COMENTÁRIO
Scarcela
Jorge
‘CRONAGEM’ IDEOLÓGICA
NOBRES:
Depois de praticamente sepultada
a infeliz tentativa de, por meio da PEC 33, arrebatar do Supremo Tribunal
Federal (STF) suas amplas prerrogativas de julgar a constitucionalidade das
leis, o PT volta à carga com outra proposta praticamente com o mesmo objetivo,
embora de forma mais branda e restrita na comparação com a anterior. O autor da
nova iniciativa é o ex-presidente da Câmara Marco Maia, que em passado muito
recente já demonstrava arroubos por “resistir” contra a então provável decisão
do STF de cassar de imediato os mandatos de parlamentares condenados por sua
participação no esquema do mensalão. Inconformado, o Deputado Marco Maia
recolhe assinaturas para apresentar uma nova proposta de emenda à Constituição
(PEC) para impedir que o Supremo possa suspender liminarmente projeto de lei ou
emenda constitucional por decisão monocrática (por apenas um dos 11 ministros
que compõem a corte) nas ações diretas de inconstitucionalidade ou
declaratórias de constitucionalidade. A iniciativa em tudo se parece com uma
retaliação a uma recente decisão monocrática, tomada pelo ministro Gilmar
Mendes, que determinou ao Congresso que suspenda a tramitação do projeto de lei
que dificulta a vida de novos partidos ao impedir que deputados que aderissem
às novas legendas levassem conseguir tempo de televisão e recursos do Fundo
Partidário. Alusivo a este aspecto Marco Maia pode não entender de
Constituição; pode não conhecer o princípio da independência dos poderes; pode
não saber que decisões liminares, monocráticas, são provisórias e que,
obrigatoriamente, serão depois submetidas ao colegiado do STF. Talvez também
não saiba que, em razão do princípio da “periculum in mora” - expressão latina
que obriga os juízes a tomar decisões rápidas quando o perigo é iminente –, é
justo e necessário que, no seu papel de guardião da Constituição, o Supremo se
manifeste de forma monocrática. Entretanto, bom petista, Marco Maia sabe que a
decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes atentou contra um projeto de seu partido e do
governo que apoia algo que, na visão
estreita própria dos autoritários, é inadmissível. Essa visão, já claramente
insinuada, é a de que não convém ao PT e ao governo que novos partidos se
organizem, especialmente se estes constituírem provável ameaça de agitar os
mares tranquilos da reeleição de Dilma Rousseff e da perpetuação do PT como
partido hegemônico. Nasce provavelmente dessa visão a PEC intentada pelo
deputado Marco Maia. Se o que propõe não é tão absurdo quanto submeter matérias
constitucionais até mesmo a plebiscitos populares (como prevê a PEC 33), mantém
em seu núcleo o mesmo defeito de cercear o papel intocável do Poder Judiciário
castrando-lhe uma prerrogativa inscrita como cláusula pétrea da Constituição
Federal. No DNA da proposta do
parlamentar gaúcho encontram-se os genes que dão cara à canhestra “ideologia”
bolivariana gestada por Hugo Chávez, que pôs de joelhos e a seu serviço o Poder
Judiciário da Venezuela. O deputado precisa recolher pelo
menos 171 assinaturas para que a matéria seja apresentada à Mesa da Câmara, que
por sua vez pode encaminhá-la à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Se
aprovada pela CCJ, seguem-se trâmites internos para que, enfim, chegue à
votação em dois turnos pelo plenário. Depois, ainda, vai para o Senado, para
seguir o mesmo rito. Só então, se acolhida pelas duas Casas do Congresso, a
emenda pode ser promulgada para tornar-se parte integrante da Constituição. Logo,
ainda que se possa responsabilizar o deputado Marco Maia pela estupidez da
ideia, ela não prosperará se prevalecer o bom senso e o respeito aos poderes
constituídos da República entre a maioria dos parlamentares que compõem a
Câmara e o Senado. Cabe, pois, aos demais a tarefa de barrar a iniciativa já no
seu nascedouro. É o que pede a maioria conscienciosa da sociedade brasileira,
para a qual o bravo maior a ser defendido é a própria democracia ainda que se formatasse
a estas excrescências.
Antônio Scarcela Jorge.
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