COMENTÁRIO
Scarcela Jorge
DÉCADA DE
INCERTEZA
Nobres:
A década está avançada e até
agora não apareceu um epíteto, formalidade ou estigma para nomeá-la. Os
criadores de doutrinas e padrinhos de tendências geralmente tão ativos e
inspirados parecem desestimulados, ou o que é pior, desnorteados, sem saber em
que direção apontar. Incerteza, dúvida ou impasse são apostos que casariam bem
como sobrenome para o primeiro terço deste decênio, porém pressagiam dissabores
e ninguém quer se assumir como patrono do mau agouro. As previsões são
pessimistas e as advertências, drásticas. Presumíveis e conexas para a grande circunstância
deixam em escancarado algumas oportunidades já que o processo mundial de
mutações não é linear, admite roteiros e velocidades variáveis. A década será
menos vivaz. Bem menos. Alguns dirão, muito menos. E assim sendo os
estrategistas políticos entre os “cientistas do lulopetismo”, economistas e
marqueteiros precisam rever planos, prioridades, posturas, retórica. E, se
possível, admitir sua própria substituição ante as exigências de um novo
repertório. As percepções estão se transformando em grande velocidade, a escala
de valores voa junto. Nessas condições a sociedade de massas torna-se
imprevisível, por mais precisas que sejam as sondagens de opinião. A doutrina
de “não mexer em time que está ganhando” tem um prazo de validade limitado e
cada vez mais limitado considerando a volatilidade e vulnerabilidade
ambientais. A tentação de reaproveitar o “roteiro” pode ser fatal e isso é
válido para todas as forças que disputam o poder. Até há pouco tempo essas
forças identificavam-se com os principais partidos políticos e os grandes
grupos sociais. Hoje entraram em cena outros vetores religiosos, demográficos,
geográficos, econômicos e até corporativos. O país permanece um ente nacional
por força de um sistema de comunicação criado nos anos 60 que dificilmente será
mantido. Logo será sacudido e individuado graças às novas tecnologias. O
redesenho do país está sendo feito de forma fragmentaria, desordenada, em
pranchetas clandestinas. Ninguém percebe o que vem por aí, o único dado sólido,
perceptível, é que o Brasil não convive com estagnação. Por outro lado as
expectativas geradas pelo ingresso no mercado de consumo, acopladas à
antecipação da campanha eleitoral e à realização da Copa do Mundo criaram uma
dinâmica própria e não é antevisão; é consolidação natural.
Antônio Scarcela Jorge.
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