COMENTÁRIO
Scarcela Jorge.ELOQÜÊNCIA POLÍTICA.
Nobres:
Neste momento estimamos os acontecimentos vivenciados
nestes 30 anos de redemocratização e de construção de um Estado Democrático de
Direito, muito se fez e muito há por fazer. E, na medida em que coisas vão
sendo feitas, os brasileiros se investem de desejos novos e novas
reivindicações são formuladas. Uma espiral de reclamações tem o céu como
limite: muitas demandas, muitas carências, muitas expectativas. E muitas
dificuldades em cumprir uma agenda tão ampla e complexa. Outro efeito da redemocratização:
a imprensa investigativa, livre das amarras da censura dos governos militares,
trouxe à tona escândalos de toda ordem, relações escusas em todas as esferas,
corrupção e sonegação, apropriações privadas de recursos púbicos, revelações públicas
de sujeiras privadas, em uma escala que penetra nos poros e gruda nas retinas e
na memória, como aquelas músicas da moda que assobiamos sem querer. E tudo isso
aumenta o mal estar, a insatisfação geral de cidadãos de alto a baixo da
sociedade brasileira. Por razões óbvias, se direciona sobre a lista de
insatisfações que é imensa, de princípio a educação pública, responsabilidade
básica dos municípios e dos estados em frangalhos; sistema prisional com
superlotação nas delegacias, saneamento básico, lixões, transporte público,
saúde (ah, a saúde!), qualificação profissional dos jovens, superfaturamentos,
nepotismo etc. Tudo por fazer ou pouco se fazendo. Tarefas que todo presidente,
todos os prefeitos e governadores deveriam ter como prioridade absoluta, mas
que se perpetuam em um descaso sem fim. E ainda a inflação, a dívida pública, a
diminuição dos investimentos em áreas prioritárias, geradoras de empregos. Sem
falar da dívida social, herança de séculos de descaso, herança maldita de uma
época em que reclamações eram sempre, caso de polícia. Tudo isso junto e
misturado. Tudo ao mesmo tempo agora. É difícil ficar calado. E aí todo mundo
grita. O grito pareceu importante, mais importante do que o que fariam com as
nossas reclamações. E tudo recheado com uma novidade que as manifestações do
fim dos anos 70, do início dos anos 80 e dos “caras pintadas” dos anos 90 não
tiveram à disposição: a internet. As redes sociais foram tecendo idéias e
convocando reuniões dos insatisfeitos e, assim, as ruas tornaram-se palco não
provisório, contingente, mas permanente, da cidadania. Mas não só da cidadania.
Alguns perceberam que a espontaneidade criativa, a energia alegre e brincalhona
que ganhou as ruas poderia ir sendo pouco a pouco formatada, aparelhada,
condicionada, direcionada para os velhos interesses partidários e de grupos de
poder, por isso não se pode imaginar e seria distorcer o objetivo das
manifestações em resgatar a ética política para combater a corrupção que gerou
crises em detrimento de qualquer agremiação ou suprapartidária, apesar em ser
naturalmente indispensável para os parlamentares a consolidação dos fatos,
estabelecido pelo poder constituído. Possivelmente, na medida em que uma
manifestação dessa magnitude pode desequilibrar um governo em um momento de
crise e pressionar parlamentares temerosos em desagradar seus eleitores. Temos
que ponderar de concreto e argüir na mesma direção anterior.
Antônio
Scarcela Jorge.
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