COMENTÁRIO
TEORIA IDEOLÓGICA
‘por trás dos
bastidores da política exterior’
Nobres: - Sempre fomos vocacionados pelo
trato da política (desculpem a imodéstia!) onde damos amplitude aos fatos
direcionais, sempre alheios aos questionamentos do povo, (mais uma questão de
cultura) a que procurar o desconhecimento de causa, figura retórica e
tradicional aos costumes da cultura de nossa gente – isso é fato real – não
sabendo que essas ações se refletem diretamente ao cotidiano comum do nosso
povo. Concomitantemente, a imprensa sempre presente aos grandes acontecimentos
se reportou sobre um questionamento gerador de tema onde os “intelectuais
progressistas” reunidos para “definir um plano de trabalho para o
desenvolvimento e integração” da América Latina. Há muito reduzidos à condição
de intelectuais palacianos, os convidados celebraram os “avanços” na integração
regional e a miraculosa clarividência do ex-presidente Lula. O anfitrião,
contudo, pediu-lhes algo diferente da bajulação habitual: a formulação de uma
“doutrina” da integração latino-americana. No 11.º ano de poder lulista, o
pedido traz implícito o reconhecimento de um fracasso estrondoso de política
externa – e da crise regional que se avizinha.
“Não tem explicação, depois de mais de
500 anos, eu inaugurar a primeira ponte entre Brasil e Bolívia; não tem
explicação, depois de mais de 500 anos, eu inaugurar a primeira ponte entre
Brasil e Peru”, proclamou o ex-presidente sem ser corrigido por nenhum dos
intelectuais que decoravam o ambiente. O trem inaugural da Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré chegou a Guajará-Mirim em abril de 1912. Os presidentes Café
Filho e Paz inauguraram a Estrada de Ferro Brasil-Bolívia em Santa Cruz de La
Sierra, em janeiro de 1955. A Ponte da Amizade, sobre o Rio Paraná, uma ousada
obra de engenharia, foi inaugurada em 1965, conectando o Paraguai às rodovias
brasileiras e ao Porto de Paranaguá. As pontes que Lula inaugurou estavam
previstas na Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional
Sul-Americana (Iirsa), aprovada na conferência de chefes de Estado de Brasília,
em 2000, no governo FHC. De lá para cá, sob o lulismo, “integração regional”
converteu-se em eufemismo para alianças políticas entre governantes
“progressistas”.
No fundo
dessa ideologia: que se inseriu na programática petista, que na prática tem
sentido inverso, desde que Lula, abdicou de seus conceitos ideológicos para se
fundir na prática brasileira, onde partidos políticos se aliam para governar de
qualquer jeito, contanto que se derive no barco, onde o leme é, “salve-se quem puder”
sempre ambicionado ao corporativismo de grupos que sejam práticos em ações
escusas – o testemunho é evidente – e voltando as atenções explícitas,
iniciou-se um novo “formado” para atender as gestões programáticas exteriores é
que desde 2003, com a nomeação de Marco Aurélio Garcia como assessor especial
da Presidência, a política brasileira para a América Latina foi transferida da
alçada do Itamaraty para a do lulopetismo, impregnando-se de reminiscências
políticas antiamericanas, terceiro-mundistas e castristas. O coquetel
conduziu-nos ao impasse atual, que Lula é capaz de identificar mesmo se tenta
disfarçá-lo pelo recurso à gabolice autocongratulatória.
"Garcia” rejeita a ideia de livre comércio, que funcionou como pilar
original do MERCOSUL. A Argentina dos Kirchner aproveitou-se disso para violar
sistematicamente as regras do MERCOSUL, desmontando o edifício da zona de livre
comércio. No seu instituto, Lula denunciou a “preocupação maior de relação
preferencial com os EUA ou com a Europa ou com qualquer um, menos entre nós
mesmos”. Entretanto, na celebrada última década, a América Latina não
aprofundou o comércio intrarregional, limitando-se a estabelecer uma “relação
preferencial” com a China, que absorve nossas exportações de commodities. O
primitivismo ideológico impede até mesmo a conclusão de um tratado comercial
Brasil-México, elemento indispensável em qualquer projeto de integração
latino-americana.
A
“Doutrina Garcia” acalenta a utopia de uma integração impulsionada por
investimentos estatais e de grandes empresas financiadas por recursos públicos.
Contudo, a estratégia de expansão regional do “capitalismo de Estado”
brasileiro esbarrou nas resistências nacionalistas de argentinos, bolivianos e
equatorianos, que assestaram sucessivos golpes em negócios conduzidos pela
Petrobras e por construtoras beneficiadas por empréstimos privilegiados do
BNDES. Numa dessas amargas ironias da história, o espectro do “imperialismo
brasileiro” reemergiu como acusação dirigida por líderes latino-americanos
“progressistas” contra o governo “progressista” de Lula.
"Garcia” almeja promover a liderança regional do Brasil, preservar o
regime autoritário cubano e erguer uma barreira geopolítica entre América
Latina e EUA. Em busca da primeira meta, o Brasil colidiu com as pretensões
concorrentes da Venezuela de Hugo Chávez, que criou a Aliança Bolivariana das
Américas (Alba). A concorrência entre o lulopetismo e o chavismo paralisa a
União de Nações Sul-Americanas (Unasul), esvaziando de conteúdo suas reuniões
de cúpula.
Em busca
das outras duas metas, que compartilha com o chavismo, o Brasil ajudou a
converter a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) numa
ferramenta de proteção da ditadura castrista e de desmoralização da Carta
Democrática da Organização dos Estados Americanos (OEA). Dias atrás, Cristina
Kirchner definiu a ascensão de Cuba à presidência rotativa da Celac como o
marco de “uma nova época na América Latina”. Ela tem razão: é o fim da curta
época na qual os Estados da região levaram a sério seus proclamados
compromissos com os direitos humanos e as liberdades públicas.
Distraídos,
os intelectuais palacianos nada perceberam, mas a falência da “Doutrina Garcia”
foi registrada no radar de Lula. De um lado, abaixo do celofane brilhante da
Unasul e da Celac, desenvolve-se um processo que deveria ser batizado como a
desintegração da América Latina. A principal evidência disso encontra-se na
emergência da Aliança do Pacífico, uma área de livre comércio formada sem
alarido por México, Colômbia, Chile e Peru, aos quais podem se juntar o Panamá
e outros países centro-americanos. De outro, lenta, mas inexoravelmente, desmorona
a ordem castrista em Cuba, aproxima-se uma incerta transição na Venezuela
chavista e dissolve-se o consenso político kirchnerista na Argentina. Quando
clama por uma nova “doutrina” da integração latino-americana, o ex-presidente
revela aguda consciência da encruzilhada em que se colocou a política externa
brasileira.
A
consciência de um problema é condição necessária, mas não suficiente, para
formular suas possíveis soluções. Lula e seu cortejo de intelectuais não
encontrarão uma “doutrina” substituta sem lançar ao mar o lastro de
anacronismos ideológicos do lulopetismo. Isso, porém, eles não farão, apenas
retomarão a manjada retórica do tradicionalismo desfaçado para o bem entender
dos cientistas do lulopetismo.
Antônio
Scarcela Jorge.
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