COMENTÁRIO
FALTA ÉTICA NA POLÍTICA RETÓRICA SEM IDEOLOGIA
Nobres:
A despeito de todos os problemas atinentes à
formulação e execução de políticas públicas, em especial aqueles problemas
vinculados à definição e execução de políticas econômicas, terreno no qual a
chamada esquerda sempre demonstrou dificuldades de toda ordem, para não dizer,
de pronto, uma singular incompetência administrativa e operacional, haveria
quase que uma “natural diferença” de comportamentos e de posturas quando o tema
em pauta fosse à ética na (e da) política. Estávamos todos naturalmente
propensos a acreditar que, não obstante os esperados “contorcionismos verbais”
e outros exemplos de pequenos “desvios de conduta”, no que se refere às
contingências práticas da luta política, existiria uma grande e fundamental
divisão de caráter entre modos de se fazer política (com “p” maiúsculo): de um
lado, a desfaçatez atávica e a falta de princípios por parte da direita, de
outro, a “inclinação tendencial”, se me permitem esta expressão, da esquerda em
direção de normas éticas ou morais na forma de se conduzir em política (bem sei
que ética e moral não são a mesma coisa, mas deixemos essas sutis diferenças de
lado, por enquanto). As diferenças entre a esquerda e a direita não são
exatamente aquelas que suspeitávamos, ou que o quê as aproxima, nessas
matérias, é muito mais consistente do que aquilo que supostamente as separa? No
passado acreditamos numa espécie de “superioridade moral” da esquerda nessas
lides políticas de disputa pelo poder, de luta pela conquista e manutenção dos
“postos de comando” do Estado. O que se vê é um grande “aprendizado moral” nas
artes e ofícios do grande comércio da política. Posto em termos diretos e mais
simples: ainda se pode acreditar na existência de diferenças reais de
comportamento, de postura prática, de atitudes mentais no grande jogo da
política entre, de um lado, a direita e, de outro, a esquerda. Ledo engano: - Existe,
de fato, alguma distinção normativa, alguma oposição fundamental, alguma
separação moral ou bifurcação ética entre a esquerda e a direita em matéria ou
em artes de política. Também sentimos que não há projeção neste sentido, só um
jogo de corporações. se coloca uma discussão minimamente organizada em torno
dessas “grandes questões”, questões que sempre nos ocuparam ao longo de uma
vida dedicada, não exatamente à política, mas mais propriamente à observação da
política, tal como praticada por homens concretos e partidos reais, nada de
absolutamente idealizado ou imaginado. Questões de cunho ético ou moral de
maneira sincera, sobre o sentido se é que havia algum de certos atos, palavras,
alianças e iniciativas tomadas pelos principais caciques da política
brasileira. Por certo que havia um “sentido”, sempre há: é o da necessidade de
agrupar forças, de constituir aliados, de se preparar para os grandes embates
eleitorais à frente, de maneira a poder conquistar o grande prêmio, o
excepcional botim, a única recompensa que verdadeiramente conta nesse jogo de
soma zero que se chama política partidária: a conquista ou a manutenção do
poder nas sociedades organizadas em regimes políticos que tomam por base o
sistema partidário como sustentáculo da ação especificamente política.
Este é o sentido das muitas ações, frases, iniciativas ou alianças que chegam a
nos surpreender e que são justificadas, quando não “legitimadas”, por esses
caciques que nos governam. Por certo que esse tipo de problema não se “resolve”
num embate entre esquerda e direita, tanto porque a riqueza e a diversidade do
comércio político não se deixam reduzir a essas dimensões dicotômicas,
ideológicas poderíamos dizer do jogo político-partidário. Sem olvidar,
portanto, a clássica divisão entre esquerda e direita no espectro político de
uma sociedade aberta e democrática. Outra questão, que os políticos tem se
doutrinado por conveniência é a aplicação retórica e manjada (sempre vem dando
certo) – São as frases verdadeiramente sinceras não costumam freqüentar o
palavreado dos políticos, acostumados que estão a um vocabulário que pratica o
dom da ambigüidade. Quando o fazem, recebem imediato destaque mediático,
correndo o risco de ver decretada sua inscrição compulsória numa lista de
“frases do ano”, como ocorreu com o apotegma falsamente franciscano do “é dando
que se recebe”. Essa frase verdadeiramente exemplar foi introduzida ao distinto
público por um (hoje falecido) deputado do então chamado “Centrão”, durante a
Constituinte de 1988, o que garantiu ao seu autor uma imediata, mas algo
duvidosa, notoriedade pública. O autor se foi, mas a frase aparentemente ficou
conosco, não apenas como exercício vocabular, mas como prática política
flagrantemente atual. Esse é o que pensamos.
Antônio Scarcela Jorge
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