BUTANTAN COBRA VERBAS E DIZ QUE
EM TRÊS ANOS PODE TER VACINA CONTRA ZIKA.
Segundo o imunologista seriam necessários R$ 30 milhões
para esta fase inicial do trabalho que poderia ser concluído em até três anos,
mas apesar dos anúncios feitos no dia 15 de janeiro, quando o laboratório
recebeu a visita do ministro da Saúde, Marcelo Castro, até agora não houve
repasses.
"O início do projeto é bem mais barato. Ele
começa a ficar caro bem mais tarde. No começo, com R$ 30 milhões já
avançaríamos muito.
Isso não é nada.
Tem compras que o Governo Federal faz de
anticorpos no valor de R$ 1 bilhão", explica.
Na noite de quarta-feira, a presidente Dilma Rousseff
relembrou, em pronunciamento nacional, que ainda não existe vacina contra o
zika vírus, e exortou a população a aderir ao que classificou como uma
"luta urgente" contra o Aedes
aegypti, mosquito transmissor dos vírus da dengue, zika e chikungunya.
"Eu acho que no Brasil se fala muito se faz pouco. Eu
acho que tinha que arrumar o dinheiro e deixar os cientistas trabalharem",
diz, acrescentando que também há atraso no recebimento de R$ 300 milhões
referentes à última fase de testes da vacina contra a dengue.
As verbas da vacina da dengue são compartilhadas pelo
governo do Estado de São Paulo e o Governo Federal.
Consultado pela BBC Brasil, o Ministério da Saúde disse,
por meio de nota, que o pré-projeto da vacina contra o zika vírus só foi
enviado pelo laboratório após reunião realizada no dia 15 de janeiro.
"Todo esse processo está sendo acompanhado pela
direção do Instituto Butantan e o documento vai prever ainda recursos para a
fase final da vacina contra a dengue", acrescenta a nota, destacando que o
órgão repassa ao instituto o equivalente a R$ 1 bilhão por ano para aquisição
de vacinas e soros, além dos valores de investimentos em tecnologia.
Quanto ao valor de R$ 30 milhões citado por Kalil, o
Ministério da Saúde disse que "qualquer investimento público em tecnologia
deve seguir um trâmite e isso está sendo feito com muita agilidade, devido à
prioridade do tema, mas que os valores só poderão ser divulgados na conclusão
do projeto".
Já o governo do Estado de São Paulo informou à BBC
Brasil, também por meio de nota, que não faltarão recursos estaduais para os
testes clínicos e demais etapas de desenvolvimento da vacina da dengue.
"Tanto que, no primeiro semestre de 2015, o
governo paulista encaminhou à ANVISA pedido para antecipar a fase 3 dos testes
clínicos, visando acelerar o processo e disponibilizar a vacina para campanhas
de imunização em massa no Brasil o quanto antes. Entretanto o órgão federal
somente aprovou esta solicitação em dezembro", acrescenta a nota.
Veja os principais trechos da entrevista:
BBC Brasil – Em que estágio se encontra a busca pela
vacina contra o zika vírus no Instituto Butantan? Há parcerias com outras
instituições?
Jorge
Kalil – O trabalho se encontra em estágio inicial.
Trabalhamos há muitos anos com o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos
(NIH), e com o Instituto Pasteur, de Paris, e para algumas coisas que eu quero
fazer nós também vamos colaborar com o Laboratório Federal de Los Alamos, que
fica nos EUA. Existem várias linhas de atuação que nós queremos trabalhar. Uma
é a vacina, que tem várias maneiras de fazer, a segunda é a produção de
anticorpos, que podem servir tanto para tratamento quanto para diagnóstico. Também
atuamos na busca por um teste sorológico, e uma quarta linha de atuação, com a
George Washington University, também dos EUA, trabalha na história natural da
doença. Esta última frente busca responder perguntas
importantes. Temos que saber como esse vírus chega e desperta uma resposta
imune, e sabemos que tem pouco vírus no sangue, e por pouco tempo. E depois? O
vírus ainda fica no corpo da pessoa?
No caso das mulheres, como é que transmite
para a placenta? Quanto tempo o vírus fica no corpo até ser completamente
eliminado? Várias perguntas que temos que fazer e que não vão resultar num
produto imediato mas vão guiar os produtos que nós temos que fazer.
BBC Brasil – O Instituto Butantan está ligado ao
Estado de São Paulo. Mas quais são as fontes de financiamento para os projetos?
O senhor já recebeu recursos do Ministério da Saúde para acelerar a vacina
contra o zika vírus?
Kalil – Na verdade
recebemos muito pouco recurso do Estado de São Paulo. Nos inscrevemos em
financiamentos de pesquisa, sejam da Fapesp, BNDES, Finep, e agora o Ministério
da Saúde prometeu que vai dar recursos diretamente para o Butantan para
desenvolver muitos desses projetos contra o zika, e o ministro Marcelo Castro
me prometeu que não faltarão recursos para que a gente faça essas pesquisas,
mas por enquanto ainda não chegaram. Em relação aos recursos para a fase 3 da
vacina de dengue, que inclui testar a vacina em 17 mil pessoas em 14 centros
espalhados pelo país, no valor de R$ 300 milhões, por enquanto também não tenho
nada, por enquanto só tenho promessas.
BBC Brasil - Há uma grande cobrança da
sociedade brasileira sobre a busca pela vacina contra o zika, e o mundo está em
alerta.
BBC Brasil - Em sua
opinião, o que emperra a liberação dos recursos necessários, apesar da situação
emergencial?
