SE EXÉRCITO TIVESSE HOJE A FORÇA POLÍTICA DE 1964 JÁ TERIA
HAVIDO GOLPE, DIZ SERRA.
“A situação à época do golpe de 1964 era menos
complexa do que a atual, se o Exército brasileiro ainda tivesse a força que
tinha naquele momento, não tenha dúvida de que já teria tido uma militarização
no país”, afirmou Serra, em participação no 4º Seminário Luso-Brasileiro de
Direito, em Lisboa.
“A principal diferença entre o cenário atual e o
daquela época é que não temos mais um Exército que se apresente como uma força
política nos últimos 30 anos. O setor militar esteve ausente e, se Deus quiser,
vai continuar ausente da política brasileira”, agregou o tucano, que se exilou
no exterior depois que os militares assumiram o poder.
Depois da sua palestra, o senador tucano conversou com
jornalistas brasileiros e portugueses. Apesar de ter evitado comentar sobre um
eventual governo liderado pelo vice-presidente peemedebista Michel Temer (com
quem se reuniu recentemente), Serra disse que, num primeiro momento, a troca de
poder fará bem à economia brasileira.
“Se mudar o governo vai haver um clima econômico em
curto prazo mais favorável, pelas mudanças das expectativas. Mas esse novo
governo vai ter de oferecer uma perspectiva também de médio e longo prazo”,
afirmou.
Serra foi conferencista do primeiro ciclo de palestras
do último dia do seminário de Direito envolvendo lideranças políticas e
jurídicas brasileiras e portuguesas na Universidade de Lisboa.
O encontro, de
âmbito acadêmico, gerou polêmica ao reunir na capital portuguesa lideranças da
oposição ao governo Dilma Rousseff num momento de acentuada crise política e
risco de impeachment da presidente.
Debate político.
O último dia de debates do encontro também reuniu numa
mesma conferência os senadores Aécio Neves (PSDB-MG) e Jorge Viana (PT-AC), que
defenderam os seus pontos de vista sobre o atual momento político brasileiro.
“A minha intenção original era falar sobre a
implementação da Constituição em diferentes países após o período da Segunda
Guerra, mas como a Constituição no Brasil está a ponto de ser rasgada, resolvi
mudar a minha intervenção”, afirmou o petista, vice-presidente do Senado.
“Não quero relativizar a crise política do Brasil nem
esconder os erros do meu partido, que são muitos, mas é preciso respeitar a
Constituição. O Brasil está à beira de sofrer um golpe de Estado”, opinou.
Viana traçou comparativos entre índices
socioeconômicos do Brasil de 2002 (antes de o PT entrar no poder) e atual, para
concluir que eram piores há 14 anos do que agora. “Não quero fugir da crise, só
quero tipificá-la”, afirmou.
Logo após a fala do petista, Aécio assumiu os
microfones e respondeu ao seu colega de Senado. “Não vim a Lisboa com o ônus de
defender o governo, vim aqui para falar a verdade”, comentou o tucano.
O senador mineiro, então, voltou atacar o atual
sistema político brasileiro, ao qual chamou de “presidencialismo de cooptação”.
“Temos 35 legendas atualmente, e não as chamo de partidos políticos, porque
nada mais são do que siglas que se formam para arrecadar benefícios e vender
tempo de TV no horário político gratuito”.
Oposição versus
situação.
Durante seu discurso, Viana havia dito que o PSDB e
seus aliados não sabiam se comportar como oposição, “porque querem tomar
atalhos em vez de esperar pelo curso natural das coisas”.
“É preciso ser paciente quando se é oposição, entender
que vai perder as eleições algumas vezes até ganhar nas urnas. Esta oposição
atual não quer esperar as eleições para voltar ao poder pelo voto”, criticou o
petista, gerando nova resposta de Aécio Neves.
“O atual governo não sabe a sorte que tem, porque tem
uma oposição responsável, que não embarca na onda de que 'quanto pior melhor'.
Na verdade, eu acredito que passar um tempo na oposição faria muito bem ao PT,
para reavaliar seus conceitos”, afirmou o tucano.
Reforma política.
Ao mesmo tempo, tanto Aécio quanto Viana e também
Serra, concordaram no evento em Lisboa quanto à necessidade de reformular o
sistema político brasileiro.
“Nós temos de mudar esse modelo composição de governo,
de coalizão. O atual modelo perdeu a validade, não atende mais o país, não
importa quem esteja no poder”, afirmou Viana à BBC Brasil.
“Ficou evidente também que existe uma relação
promíscua no fluxo de dinheiro, de empresas que têm obras em governos e no
financiamento de políticos e partidos, um caso em que não há inocentes. Estamos
diante de um modelo que fracassou”, concluiu o petista.
Já Aécio defendeu o fim da reeleição e o mandato de
cinco anos, além de reforçar a campanha para limitar o número de partidos
políticos brasileiros. “Existem hoje empresas especializadas em conseguir
assinaturas para a criação dessas legendas. Essa é a mercantilização da
política brasileira em sua essência”.
Na opinião de Serra, é preciso criar no Brasil um
modelo que permita a mudança de governo em caso de uma crise como a atual, que
não seja tão “traumático” quanto o impeachment. “É preciso mostrar às pessoas
que grande parte do que está acontecendo se deve ao sistema político do país, e
não há momento mais oportuno para isso”, concluiu.
O 4º Seminário Luso-Brasileiro de Direito foi
organizado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) que tem entre os
seus fundadores o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, em
parceria com a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Eram esperadas também as presenças do vice-presidente
Michel Temer e do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
(FIESP), Paulo Skaf, mas ambos desistiram de viajar a Portugal.
Líderes da política portuguesa que também haviam
confirmado presença optaram por cancelar suas participações após a repercussão
do encontro na imprensa dos dois lados do Atlântico. Foi o caso do
ex-primeiro-ministro luso Pedro Passos Coelho e do presidente Marcelo Rebelo de
Sousa, que originalmente faria o discurso de encerramento do seminário.
Fonte: BBC Brasil.
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