COMENTÁRIO
Lobbysmo incomensurável no Congresso.
NOBRES: - veja bem! - se o
Congresso Nacional se curvar ao lobby policial, o Ministério Público corre o
risco de perder em breve o poder de investigar. Um primeiro passo já foi dado:
na semana passada, Comissão Especial da Câmara dos
Deputados aprovou projeto de emenda constitucional que torna de
exclusiva competência da Polícia
Federal e das polícias civis estaduais a atribuição de investigar questões de
natureza criminal. A partir de agora, sem prazo definido, a proposta segue para
debate e votação em plenário. O principal argumento dos defensores da limitação
dos poderes do MP está no fato de que, em seu entendimento, a instituição não
pode concentrar ao mesmo tempo os poderes de investigar e denunciar.
Caber-lhe-á, se aprovada a emenda, tão-somente examinar os inquéritos
policiais, tipificar os crimes, indiciar os acusados e encaminhar a denúncia ao
Judiciário. Nada de utilizar meios e instrumentos que lhe são próprios param
também tomar a iniciativa de investigações ou, paralelamente, contribuir para a
elucidação dos casos que lhe chegam ao conhecimento. Afora o fato de a
tentativa de cercear as competências do Ministério Público ter motivação
corporativista, dada a visão exclusivista da numerosa bancada que representa as
classes policiais, vislumbram-se interesses que extrapolam este círculo. Em
favor desta tese, reside a constatação do medo – pânico, diríamos – que o poder
e o prestígio do MP evocam entre não poucos integrantes do Congresso Nacional e
agregados a esta esfera política. Quanto mais distantes estiverem os promotores
de seus calcanhares, melhor. E é exatamente isto que, na prática, propõe a
emenda. O lobby e o medo também explicam a pressa do Congresso em atravessar o
caminho do Supremo Tribunal Federal, que já estava avaliando a questão, em um
processo relativo ao recurso de um ex-prefeito de uma cidade mineira, acusado
de crime de responsabilidade em denúncia investigada pelo MP. Em 2009, o STF já
havia decidido que o veredicto deste caso servirá de base para o entendimento
geral sobre o poder de investigar do MP. Em junho deste ano, o ministro Luiz
Fux pediu vistas do processo, que se encontra parado até o momento. Além de
essa ser uma ideia infeliz para um país tão afetado pela corrupção e com
instituições tão frágeis quando se trata de defender o povo contra ações
ilegais do Estado – e este é um dos papéis fundamentais do Ministério Público
–, há argumentos jurídicos e de ordem prática em favor do poder de investigação
do MP. Um dos principais fatores a levar em consideração é a própria
independência do órgão. Com as polícias estaduais e a Polícia Federal
subordinadas ao Poder Executivo (o que não se questiona, já que faz todo o
sentido não conceder independência a corporações armadas), nunca pode ser
descartado o risco de ingerências indevidas dependendo dos fatos, interesses ou
personagens envolvidos. Um MP livre desse tipo de interferência e cujos membros
têm formação especializada – sem demérito para as organizações policiais, que
cumprem papel relevante e indispensável em outras áreas da segurança – permite
confiar em um trabalho eficaz em situações que, de outra forma, teriam
investigações prejudicadas por toda sorte de objeções e obstáculos. Do ponto de
vista jurídico, não há na Constituição Federal nada que coíba a sua iniciativa
ou participação em procedimentos investigatórios. Assim como não há também
nenhum dispositivo que defina como exclusivo das polícias o exercício de tal
tarefa. O que a lei impede é que uma mesma instituição acumule a dupla função
de investigar e julgar. Definitivamente, não é este o caso do MP que, após
investigar, apenas oferece à denúncia a outra instância judicial. Portanto, o
que resta da proposição da emenda cerceadora é tão-somente a tentativa de
provocar um evidente malefício à causa principal: a de ampliar e tornar mais
eficientes e eficazes os instrumentos institucionais voltados ao combate ao
crime. Roga-se pelo bom senso dos legisladores. Muito acima dos interesses de autoproteção
que porventura os estejam impelindo a reduzir as competências do Ministério
Público está o interesse coletivo. E esta instituição a cada dia dá mostras
cabais de que está à altura de representá-lo e defendê-lo.
Antônio Scarcela Jorge
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