SCARCELA JORGE |
COMENTÁRIO
Scarcela Jorge.
ILUSÃO DESVAIRADA.
Nobres:
Tem milhares de brasileiros fanáticos por o corrupto Lula que por sinal
é nato da ideologia marxista. Neste contexto
ainda a Revolução Russa trepida em muitas almas. É verdade, o seu
epílogo ocorreu no Natal de 1991, ontem. Vista como processo que duraram 70
anos e não apenas como ato de um único dia em outubro de 1917, provoca vívidas
cisões passionais por falta de distanciamento histórico. Por isso, as plagas
atrasadas presenciam, em 2017, acerbos debates entre quem pretende reencenar o
script revolucionário e os que entendem ter sido apenas mais uma miragem. Por
isso, análises frias, conectadas aos fatos, tendem a ser repudiadas pelos passionais.
Dos muitos aspectos existentes, optamos por analisar a confusão entre o fim da
Guerra Fria, a débâcle da URSS
e a perda de élan do marxismo na parte civilizada do mundo. São três eventos
muito próximos no tempo e correlacionados, mas não é a mesma coisa. A míngua da
crença no marxismo redundou na eleição de Gorbachev para a chefia da União
Soviética; a pobreza econômica da União Soviética a fez perder a capacidade de
manter o equilíbrio do terror nuclear que caracterizava a Guerra Fria; as fragilidades
do centro de poder ensejaram a ressurreição das nacionalidades aprisionadas
pela mão imperial da Rússia, e essas seccionaram o Estado federal soviético. É
possível imaginar situação na qual a URSS ficasse parecida com a China atual e
não sumisse (literalmente) do mapa. O império com maior extensão territorial e
poder militar da história ruiu sem estrondo, apenas com gemidos. Todos os
outros impérios europeus findaram com muito sangue. A França praticou
carnificinas na Indochina e Argélia. O Reino Unido espalhou guerras para manter
colônias. Portugal reteve Angola e Moçambique sob jugo militar até os anos 70.
Bélgica, Holanda, Espanha, Itália, em maior ou menor grau também foram
metrópoles de longínquas colônias tropicais, das quais exauriam a seiva. Nessa perspectiva, a União Soviética era apenas a face
política e jurídica de mais um império europeu. Alcançava as adjacências da
Rússia, sem possessões ultramarinas. Porém, do ponto de vista dos povos
bálticos, dados de brinde pelos nazistas a Stalin, dos ucranianos e da franja
islâmica a sudeste de Moscou, o czar e o secretário-geral do Partido Comunista
da União Soviética tinham o mesmo efeito prático: subordinação. Extinto o
império, os pobres do início perceberam-se pobres no fim. IDH 0,62 do Tajiquistão
e 0,80 da Rússia. Aquele, similar ao IDH dos grotões do Brasil; esta,
semelhante a São Paulo. Os 70 anos de camaradagem comunista não equalizaram a
distribuição da riqueza. A debilidade intelectual do marxismo-leninismo é tão
óbvia que o espanto não ocorre pela perda de adeptos, mas sim por ter
conseguido fiéis. Coisa da natureza humana: idéias que mexem com emoções tendem
a ser atraentes, ainda que sejam racionalmente estúpidas. Mais hora menos hora
essa religião laica, crente na força metassocial do materialismo histórico,
iria se tornar démodé. A
vitória norte-americana na Guerra Fria também foi se desenhando a partir da
aceleração tecnológica dos anos 60. A URSS fazia blindados, mísseis, aviões
fantásticos, mas não gerou a internet, a Microsoft, Google, Apple, IBM etc. A
capacidade militar deixou de ser aferida por tonelada e passou a ser medida em
bytes, sem que isso fosse combinado com os russos. Aí, eles perderam o jogo. A
estupefação, quase incredulidade, persiste ante a implosão da URSS. os últimos dias da União Soviética,
narra e analisa os estertores da federação dos “povos amigos do socialismo”,
dizendo que o Ocidente não almejava o fim do Estado soviético, entre outros
motivos por medo da fragmentação em micro potências nucleares. Todos foram
surpreendidos pela evaporação daquilo que parecia tão sólido. Pena que na intelligentsia brasileira o vapor da
sublimação da URSS sirva para embaçar a visão, prolongando a ilusão de quem no
hospício é Lênin, não Napoleão. É fator ideológico que especifica a utopia.
Antônio Scarcela Jorge.
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