COMENTÁRIO
Scarcela Jorge
O Congresso prefere eleger a
desmoralização
Com apoio
até de partidos oposicionistas, agora o Poder Legislativo está nas mãos de dois
parlamentares que acumulam uma extensa lista de acusações por práticas ilícitas.
Nobres: -
O Congresso optou para ir ao fundo do poço em termos de credibilidade social em
função das escolhas nada recomendável para um país que tenta resgatar o
exercício de seus cidadãos e prover melhorias de qualidade de representação, e
que obviamente tentou expurgar das direções nas suas instituições por força da
manifestação própria da sociedade o pulsar elementar de opinião. Alheio aos
desejos da sociedade no sentido de fortalecer segmentos do corporativismo
político que preza os conceitos antiéticos, podres e corruptos encastelados nos
poderes executivo e legislativo: tanto é que na sexta-feira passada, quando o
plenário do Senado elegeu Renan Calheiros (PMDB-AL) como seu novo presidente,
ontem foi à vez de os deputados federais ignorarem as exigências mínimas da
moralidade pública ao escolher Henrique Alves (PMDB-RN) para suceder o petista
Marco Maia na presidência da Câmara dos Deputados. A imprensa nacional por
todos seus segmentos rememorou dias
atrás as acusações que pesam tanto contra Alves quanto contra Calheiros, que
agora passam a ingressar a linha sucessória da Presidência da República. Na ausência da
presidente Dilma Rousseff e do vice Michel Temer, o Brasil passaria a ser
governado por um deputado já condenado em primeira instância por improbidade
administrativa, investigado pelo Ministério Público por enriquecimento ilícito
e acusado, entre outras coisas, de desviar recursos para empresas comandadas
por laranjas e de beneficiar, em licitações superfaturadas, uma empresa que tem
um ex-assessor como sócio. E, na sequência, o país estaria sob o comando de um
senador que já tinha sido “forçado” a renunciar à presidência do Senado em 2007
e que não desistiu dos métodos ilícitos de fazer política, tendo sido
denunciado ao STF semanas atrás por peculato, falsidade ideológica e uso de
documento falso. Ainda pesam contra Calheiros denúncias de lobby em troca de
apoio político e mau uso dos recursos da cota parlamentar. Pior ainda é saber
que deputados e senadores muito provavelmente não dedicaram um segundo sequer
de consideração para com a opinião pública antes de colocar o Congresso
Nacional nas mãos de duas raposas, já que as votações que consagraram Alves e
Calheiros foram secretas. Pelo menos no Senado, o placar deixa claro que o
alagoano recebeu votos de parlamentares pertencentes a partidos que, diante dos
microfones, manifestaram apoio a Pedro Taques (PDT), lançado como alternativa a
Calheiros. Na Câmara, legendas de oposição não tiveram a menor vergonha de
escancarar sua adesão ao deputado potiguar. A traição aos eleitores que
esperavam da oposição que fizesse seu papel veio em troca de postos nas Mesas
Diretoras das duas casas. Em vez de enviar à sociedade uma mensagem clara de
descontentamento com a entrega do comando do Legislativo a políticos do quilate
de Alves e Calheiros, as legendas oposicionistas preferiram mergulhar em
negociatas para não perder um naco de poder que, no fim, não terá como fazer
diferença ou facilitar o trabalho que lhe compete. É justamente esse tipo de
comportamento, ainda mais condenável quando amparado pelo voto secreto, que
desmoraliza a oposição diante do eleitor cansado dos desmandos do grupo hoje no
Planalto. O voto secreto no Congresso tem por objetivo proteger o parlamentar
de possíveis retaliações por parte do Poder Executivo, e há ocasiões em que
deve ser defendido. No entanto, não há razão para manter o segredo também em
situações como as eleições para o comando das casas legislativas, ou a cassação
de parlamentares. O cidadão tem pleno direito de saber se seus representantes
endossam as práticas de corrupção promovidas por políticos como Henrique Alves
e Renan Calheiros. Ao manifestar seu voto abertamente, o parlamentar fica
sujeito à cobrança da imprensa e dos eleitores. É impossível saber se os
resultados de ontem e sexta-feira teriam sido diferentes em caso de voto aberto
– o grau de cinismo reinante no Congresso é tal que não se exclui a hipótese de
um desfecho idêntico, talvez com leves diferenças nos números de votos; afinal,
em Brasília é alta a confiança na memória curta do eleitor, que anseia pela
moralização da política, mas, a cada quatro anos seguem elegendo os mesmos de
sempre. As mais de 300 mil assinaturas colhidas em um abaixo-assinado on-line
contra Renan Calheiros são um bom sinal, mas, sem que a indignação se
transforme em consciência diante das urnas, as perspectivas para o país
seguirão desanimadoras e obviamente pessimistas.
Antônio
Scarcela Jorge
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