Legado universal
Meio século depois de sua realização, o Concílio
Vaticano II, promovido pelo papa João XXIII, ainda repercute na humanidade
pelas profundas reformas introduzidas nos campos ecumênico, bíblico e
litúrgico, bem como pelas alterações na estrutura interna da Igreja Católica.
Mesmo em estados laicos, as inovações do Concílio reverberaram pela
universalidade de suas mensagens e por deixar transparecer as indiscutíveis
boas intenções em favor da modernização da Igreja e da maior concórdia entre povos
e religiões. Embora considerado um papa de transição, Ângelo Roncalli, homem de idade
provecta e origem humilde, teve a ousadia de reunir em assembleia 2.540
clérigos da mais alta hierarquia eclesiástica e realizar aquele que foi um dos
mais importantes encontros religiosos. Nele, João XXIII impôs sua convicção de
resistir aos excessos do tradicionalismo injustificável em face da
contemporaneidade e, assim, conseguiu antecipar na sua Igreja a modernidade do
mundo globalizado, exigindo a adoção de posturas liberais e da efetiva
aproximação com outros credos, até então considerados como inimigos em
potencial. Para o melhor relacionamento entre a Igreja e os fiéis, o Concílio
Vaticano II preconizou o ritual da missa na língua nativa dos próprios países
onde seria celebrada, e não em latim como era anteriormente. Dessa maneira,
todos os presentes ao ato entenderiam o que o sacerdote dizia no altar, medida
que em muito facilitou as interlocuções e a compreensão plena da celebração. As
alas conservadoras reagiram a essa mudança, por considerar que o emprego do
latim tornava o rito mais misterioso e místico para os fiéis. Chegou-se a falar
sobre o "cisma católico", que não obteve maiores repercussões. Outras
conquistas de valor foram a reforma ecumênica, que abrangeu os cristãos não
católicos e, também, integrantes de outras religiões monoteístas, e as jornadas
inter-religiosas para a paz, no Santuário de São Francisco de Assis. Também foi
recomendado pelo Concílio Vaticano II a troca da batina convencional dos padres
por roupas iguais às das pessoas comuns, bem como a autorização para leigos
assumirem atribuições delegadas de "ministros da Eucaristia". Além do
reconhecimento da liberdade religiosa, ficou decidido o princípio da igualdade
entre todos, no qual estava incluída a possibilidade de religiosas se ordenarem
sacerdotisas e celebrarem missa, porém esse item encontrou resistência que
ainda não superada. Estudiosos da religiosidade cristã consideram que, de modo
quase generalizado, o sopro liberal e modernizador, estimulado por João XXIII,
não teve a necessária continuidade na atuação de seus sucessores que se
limitaram a organizar as mudanças em andamento. Aos 50 anos da realização do
Concílio Vaticano II, Bento XIV abriu o chamado Ano da Fé, em parte reconhecendo
o espírito inovador e humanístico de seu sempre bem humorado antecessor. Numa
época em que conflitos religiosos tendem a se acirrar, tal como se ocorresse
retrocesso a um passado no qual as crenças serviam de motivações para guerras
sangrentas, faz-se necessário que o espírito de luz de João XXIII, aliado ao
exemplo de humildade e conciliação do papa João Paulo II, sirvam de inspiração
ao Sumo Pontífice da Igreja Católica e o levem a trilhar os mesmos caminhos de
união e paz entre povos e religiões, propósitos que ora se afiguram
prioritários num mundo cada vez mais civilizado e longe de Deus.
Fonte: da lavra do editor – DN. (PERMITIDA A REPRODUÇÃO CONSOANTE À LEI NO. 9.995)
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