“METRALHADORA
GIRATÓRIA”
Ideli admite que Congresso 'às vezes
faz chantagem'
Responsável
pela articulação política atribui problema à exigência de se ter governo de
coalizão e cita diferenças entre Lula e Dilma
Enfrentando
uma das mais agudas crises entre Executivo e Legislativo, a ministra das
Relações Institucionais, Ideli Salvatti, admitiu ao Estado que o Congresso às
vezes faz chantagem com o governo e diz que a prática não é vista com bons
olhos pela presidente Dilma Rousseff. Adianta que na próxima semana vai liberar
R$ 2 bilhões em emendas parlamentares, o que deve desanuviar o céu de Brasília.
E recomenda "divã e maracugina" aos parlamentares. Ideli está há dois
anos na pasta, a qual considera a 'pior cadeira' da Esplanada' "Vou te
dizer que essa possibilidade (de chantagem) existe e de vez em quando
acontece", disse Ideli. Na posição de mediadora entre os dois Poderes, a
ministra atribui a culpa desse costume ao sistema político eleitoral, que
obriga a formação de um governo de coalizão. "A questão dos cargos, que
não é prerrogativa dos parlamentares, acaba sendo uma, digamos, decorrência da
obrigatoriedade de fazer coalizão. O aliado pensa: ‘Se vou ajudar aqui (no
Executivo), o meu partido vai ajudar lá (no Legislativo)’. Então é legítima
também a postulação de compartilhamento dos postos de execução do
governo." Em outras palavras, a ministra vê como natural o toma lá dá cá.
Mas reconhece que nem sempre o universo é harmônico e detecta abusos. "É
claro que isso, em muitas situações, acaba provocando distorção, como
apresentação de nomes que não são compatíveis, ou exigências que passam da
conta, passam do razoável para a coalizão." Além de aspirar a nomeações,
os legisladores estão ressentidos porque o dinheiro das emendas parlamentares
ainda não começou a pingar. A ministra se esquiva: "No ano passado, que o
orçamento foi votado na época certa, eu já estava empenhando as emendas em
abril e este ano ainda nem comecei. Mas foi responsabilidade nossa? Não. Eles
poderiam ter votado o orçamento no ano passado." ‘Pior cadeira’. Sentada há dois anos na "pior cadeira"
da Esplanada, Ideli diz se sentir como um problema de Física - disciplina na
qual é licenciada para dar aulas - por sofrer pressões da Presidência, dos
parlamentares, prefeitos e governadores. "Tudo bem, pode ter flechinha de
força vinda de todos os lados, o importante é a força resultante. E a nossa
resultante é positiva. Apesar das flechas e das flechadas." Para recordar,
força resultante na Física é o somatório vetorial de todas as forças que atuam
sobre um corpo. Na política, significa aprovar no Congresso matérias de
interesse do governo, como desonerações, MP dos Portos, Código Florestal. A
ministra considera o momento "apimentado" entre os dois Poderes como
consequência da antecipação do calendário eleitoral, iniciado, na visão dela,
não pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Aécio (Neves, provável
candidato tucano à Presidência) já estava a mil pelo Brasil e Eduardo Campos
(possível candidato do PSB à Presidência) já estava com dedinhos à mostra,
ambos querendo se tornar conhecidos nacionalmente." Na visão de
parlamentares ouvidos pela reportagem em condição de anonimato - "porque
ninguém quer pôr o rostinho", espeta Ideli -, as principais críticas ao
trabalho da ministra são a falta de autonomia e de jogo de cintura, atributo de
ex-titulares da pasta como o atual ministro do Tribunal de Contas da União José
Múcio Monteiro, e a proeza de desagradar até parlamentares do PT. A ministra
tenta se explicar. "A grande dificuldade do meu cargo é que aqui não tem
nada que seja da minha total governabilidade. Nada. Não executo nada, todo o
meu trabalho depende dos outros. Múcio foi mesmo muito competente. Mas tem uma
rapaziada que faz de conta que não entende que durante determinado período
estava outra personalidade presidindo o País", diz. "A maneira de o
senhor Luiz Inácio Lula da Silva, digamos interagir é diferente da maneira da
presidente Dilma. Ela é extremamente preocupada com a questão do monitoramento.
Lula delegava mais." Sobre a insatisfação de colegas de partido, faz
graça: "Vou dar uns divãs para eles. Talvez (dê para comprar) no cartão do
Minha Casa. Melhor. Tem sofá, não? Pode incluir divãs? Ou uma chaise
longue...?", brinca. Dona do recorde de ministra há mais tempo na pasta,
Ideli brinca que a melhor parte do trabalho é quando chega em casa.
Bem-humorada na intimidade anda descalça por seu gabinete e costuma galhofar
com os mais próximos: "Do alto dos meus 61 anos me sinto sexy... sexagenária".
Apesar de brincalhona em seu mundo particular, Ideli relata fazer um exercício
"permanente, cotidiano, diário, quase horário de calma, calma, calma, o
que você há de convir que para uma italiana com boa dose de calabrês, mais um
tiquinho de basco, é difícil". E profetiza: "Nada está tão ruim que
não possa piorar, mas a gente vai dar um jeito de melhorar".
Reportagem
de Débora Bergamasco/Brasília
Fonte: - O Estado de São Paulo.
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