A TEORIA DA CORRUPÇÃO
Ensejando o julgamento do
mensalão pelo STF onde figurões do PT e alguns da base aliada estão sendo
condenadas, nos faz demandar aos idos de 2005, quando eclodiu o maior escândalo
da nossa história política. Naquele ano lideranças petistas identificados pelo
lulopetismo em conjunto com suas convicções ideológicas formularam o discurso
adotado pelo Partido em face do escândalo do
mensalão. O noticiário, ensinou, constituiria uma tentativa de “golpe
das elites” contra o “governo popular” de Lula. No início deste ano Quando foi marcada
a data do julgamento dos indiciados do “mensalão” reiniciou uma batalha para
“conscientizar as massas populares” os especialistas do “petismo” reativaram a linha
de montagem de discursos “científicos” adaptados às conveniências do lulismo.
Dessa vez, para crismar o julgamento do mensalão como “julgamento de exceção”
conduzido por uma corte “pré-democrática”. A primeira providencia obviamente
foram lançar na mídia alusões teóricas sobre a questão explícita. A tese
orquestrada tem sentido implícito para que a concessão de entrevistas seja
direcionada umbilicalmente ao tema. As perguntas não são indagações, no sentido
preciso do termo, mas introduções propícias à exposição da tese “cientista”
propositadamente engajado e especialmente preparado para expor à mídia. Mas a peça diz uma coisa mais importante sobre
o tema do compromisso para especial trato entre os intelectuais e o poder: o
discurso científico sucumbe no pântano da fraude quando é rebaixado ao estatuto
de ferramenta política de ocasião. Os ministros do STF narraram uma história de
apropriação criminosa de recursos públicos e de fabricação de empréstimos
fraudulentos pela direção do PT, que se utilizou, para tanto, das prerrogativas
de quem detém o poder de Estado. Os cientistas convocados para este fim, então transitando
em universo paralelo, circundando o tema da origem do dinheiro e repetindo a versão
desmoralizada da defesa. “O que os ministros expuseram até agora é a intimidade
do caixa 2 de campanhas eleitorais. Isso eles se recusam a discutir, como se o
que eles estão julgando não fosse algo comum, como se fosse algum projeto
maligno.” Neste aspecto os cientistas do PT não parecem incomodados com a
condenação dos operadores financeiros do esquema, mas interpreta os veredictos
dos ministros contra os operadores políticos (ou seja: os dirigentes do PT)
como frutos de um “desprezo aristocrático” à “política profissional”. O
dinheiro desviado serviu para construir uma coalizão governista destituída de
um mínimo de consenso político, explicou a maioria do STF. Os cientistas
políticos, porém, atribui o diagnóstico a uma natureza “pré-democrática” de juízes
incapazes de compreender tanto os defeitos da legislação eleitoral brasileira
quanto o funcionamento dos “sistemas de representação proporcional”, que “são
governados por coalizões das mais variadas”. O núcleo do argumento serviria
para a defesa de todo e qualquer “mensalão”. Os acusados tucanos do “mensalão
mineiro” e os acusados do DEM do “mensalão de Brasília” estão tão amparados
quanto os petistas por uma concepção da “política profissional” que invoca a
democracia para justificar a fraude do sistema de representação popular e
qualifica como aristocráticos os esforços para separar a esfera pública da
esfera privada. A teoria política da corrupção formulada pelos intelectuais do
PT deve ser lida como um manifesto em defesa de privilégios de impunidade
judicial do conjunto da elite política brasileira. Mas, obviamente, o argumento
perde a força persuasiva se for lido como aquilo que, de fato, é. Para ocultar
seu sentido, conferindo à obra uma coloração “progressista”, acrescentada uma
camada de tinta fresca. A insurreição “aristocrática” do STF contra a “política
democrática” derivaria da rejeição a uma novidade histórica: a irrupção da
“política popular de mobilização”, representada pelo PT. A corte suprema
estaria “reagindo à democracia em ação” por meio de um “julgamento de exceção”,
um evento singular que “jamais vai acontecer de novo”. É nesse ponto do
raciocínio que a teoria política da corrupção se transforma na corrupção da
teoria política. Uma regra inviolável do discurso científico, é a exigência de
consistência interna. Um discurso só tem estatuto científico se está aberto a
argumentos racionais contrários. Quando apela à profecia de que os tribunais
não julgarão outros casos com base na jurisprudência estabelecida nos veredictos
do mensalão, os especialistas da linha intelectual do lulopetismo embrenham-se
pela vereda da fraude científica. A hipótese sobre o futuro que, logicamente,
não pode ser confirmada ou falseada. Por outro lado, há duas leituras
contrastantes, ambas coerentes, sobre o “mensalão do PT”. A primeira acusa o
partido de agir “como os outros”, entregando-se às práticas convencionais da
tradição patrimonial brasileira e levando-as a consequências extremas. O
diagnóstico, uma “crítica pela esquerda”, interpreta o extenso arco de alianças
organizado pelo lulismo como fonte de corrupção e atestado da falência da
natureza transformadora do PT. A segunda acusa o partido de operar, sob o
impulso de um projeto de poder autoritário, com a finalidade de quebrar os contrapesos
parlamentares ao Executivo e perpetuar-se no governo. A “crítica pela direita”
distingue o “mensalão do PT” de outros casos de corrupção política, enfatizando
o caráter centralizado e as metas de longo prazo do conjunto da operação. A
leitura corrompida dos cientistas do PT forma uma curiosa alternativa às duas
interpretações. Seu núcleo é uma celebração da corrupção inerente à política
patrimonial tradicional, que seria a “política profissional” nos “sistemas de
representação proporcional”. Seu verniz aparente, por outro lado, é um elogio
exclusivo da corrupção petista, que expressaria a “irrupção da política de
mobilização popular” e a “democracia em ação”. Na fronteira onde o pensamento
acadêmico se conecta com a empulhação militante, o paradoxo pode até ser
batizado como dialética. Contudo, mais apropriado é reconhecê-lo como um
reflexo especular da fotografia na qual Paulo Maluf e Lula da Silva reelaboram
os significados dos incluirmos “direita” e “esquerda”. Há de bem acordar que a
assunção de intelectuais identificados ideologicamente com a agremiação petista
foi uma tese que não encontrou ressonância no seio da sociedade política mais amadurecida
e consciente.
Antônio Scarcela Jorge
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