quinta-feira, 18 de outubro de 2012

COMENTÁRIO



A TEORIA DA CORRUPÇÃO

Ensejando o julgamento do mensalão pelo STF onde figurões do PT e alguns da base aliada estão sendo condenadas, nos faz demandar aos idos de 2005, quando eclodiu o maior escândalo da nossa história política. Naquele ano lideranças petistas identificados pelo lulopetismo em conjunto com suas convicções ideológicas formularam o discurso adotado pelo Partido em face do escândalo do  mensalão. O noticiário, ensinou, constituiria uma tentativa de “golpe das elites” contra o “governo popular” de Lula. No início deste ano Quando foi marcada a data do julgamento dos indiciados do “mensalão” reiniciou uma batalha para “conscientizar as massas populares” os especialistas do “petismo” reativaram a linha de montagem de discursos “científicos” adaptados às conveniências do lulismo. Dessa vez, para crismar o julgamento do mensalão como “julgamento de exceção” conduzido por uma corte “pré-democrática”. A primeira providencia obviamente foram lançar na mídia alusões teóricas sobre a questão explícita. A tese orquestrada tem sentido implícito para que a concessão de entrevistas seja direcionada umbilicalmente ao tema. As perguntas não são indagações, no sentido preciso do termo, mas introduções propícias à exposição da tese “cientista” propositadamente engajado e especialmente preparado para expor à mídia.  Mas a peça diz uma coisa mais importante sobre o tema do compromisso para especial trato entre os intelectuais e o poder: o discurso científico sucumbe no pântano da fraude quando é rebaixado ao estatuto de ferramenta política de ocasião. Os ministros do STF narraram uma história de apropriação criminosa de recursos públicos e de fabricação de empréstimos fraudulentos pela direção do PT, que se utilizou, para tanto, das prerrogativas de quem detém o poder de Estado. Os cientistas convocados para este fim, então transitando em universo paralelo, circundando o tema da origem do dinheiro e repetindo a versão desmoralizada da defesa. “O que os ministros expuseram até agora é a intimidade do caixa 2 de campanhas eleitorais. Isso eles se recusam a discutir, como se o que eles estão julgando não fosse algo comum, como se fosse algum projeto maligno.” Neste aspecto os cientistas do PT não parecem incomodados com a condenação dos operadores financeiros do esquema, mas interpreta os veredictos dos ministros contra os operadores políticos (ou seja: os dirigentes do PT) como frutos de um “desprezo aristocrático” à “política profissional”. O dinheiro desviado serviu para construir uma coalizão governista destituída de um mínimo de consenso político, explicou a maioria do STF. Os cientistas políticos, porém, atribui o diagnóstico a uma natureza “pré-democrática” de juízes incapazes de compreender tanto os defeitos da legislação eleitoral brasileira quanto o funcionamento dos “sistemas de representação proporcional”, que “são governados por coalizões das mais variadas”. O núcleo do argumento serviria para a defesa de todo e qualquer “mensalão”. Os acusados tucanos do “mensalão mineiro” e os acusados do DEM do “mensalão de Brasília” estão tão amparados quanto os petistas por uma concepção da “política profissional” que invoca a democracia para justificar a fraude do sistema de representação popular e qualifica como aristocráticos os esforços para separar a esfera pública da esfera privada. A teoria política da corrupção formulada pelos intelectuais do PT deve ser lida como um manifesto em defesa de privilégios de impunidade judicial do conjunto da elite política brasileira. Mas, obviamente, o argumento perde a força persuasiva se for lido como aquilo que, de fato, é. Para ocultar seu sentido, conferindo à obra uma coloração “progressista”, acrescentada uma camada de tinta fresca. A insurreição “aristocrática” do STF contra a “política democrática” derivaria da rejeição a uma novidade histórica: a irrupção da “política popular de mobilização”, representada pelo PT. A corte suprema estaria “reagindo à democracia em ação” por meio de um “julgamento de exceção”, um evento singular que “jamais vai acontecer de novo”. É nesse ponto do raciocínio que a teoria política da corrupção se transforma na corrupção da teoria política. Uma regra inviolável do discurso científico, é a exigência de consistência interna. Um discurso só tem estatuto científico se está aberto a argumentos racionais contrários. Quando apela à profecia de que os tribunais não julgarão outros casos com base na jurisprudência estabelecida nos veredictos do mensalão, os especialistas da linha intelectual do lulopetismo embrenham-se pela vereda da fraude científica. A hipótese sobre o futuro que, logicamente, não pode ser confirmada ou falseada. Por outro lado, há duas leituras contrastantes, ambas coerentes, sobre o “mensalão do PT”. A primeira acusa o partido de agir “como os outros”, entregando-se às práticas convencionais da tradição patrimonial brasileira e levando-as a consequências extremas. O diagnóstico, uma “crítica pela esquerda”, interpreta o extenso arco de alianças organizado pelo lulismo como fonte de corrupção e atestado da falência da natureza transformadora do PT. A segunda acusa o partido de operar, sob o impulso de um projeto de poder autoritário, com a finalidade de quebrar os contrapesos parlamentares ao Executivo e perpetuar-se no governo. A “crítica pela direita” distingue o “mensalão do PT” de outros casos de corrupção política, enfatizando o caráter centralizado e as metas de longo prazo do conjunto da operação. A leitura corrompida dos cientistas do PT forma uma curiosa alternativa às duas interpretações. Seu núcleo é uma celebração da corrupção inerente à política patrimonial tradicional, que seria a “política profissional” nos “sistemas de representação proporcional”. Seu verniz aparente, por outro lado, é um elogio exclusivo da corrupção petista, que expressaria a “irrupção da política de mobilização popular” e a “democracia em ação”. Na fronteira onde o pensamento acadêmico se conecta com a empulhação militante, o paradoxo pode até ser batizado como dialética. Contudo, mais apropriado é reconhecê-lo como um reflexo especular da fotografia na qual Paulo Maluf e Lula da Silva reelaboram os significados dos incluirmos “direita” e “esquerda”. Há de bem acordar que a assunção de intelectuais identificados ideologicamente com a agremiação petista foi uma tese que não encontrou ressonância no seio da sociedade política mais amadurecida e consciente.
Antônio Scarcela Jorge


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