Bergoglio, o
modesto jesuíta que chegou a Papa.
Um Papa modesto, conservador e
preocupado com os mais pobres. São estes alguns dos traços do 266.º Papa, o
primeiro latino-americano e jesuíta. Aos 76 anos, o cardeal Jorge Mario
Bergoglio é uma surpresa e uma escolha improvável para os que previam que,
depois do pontificado curto de Bento XVI, que renunciou devido à idade, o novo
Sumo Pontífice seria escolhido entre os mais jovens.
No entanto, sabe-se hoje, o
arcebispo de Buenos Aires foi o principal adversário de Joseph Ratzinger na
eleição de 2005, tendo chegado a reunir 40 votos dos cardeais eleitores,
recorda John Allen no perfil que traçou de Bergoglio para o National
Catholic Reporter. Oito anos depois, terá sido o candidato de consenso
depois de afastados outros nomes dados como favoritos.
Filho de pai italiano, um
ferroviário, oriundo da região de Turim, e de mãe dona de casa, tem quatro
irmãos. Bergoglio estudou Teologia na Alemanha e desempenhou vários cargos
administrativos na Cúria, o que lhe permite criar pontes entre os dois
continentes com mais influência na Igreja Católica.
Bergoglio estudou engenharia
química. Mais tarde, quando perdeu um pulmão devido a uma doença
respiratória, resolveu seguir o sacerdócio. E agora é o primeiro Papa não
europeu desde o ano 752.
Ascensão em plena ditadura
Nascido em Buenos Aires, em 1936,
só seguiu o sacerdócio aos 32 anos. Após a ordenação dedicou os anos seguintes
a ensinar Literatura, Psicologia e Filosofia, antes de assumir, na década de
1970, o cargo de provincial da Companhia de Jesus na Argentina. O país vivia
então sob ditadura e, enquanto muitos jesuítas se aproximavam da Teologia da
Libertação e viam no movimento progressista uma forma de oposição aos generais,
Bergoglio insistiu para que se mantivessem fiéis aos princípios espirituais da
companhia e se dedicassem ao trabalho pastoral, escreve Allen.
A ascensão religiosa de Jorge
Mario Bergoglio coincidiu com um dos períodos mais obscuros da Argentina: a
ditadura militar (1976-1983). Foi acusado de não proteger dois jesuítas que
foram sequestrados clandestinamente pelo governo militar por fazerem trabalho
social em bairros de extrema pobreza. Ambos os padres sobreviveram a uma prisão
de cinco meses.
O caso é relatado no livro
"Silêncio", do jornalista Horacio Verbitsky, também presidente da
entidade privada defensora dos direitos humanos CELS. A publicação leva em
conta muitas declarações de Orlando Yorio, um dos jesuítas sequestrados, antes
de morrer em 2000.
"A história condena-o:
mostra-o como alguém contrário a todas as experiências inovadoras da Igreja e,
sobretudo, na época da ditadura, mostra-o muito próximo do poder militar",
disse há algum tempo o sociólogo Fortunato Mallimacci, ex-decano da Faculdade
de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires.
Os defensores de Bergoglio dizem
que não há provas contra ele e que, pelo contrário, o novo Papa ajudou muitos a
escapar às Forças Armadas durante os anos de repressão no seu país, tendo
mesmo usado um encontro com o general Videla para interceder em defesa das
vítimas da ditadura.
Primeiro jesuíta a comandar Igreja Católica
Como bispo auxiliar (desde 1992) e depois como arcebispo de Buenos Aires (desde 1998), o cardeal manteve sempre uma posição conservadora em termos teológicos, sendo considerado próximo do movimento Comunhão e Libertação, grupo católico com grande influência junto da política italiana. Será também o primeiro jesuíta a assumir o trono de São Pedro.
Como bispo auxiliar (desde 1992) e depois como arcebispo de Buenos Aires (desde 1998), o cardeal manteve sempre uma posição conservadora em termos teológicos, sendo considerado próximo do movimento Comunhão e Libertação, grupo católico com grande influência junto da política italiana. Será também o primeiro jesuíta a assumir o trono de São Pedro.