Kalil - Eu estou
trabalhando como eu posso, e tentando mostrar que a gente consegue fazer,
apesar de todas essas adversidades. Agora, é muito complicado, e realmente
tenho esperança de que o Ministério da Saúde vá desbloquear rapidamente este
dinheiro. Mas o sistema é todo muito burocrático e muito lento, e muito
politizado, o que é muito ruim, porque aí fica um monte de político prometendo
e pouca gente fazendo. Nós não temos capital de giro para executar todas
essas frentes de trabalho. Estamos em plena produção de vacinas e temos que
gastar primeiro, para depois receber. Eu preciso de agilidade para comprar
insumos, contratar gente, comprar reagentes. E com o governo tudo é muito
lento. Nós somos uma fábrica de vacinas, precisamos de agilidade para
trabalhar, além de sermos um local onde se faz pesquisa, claro. Precisamos de muita saúde financeira para fazer esses
projetos da dengue e do zika, que são de interesse fundamental para o país e
para a sociedade brasileira, e se não recebermos, vai atrasar. Nós produzimos
grande parte dos soros e das vacinas do Brasil, que são tão importantes para as
pessoas. Tenho que comprar cavalos para imunizar, para fazer os
antissoros. É muita coisa, e precisamos de dinheiro, não tem outra forma. Assim
como para a fase 3 da dengue, eu tenho que ter recursos, senão esses projetos
não vão andar.
BBC Brasil – É correto afirmar que o trabalho na busca
pela vacina contra o zika vírus está parado, então, no Instituto Butantan?
Kalil - Parado não
está, eu estou fazendo as coisas que dá para fazer. Fazendo isolados dos vírus,
cultivando o vírus. Agora para eu cultivar o vírus em grandes quantidades eu
tenho que ter dinheiro, porque os volumes se tornam maiores. O que eu posso
fazer em volumes iniciais, menores, já está fazendo.
BBC Brasil – De que valores estão falando para que o
projeto deslanche?
Kalil – O início do
projeto é bem mais barato. Ele começa a ficar caro bem mais tarde. No começo,
com R$ 30 milhões já avançaríamos muito. Depois, quando começam os ensaios
clínicos, é que fica mais caro. Isso não é nada. Tem compras que o Governo
Federal faz de anticorpos no valor de R$ 1 bilhão. A gente precisa desses R$ 30
milhões para começar o trabalho da vacina de zika e dos R$ 300 milhões para
terminar a vacina da dengue, e espero que esses recursos não atrasem. O
Ministério da Saúde prometeu entregar.
BBC Brasil – Qual é a importância de não atrasar a
fase final da vacina da dengue? Há aspectos da imunização que podem ser
aproveitados para a vacina contra o zika vírus?
Kalil - Muita coisa
pode ser aproveitada, porque os vírus são muito parecidos. Talvez a gente possa
até fazer uma vacina de zika parecida com a da dengue. Utilizar até o vírus
atenuado da dengue, inserir o gene que codifica para a proteína do envelope do
zika e já termos a vacina em boa parte já feita, mas este trabalho já está
atrasado por falta de recursos. Está tudo pronto, a vacina está pronta, mas
falta a fase final de testes. Eu já tinha que estar vacinando, mas ainda não
comecei a imunizar as pessoas. Temos os lotes de vacinas prontos, mas estamos
esperando o recurso para a etapa clínica.
BBC Brasil – Quais são as estimativas realistas para
que as duas vacinas cheguem à população, de fato? Tanto a de dengue como a de
zika?
Kalil – Olha, eu
acho que se eu conseguir ter o dinheiro e imunizar rapidamente as pessoas
durante este ano, quem sabe até o final do ano eu já consiga provar que a
vacina de dengue funciona. Quanto à de zika, vai precisar de mais tempo. Eu sei
que é importante informar a população, mas na ciência você consegue prever
somente um pouco dos passos, não completamente. Tendo em vista a nossa
experiência acumulada com dengue, eu diria que se tudo desse certo, em três
anos eu teria uma vacina já aprovada para o zika.
BBC Brasil – Na corrida pela vacina, o Ministério da
Saúde anunciou dias atrás que o trabalho ocorre em três instituições
brasileiras: Instituto Butantan, em São Paulo, Instituto Evandro Chagas, no
Pará, e na Bio-Manguinhos, que pertence ao sistema Fiocruz, no Rio de Janeiro.
Os grupos trabalham em conjunto ou cada um desenvolve sua própria vacina?
Kalil – Cada um
está trabalhando no seu projeto, eles estão fazendo coisas semelhantes, mas
vamos ver quem chega primeiro. São abordagens diferentes, mas colaboramos sim.
É algo concomitante, estamos todos tentando chegar na vacina, e temos que nos
ajudar para que isso ocorra o mais rápido possível.
BBC Brasil – Como tem visto a maneira como as
autoridades têm gerido a crise trazida pela epidemia de zika vírus e os casos
de microcefalia? Houve críticas, por exemplo, a declarações do ministro da
Saúde, quando se referiu que o Brasil estava "perdendo a luta contra o Aedes
aegypti".
Kalil - Eu acho que
no Brasil se fala muito e se faz pouco. Eu acho que tinham que arrumar o
dinheiro e deixar os cientistas trabalharem. Sobre o que o ministro disse, que
reclamaram muito, eu acho que ele tem razão em dizer isso. Por que cientista
diz a verdade e político tem que mentir? Eu acho que ele foi criticado muito
mais por conta de interesses políticos.
Fonte: BBC BRASIL.
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