB
e Fundos Constitucionais – FNE, FCO e FNO, entre outros), doações de terras
públicas, facilidades e garantias para colocação da produção no mercado etc. Em
contrapartida, essas empresas são pouco comprometidas com o social. Senão
vejamos: - O grupo empresarial proprietário da Brasil Ecodiesel
foi constituído em 2003 com vistas à produção de biodiesel, explorando os
diversos incentivos fiscais e outras facilidades concedidos pelos governos
estadual e federal. No Piauí, por exemplo, foi agraciado com a concessão de
40.000 Ha de terras (Fazenda Santa Clara, município de Floriano). Lá a usina
também está desativada; - inicialmente
constituída como empresa de capital limitado, a Brasil Ecodiesel em 2006 foi
transformada em sociedade anônima, com o objetivo de captação de recursos na
bolsa de valores, numa experiência também fracassada. As ações lançadas no
mercado, em 22/11/2006 com IPO (Oferta Pública Inicial) de R$ 73,36, atingiram
uma cotação máxima de R$ 101,91, em 06/07/2007, e estavam sendo vendidas a R$
2,56, em 21/12/2011 ; - em 2008 foi considerado
e aclamado com o maior grupo produtor de biodiesel do Brasil, com usinas
implantadas em vários estados: Piauí, Ceará, Bahia, Mato Grosso, Goiás, Rio
Grande do Sul e Maranhão; - Já em 2009,
estavam todas as usinas com as operações suspensas e hoje a empresa nem mais
existe – foi incorporada pela Vanguarda Agro S.A., que já declarou ter
desistido de atuar na área do biodiesel;
2º)
- A perda pela Ecodiesel, em 2009, do “selo combustível social”, a partir de
avaliação do Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA de que a empresa não
contribuiu para a inclusão social dos agricultores familiares, requisito
exigidos para a concessão do selo - ou seja, estavam usufruindo os benefícios
oferecidos por este instrumento, sem realizar as ações voltadas, principalmente,
ao incentivo e apoio à agricultura familiar. Este fato impediu a empresa de
continuar obtendo contratos para comercialização do biodiesel nos leilões da
Agência Nacional de Petróleo - ANP e foi, sem dúvida, o principal fator que
provocou o fechamento da empresa;
3º) - o problema ambiental – relacionado ao lançamento de glicerina, um subproduto do processo industrial, no Rio Poty -, ao que tudo indica, foi apenas mais um fator complicador, sem, no entanto, ter maior influência na suspensão das atividades da Brasil Ecodiesel em Crateús. As informações colhidas indicam que, no momento da deflagração do processo ambiental, a empresa não estava mais operando a usina;
4º) - A falta de entusiasmo e compromisso da maioria dos pequenos agricultores da região para intensificar a produção da mamona, decorrente da baixa rentabilidade da atividade, da insuficiência do incentivo concedido pelo Governo do Estado - que nunca chegou a inspirar certeza de continuidade aos produtores -, e da deficiência da assistência técnica. Tudo isto levou à insuficiência de matéria-prima para operação da usina que, desde o início, funcionou bem abaixo da sua capacidade de produção. Isto levou à crescente necessidade de importação de matéria-prima, principalmente soja, produzida em outros Estados. De observar-se que, no momento da inauguração, vários especialistas e órgãos da imprensa já apontavam a falta de organização da agricultura familiar e que a produção da matéria-prima (mamona) não estava viabilizada naquela região do semiárido. Os dados do próprio governo estadual mostravam que, a partir de 2005, a produção de mamona estava em forte declínio. E é evidente que nenhuma indústria se sustenta sem matéria-prima. Aliás, a lógica é que a produção da matéria-prima atraia as indústrias e não o contrário, como se queria neste caso;
5º)
- A verdade é que o semiárido tem potencialidade para produzir oleaginosas para
biodiesel (mamona, pinhão manso, girassol etc) e diversas outras possibilidades
de produção e geração de renda. Mas não devemos nos esquecer – nós, habitantes
do semiárido, e os governantes – que nos cabe, por meio do nosso esforço,
desenvolver todo o trabalho necessário à viabilização dessas oportunidades. E
isto exige conscientização e estímulos aos pequenos agricultores para:
organização da produção, especialmente numa visão de economia solidária –
associações e cooperativas de produtores; desenvolvimento de estudos e
pesquisas visando aperfeiçoar as técnicas para alcançar níveis crescentes de
produtividade; viabilização da estrutura para industrialização e organização do
sistema de comercialização dos produtos. -
Hoje, os especialistas afirmam que o óleo de mamona
não pode ser usado para produção de biodiesel, vez que ele tem um valor muito
superior ao biodiesel. Ou seja, utilizar o óleo de mamona (que tem um valor
superior) para produzir uma quantidade menor de biodiesel (que tem ainda um
valor inferior) seria um verdadeiro contrassenso econômico. Por isto, a opção
das empresas proprietárias de usinas de produção de biodiesel, inclusive a
Petrobrás, é utilizar outras matérias-primas, especialmente soja, que não é
produzida pela agricultura familiar. - Mas
são obrigadas a continuar comprando a mamona dos pequenos agricultores
exclusivamente para manter as vantagens oferecidas pelo “selo combustível
social”, mas não a utilizam na produção de biodiesel e sim a comercializam para
outros fins. Isto porque, os incentivos governamentais atrativos para as
empresas são concedidos exclusivamente para os produtores de biodiesel e não
para a agricultura familiar, cujos benefícios são concedidos diretamente aos
produtores. - Ao anunciar a desistência de
atuar na produção de biodiesel, o grupo Vanguarda Agro deixou para trás
problemas mal resolvidos, tais como: usinas paralisadas e sendo depredadas;
problemas com as centenas de famílias vinculadas aos contratos de produção da
mamona em parceria e aos projetos de assentamento, principalmente no Estado do
Piauí (Fazenda Santa Clara, município de Floriano) etc. - Embora os diretores neguem, há notícias na imprensa
afirmando que, no caso da usina de Crateús/CE: a) o empreendimento foi
financiado pelo Banco do Nordeste, via Fundo Constitucional do Nordeste - FNE;
b) a empresa obteve isenção de impostos e outros incentivos federais, estaduais
e municipais; c) possivelmente as terras de propriedade da empresa no Ceará (no
total de 3.980 ha, registrada em nome de uma empresa do Grupo – Enguia Power CE
Ltda.) foram doadas pelo governo do Estado, a exemplo do que ocorreu no Piauí.