No Vaticano, longe de possíveis
polémicas dos tempos de ditadura, é esperado que o cardeal sul-americano,
silencioso e tímido, conduza a Igreja Católica com firmeza e com uma clara
preocupação social.
"Ele é capaz de fazer a
necessária renovação sem saltos para o desconhecido. Será uma força de
equilíbrio", disse à Reuters Francesca Ambrogetti, coautora da
biografia de Bergoglio, após uma série de entrevistas durante três anos.
"Ele partilha da visão de
que a Igreja Católica deve ter um papel missionário, que sai ao encontro das
pessoas, que é activa... Uma Igreja que não se preocupa tanto em regular a fé,
mas sim em promovê-la e facilitá-la", acrescenta Ambrogetti.
Um ortodoxo contra aborto e casamento gay
O novo Papa é também destacado
pela preocupação com os mais pobres. O Guardian escreveu que,
em 2001, quando João Paulo II o nomeou cardeal, Bergoglio pediu aos fiéis que,
ao invés de se deslocarem a Roma, distribuíssem o dinheiro da viagem entre os
mais pobres. Durante a crise económica que atingiu a Argentina, surgiu como uma
voz da consciência nacional e, por várias vezes, tem alertado para as
consequências da globalização desregrada para os que já sobrevivem com muito
pouco.
É também destas críticas que
resultou a sua má relação com o casal Kirchner. O Ex-presidente
Nestor Kirchner chegou mesmo a considerar o então arcebispo como "o
verdadeiro representante da oposição".
Com Cristina Kirchner, que
sucedeu ao marido na Presidência da Argentina, a relação também não tem sido
fácil, tendo atingido um pico de conflitualidade quando foi aprovado o
casamento gay no país. Apesar destas diferenças, a actual Presidente já
disse que vai estar em Roma, na terça-feira, na cerimónia de inauguração do
pontificado do Papa Francisco.
Ao longo dos anos, Jorge Mario
Bergoglio deu prova da sua ortodoxia, manifestando também a sua oposição
incondicional ao aborto e à contracepção ou à adopção por casais homossexuais.
Em 2010, escreve o Guardian, quando a Argentina se tornou o
primeiro país latino-americano a legalizar o casamento gay, o cardeal
afirmou que a alteração legislativa representava uma forma de discriminação de
crianças que, disse, deveriam ter o direito a ser educadas por um pai e uma
mãe. Ainda assim, admite o recurso ao preservativo para impedir doenças
infecciosas – ficou famosa a sua visita, durante as cerimónias pascais de 2001,
a um hospital para lavar e beijar os pés de 12 doentes com sida.
Modesto, tímido, fã de futebol e literatura
É conhecido também pela timidez e modéstia – Allen recorda que recusou viver no palácio apostólico, que trocou por um apartamento na capital argentina, dispensou a limusina (prefere viajar de autocarro e metro).
É conhecido também pela timidez e modéstia – Allen recorda que recusou viver no palácio apostólico, que trocou por um apartamento na capital argentina, dispensou a limusina (prefere viajar de autocarro e metro).
"O seu estilo de vida é
sóbrio e austero. É a forma como vive. Viaja de metro, de autocarro e quando
vai a Roma voa em classe económica", conta Francesca Ambrogetti.
"Sempre foi uma pessoa
simpática e acessível", contou à Reuters Roberto Crubellier, empregado de
uma igreja na Baixa de Buenos Aires, onde Bergoglio costumava ir.
O homem simples que cozinha as
suas próprias refeições gosta de tango e literatura, principalmente os autores
clássicos.
E é também um apaixonado por
futebol. É adepto do San Lorenzo de Almagro, de que é inclusivamente sócio.
Gosta de ir ver os jogos da sua equipa, algo que agora terá mais dificuldades
em fazer.
Fonte: AI.
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