COMENTÁRIO
Scarcela
Jorge
MODO CIENTÍFICO NA
CORRUPÇÃO
Nobres:
Após ser evidenciado “o escândalo
do mensalão” a sociedade testemunhou a oratória discorrida pelo PT em face do
escândalo do mensalão. O noticiário, ensinou, constituiria uma tentativa de
“golpe das elites” contra o “governo popular” de Lula. Durante essa trajetória
houve a reativação sua linha de montagem de discursos “científicos” adaptados
às conveniências do lulismo. Dessa vez, para crismar o julgamento do mensalão
como “julgamento de exceção” conduzido por uma corte “pré-democrática”. Ora; o
discurso científico sucumbe no pântano da fraude quando é rebaixado ao estatuto
de ferramenta política de ocasião. Os ministros do STF narraram uma história de
apropriação criminosa de recursos públicos e de fabricação de empréstimos
fraudulentos pela direção do PT, que se utilizou, para tanto, das prerrogativas
de quem detém o poder de Estado. Isso eles se recusam a discutir, como se o que
eles estão julgando não fosse algo comum como se fosse algum projeto maligno.
Mas cientistas “petistas” interpretam os veredictos dos ministros contra os
operadores políticos (ou seja: os dirigentes do PT) como frutos de um “desprezo
aristocrático” à “política profissional”. O dinheiro desviado serviu para
construir uma coalizão governista destituída de um mínimo de consenso político,
explicou a maioria do STF. Os cientistas, porém, atribuem o diagnóstico a uma
natureza “pré-democrática” de juízes incapazes de compreender tanto os defeitos
da legislação eleitoral brasileira quanto o funcionamento dos “sistemas de
representação proporcional”, que “são governados por coalizões das mais
variadas”. O núcleo do argumento serviria para a defesa de todo e qualquer
“mensalão”. Os acusados tucanos do “mensalão mineiro” e os acusados do DEM do
“mensalão de Brasília” estão tão amparados quanto os petistas por uma concepção
da “política profissional” que invoca a democracia para justificar a fraude do
sistema de representação popular e qualifica como aristocráticos os esforços
para separar a esfera pública da esfera privada. A teoria política da corrupção
formulada pelos intelectuais deve ser lida como um manifesto em defesa de
privilégios de impunidade judicial do conjunto da elite política brasileira.
Mas, obviamente, o argumento perde a força persuasiva se for lido como aquilo
que, de fato, é. A insurreição “aristocrática” do STF contra a “política
democrática” derivaria da rejeição a uma novidade histórica: a irrupção da
“política popular de mobilização”, representada pelo PT. A corte suprema
estaria “reagindo à democracia em ação” por meio de um “julgamento de exceção”,
um evento singular que “jamais vai acontecer de novo”. É nesse ponto do
raciocínio que a teoria política da corrupção se transforma na corrupção da
teoria política. Uma regra inviolável do discurso científico, um discurso só tem
estatuto científico se está aberto a argumentos racionais contrários. Quando
apela à profecia de que os tribunais não julgarão outros casos com base na
jurisprudência estabelecida nos veredictos do mensalão, os cientistas
adentram-se pela vereda da fraude. A sua hipótese sobre o futuro – que,
logicamente, não pode ser confirmada ou falseada Há duas leituras
contrastantes, ambas coerentes, sobre o “mensalão do PT”. A primeira acusa o
partido de agir “como os outros”, entregando-se às práticas convencionais da
tradição patrimonial brasileira e levando-as a consequências extremas. O
diagnóstico, uma “crítica pela esquerda”, interpreta o extenso arco de alianças
organizado pelo lulismo como fonte de corrupção e atestado da falência da
natureza transformadora do PT. A segunda acusa o partido de operar, sob o
impulso de um projeto de poder autoritário, com a finalidade de quebrar os
contrapesos parlamentares ao Executivo e perpetuar-se no governo. A “crítica
pela direita” distingue o “mensalão do PT” de outros casos de corrupção
política, enfatizando o caráter centralizado e as metas de longo prazo do
conjunto da operação. É uma celebração da corrupção inerente à política
patrimonial tradicional, que seria a “política profissional” nos “sistemas de
representação proporcional”. Seu verniz aparente, por outro lado, é um elogio
exclusivo da corrupção petista, que expressaria a “irrupção da política de
mobilização popular” e a “democracia em ação”. Na fronteira onde o pensamento
acadêmico se conecta com a empulhação militante, o paradoxo pode até ser
batizado como dialética.
Antônio Scarcela Jorge
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