Isto precisa ser corretamente apurado e só o Ministério Público tem condições
de obter as informações corretas . A tendência atual é todo mundo negar que
tenha participado, incentivado ou apoiado o empreendimento. - Tudo isto é muito lamentável e poderia ter sido evitado
se os governantes tivessem mais atenção, mais responsabilidade, na estruturação
da produção dos pequenos agricultores – fornecimento de sementes, assistência
técnica, desenvolvimento de pesquisa para aumento da produtividade, aumento da
renda gerada para o agricultor, disponibilização de água, financiamentos
atrativos para os produtores, entre outras ações. Mas, ao que parece, o
interesse e o compromisso maior é com as empresas. - O certo é que o mercado de biodiesel no Brasil está
crescendo e deve crescer ainda mais, caso o governo venha a definir um novo
marco regulatório, aumentando o percentual de adição do biodiesel ao óleo
diesel comercializado no país. - Também é
certo que a produção do óleo de mamona está cada vez atrativa, em face das
demandas internas e externas por esse produto. No Brasil, a produção é
insuficiente para atender às demandas crescentes das indústrias de
lubrificantes, nylon, tintas, produtos secativos e ácido ricinoleico, que estão
sendo supridas pela importação de grandes volumes dessa matéria-prima da Índia.
- Diversos estados brasileiros estão se
estruturando para a produção do óleo de mamona – hoje considerado um óleo
nobre. De ressaltar-se que a planta desativada em Crateús conta – ou contava –
com uma unidade de esmagamento, com capacidade para geração de óleo de mamona. -
O que fazer? - Neste
contexto, diante da total desorganização dos produtores rurais e da própria
sociedade, sem qualquer força reivindicatória ou mesmo de compreensão da
magnitude do desastre, cabe aos prefeitos e outras lideranças políticas
regionais tomarem a si a iniciativa de cobrar dos governantes ações visando
reverter, pelo menos em parte, os prejuízos sociais causados pelo fracasso do
empreendimento. - O movimento poderia, por
exemplo, ter início com a realização de um encontro na própria região,
representantes dos diversos órgãos públicos federais e estaduais envolvidos,
inclusive os eventuais bancos públicos financiadores do empreendimento, e os
Ministérios Públicos para, ouvida as justificativas da empresa: - discutir as verdadeiras causas do fracasso do
empreendimento, não com enfoque na busca de culpados, mas tentando fazer um
aprendizado para o futuro;
- discutir a situação atual e a viabilidade de utilização dos equipamentos abandonados (usina de biodiesel e unidade de esmagamento) para alavancar o desenvolvimento da agricultura familiar e da população em geral do Sertão de Crateús e regiões vizinhas; - esboçar estratégias e planos de ação para o futuro, analisando-se, se viável, todas as formas possíveis de reativação do empreendimento e viabilização da produção da matéria-prima necessária - Discutir a viabilidade técnica e econômica da produção da mamona, ou outros tipos de oleaginosas na região; - Caso inviável, discutir e apontar novas formas de produção que possam ser desenvolvidas na região, de forma a garantir rentabilidade e condições dignas de vida para a população que nela vive; - cobrar, afinal, do governo federal o compromisso de honra com a agricultura familiar e com o semiárido nordestino que, aparentemente, como sempre foi esquecido, uma vez que nada tem sido feito nos últimos anos em substituição à fracassada experiência da usina de biodiesel de Crateús, salvo a concessão de bolsas e rendas familiares, que mais se parecem com esmolas. Isto deveria ser articulado com a urgência possível, como de fato o caso requer.
- discutir a situação atual e a viabilidade de utilização dos equipamentos abandonados (usina de biodiesel e unidade de esmagamento) para alavancar o desenvolvimento da agricultura familiar e da população em geral do Sertão de Crateús e regiões vizinhas; - esboçar estratégias e planos de ação para o futuro, analisando-se, se viável, todas as formas possíveis de reativação do empreendimento e viabilização da produção da matéria-prima necessária - Discutir a viabilidade técnica e econômica da produção da mamona, ou outros tipos de oleaginosas na região; - Caso inviável, discutir e apontar novas formas de produção que possam ser desenvolvidas na região, de forma a garantir rentabilidade e condições dignas de vida para a população que nela vive; - cobrar, afinal, do governo federal o compromisso de honra com a agricultura familiar e com o semiárido nordestino que, aparentemente, como sempre foi esquecido, uma vez que nada tem sido feito nos últimos anos em substituição à fracassada experiência da usina de biodiesel de Crateús, salvo a concessão de bolsas e rendas familiares, que mais se parecem com esmolas. Isto deveria ser articulado com a urgência possível, como de fato o caso requer.
*João Batista Pontes – Geólogo – sociólogo -
matemático – bacharelando em direito.
Novarrussense – residente em Brasília DF.
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