"Nós somos a opinião pública", disse o presidente. Entidades reagiram.
- Marcus Vinicius Furtado Coelho, da OAB: "Ele é hábil com as palavras e acaba dirigindo o debate para o papel da imprensa, quando uma investigação deveria ser discutida"
Durante comício na cidade de Campinas (SP), no último
sábado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva esbravejou declarações
agressivas contra a imprensa que causaram indignação em vários setores da
sociedade. Temendo que a ligação de sua candidata à Presidência da República,
Dilma Rousseff, com a ex-ministra Erenice Guerra, envolvida em escândalos na Casa Civil, causasse
reflexos na corrida eleitoral, Lula acionou o botão de emergência.
Em um discurso inflamado, atacou os veículos de
comunicação, classificando-os como destiladores de ódio e mentira. "O que
eles não se conformam é o pobre estar conseguindo enxergar com os seus olhos,
não precisa do tal do formador de opinião pública. Nós somos a opinião pública
e nós mesmos nos formamos", disse. De acordo com especialistas consultados
pelo site de VEJA, Lula passou dos limites quando deixou a emoção dominar suas
palavras em cima do palanque.
Especialista em direito eleitoral e secretário-geral
da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinicius Furtado Coelho acredita
que Lula tem desviado o foco da questão ao atacar a imprensa em vez de discutir
o mérito das denúncias contra integrantes de seu governo. "Ele é hábil com
as palavras e acaba dirigindo o debate para o papel da imprensa, quando uma
investigação deveria ser discutida". Para Coelho, um comentário do presidente
deve ser encarado com cautela. "Lula fala do alto de sua popularidade e
acaba se convencendo de que a opinião dele é a da maioria do povo, mas a
verdade é filha do tempo, não da autoridade, como disse Abraham Lincoln",
rebate o secretário-geral da OAB.
Professora de direito eleitoral da Universidade de São
Paulo (USP), Monica Herman Caggiano considera a fala do presidente um
"discurso típico de comício" e defende que ele demonstrou ter medo da
crítica. "Na realidade, ele não está no ataque, mas na defesa. Criticou a
imprensa porque se sentiu incomodado e com medo de que as denúncias atinjam a
campanha".
Já o professor de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB), Antonio Jorge Ramalho, acredita que esse tipo
de "opinião inflamada não vai modificar o processo eleitoral".
"Quando Lula afirma que "nós somos a opinião pública", explica
Ramalho, ele está querendo associar-se ao povo mais pobre. "Mas não
concordo com essa declaração, pois sempre haverá formadores de opinião, pois
essa é uma responsabilidade das lideranças sociais, e não só políticas".
Reações
petistas.
Lula não chegou a declarar, em público, aquilo que
disse o ex-ministro da Casa Civil e deputado cassado José Dirceu, um dos réus
do processo do mensalão. Em evento com sindicalistas em Salvador (BA), Dirceu
afirmou que há "excesso de liberdade e do direito de expressão e da
imprensa". A frase resume o pensamento da esquerda brasileira a respeito
do assunto.
Nesta segunda-feira, foi à vez de Dilma Rousseff
atacar os meios de comunicação. Irritada com as acusações de irregularidades em
sua gestão na Secretaria de Minas e Energia do Rio Grande do Sul e na Federação
de Economia e Estatística do estado, publicadas pelo jornal Folha de S.
Paulo, a candidata transformou uma agenda
pública de campanha em oportunidade para atacar a imprensa.
"Quero fazer um protesto veemente contra a parcialidade do jornal Folha
de São Paulo. Fui julgada em todos os anos pelo TCE. Todas as minhas
contas foram aprovadas".
Também nesta segunda-feira, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a
Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira das Emissoras
de Rádio e Televisão (Abert) reagiram à fala do presidente. Ophir
Cavalcante, presidente da OAB, chegou a afirmar que as declarações de Lula
foram "lamentáveis". Em cima do palanque - e ao lado de Dilma, o
presidente disse: "Tem dia que determinados setores da imprensa brasileira
chegam a ser uma vergonha. Se o dono do jornal lesse o seu jornal ou se o dono
da revista lesse sua revista, eles ficariam com vergonha do que eles estão
escrevendo exatamente nesse momento".
Em 2004, Lula já havia protagonizado outro episódio alarmante para a imprensa
livre. O presidente veio a público defender a criação de um
Conselho Federal de Jornalismo, entidade que, segundo a proposta do governo,
teria poderes de "orientar, disciplinar e fiscalizar" a atividade
jornalística. O projeto - que também previa a punição a jornalistas, acabou
sendo abortado. No fim de 2009, o presidente criou o 3º Programa Nacional de
Direitos Humanos, uma espécie de carta de intenções que pretendia instaurar uma
comissão para limitar o conteúdo de empresas de comunicação. O projeto recebeu
críticas de diversas entidades e, em maio de 2010, Lula voltou atrás, assinando
a retirada dos itens que indicavam o monitoramento da imprensa.
Fonte: Agência Brasil.
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